ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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MARIA ALICE VASCONCELOS

 

 

 

 

AUTO-RETRATO

 

cores quentes

expressam a rotina;

nos esfumaçados refratários

cores frias

viam cair a noite

minguada de estrelas

o negrume ofusca

o lume do dia

valores perdidos

diluindo-se nas ruínas

ruídos: gritos e gemidos

(múltiplos e marginais)

no estalar estonteante

tiroteiam túneis

transitam no tráfego

tinindo nas ruas

tísicas

trepidam os refratários

dos quadrados verticais

perturbam o repouso

dos fatigados

arrepia a espinha

num sono agitado

tinge-se de vinho tinto

uma fatia

de minha pintura

para encobrir meus

dejetos-delitos

a fatia apodrecida

do intestino fino

que foi infectado;

olho o óleo na tela

de olho na trama

que urdi em arte crua

 

 

CONDENADO AOS AFLITOS

 

inquieta-se feito cão

lambendo líquido

no limbo

sem deuses ou demônios

mistura-se à escória

e se escora

na coluna do tédio

ambicionando um tempo

fora do seu tormento

experimenta

um momento

com gosto de

tese e antítese

 

(

substrato do abstrato

               em trâmites

                                 )

 

uma estimativa de

        síntese

resseca-lhe a garganta

sua boca

paralisa

na outra aberta

suga até a última

gota

de ca-

 fé

 

fumegante

 

o pensamento

materializa-se

 

 

 

A VIAGEM

 

a noite sorveu o dia

não restam resquícios

do por do sol flambado

que na ceia apetece

 

serve-se em nova jornada

ruas de janelas fechadas

mergulha nessa viagem

respirando algas marinhas

avança nesse sentido

sem pressa de chegar

com olhos de gato e mãos meãs

costura a malha pontilhada

 

sem linha no fundo da agulha

             trepida na pista

que se estreita:

a menina malabarista 

     - de pés nus –

e o parasita dança

na cabeça embaraçada

 

a luneta gira no olho cego

observa na escuridão branca:

o atormentado se debatendo

num temporal de lorotas

um trio fritando no asfalto frio;

esperam socorro rápido

 

congela as imagens;

fotografa pensamentos

desalinhados, costurando

o trânsito -  pinta de luto

a notícia no site –

 

 

SECURA

 

assim

navegante numa teia de aventuras sem fim caio cético num oceano seco de ilusões com exóticos limites de facas afiadas e língua de léguas de correntes que titilam ao roçar da calda de um véu de vento e rangem ao bocejo rancoroso do monstro medonho invasor do meu continente de águas cristalinas tragadas por suas gigantes narinas de esgotos e me afunda no lamaçal espurco dos seus dejetos um composto da matéria de sua galáxia e não me reconheço neste fantasma de mim blindado no nada o nada em que me transformei e me entorno na ânsia em torno do nada até que enfim concentro me em forças que desatam os laços de aço de léguas de língua pego a primeira pedra do destino e parto o espelho das lembranças torturantes  e jorram torrentes de sangue que mancham a memória do retrato restrito ao nada e se não se fartar em tanto ferir me adentro na estrada de túneis que me levam para longe de suas amarras largando ao deserto sua ira afiada na cegueira de mente comprimida em carta de linhas tão endurecidas e nem o movimento articulado de suas largas e longas mandíbulas suportaria mais o peso e envergaria na secura até o

 

 

*

Maria Alice de Vasconcelos nasceu em Bela Cruz (CE) e reside em São Paulo desde janeiro de 1969. Possui curso superior em Serviço Social e pós-graduação em Recursos Humanos, além de vários cursos específicos e de reciclagem em Educação, Saúde e Recursos Humanos, setores onde atuou profissionalmente. Coordena o “Sarau Poetas da Casa”, que acontece regularmente na Casa das Rosas, e participa do Laboratório de Criação Poética. Publicou em antologias e nos sites literários Cronópios, Germina e Zunái.

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