ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

MARIA ALEXANDRE DÁSKALOS

 

 

 

 

Nasceu em  mim uma fonte

nada sabia dessa água

até encontrar as margens

desta escrita

que quis fosse lisa

como pedra mármore

 

 

***

 

 

Amendoeiras selvagens

em flor

a rasgar o verde

da mata de inverno.

 

Plenitude de maturidade

como relógio de areia

a marcar os quarenta anos.

 

 

***

 

Um homem ao crepúsculo

sabe que os poetas e as mulheres

percorrem as ruas da cidade

 

na peregrinação dificílima do amor.

Esperam-nos em caves secretas

ungüentos e odores tropicais

então, um homem tranqüilo torna fácil a nudez.

 

 

***

 

 

As velhas tias organizam velórios

e com o pêndulo do ocaso

invertem as rotas dos barcos

saídos do cais ao fim da tarde.

 

Ecos que já não lutam com ventos perigosos

de aromas marinhos

anseiam chegar à ilha para ver os pássaros

e

preguiçar na promessa de uma ilusão cumprida

Ao fim da tarde...

 

 

***

 

A alma é como a lavra.
Quando as nossas mãos voltam a desfiar.
O milho amarelo de ouro?
Que outras mãos que as nossas semeiam
O medo e o silêncio da morte?
Por que este frio? Por que tão longa a noite?
Como se faz o mundo? Quando começa o mundo?


***

 

O garoto corria corria
Não podia saber
Da diferença entre as flores.
O garoto corria corria
Fugia.
Ninguém lhe pegou ao colo
Ninguém lhe parou a morte.

 


***

 

E agora só me restam
os poetas gregos.
O silêncio diz - esquece.
E o espinho da rosa enterrado no peito
é meu.


Os deuses não assistiram a isto.
 

*
 

Maria Alexandre Dáskalos, poeta angolana,  nasceu em Huambo, em 1957, filha do poeta e intelectual nacionalista Alexandre Dáskalos. Estudou nos colégios Ateniense e de São José de Cluny, formando-se em Letras. Em 1992, durante a guerra civil, mudou-se para Portugal, com a mãe e o filho. Atualmente, é jornalista na RDP África e mestranda em História Contemporânea. Publicou Do Tempo Suspenso (1998), Lágrimas e Laranjas (2001) e Jardim das Delícias (2003).

*

 

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