ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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MBATE PEDRO MATANDALASSE

 

 

 

 

QUEREM-ME À GUERRA

 

 queria ficar a nomear os rios

  nas veredas do seu corpo

 e a recontar as pétalas

no miosótis da tua boca

 

queria ficar a prescrutar

a explosão vagarosa dos teus seios

no despertar libidinoso

as minhas manzorras

e a fotografar a chegada apoteótica

do nhambalo nas tuas ancas

 

eu queria ficar

meu amor

mas querem - me a guerra

para que docemente desperte

as munições adormecidas

nas Kalash dos meus assassinos

 

 

MINARETE DE MEDOS

 

assomei-me do seu delicado corpo

como quem de madrugada

s’abeira da casa da vizinha

-da licença! da licença! – sussurrei -lhe ao ouvido

Mordiscando a ténue cartilagem

ela fez um minkulunguana  e embrenhou -se no meu corpo

eu chorava copiosamente

olhou fixamente para mim e perguntou -me:

-por  que chorais meu poeta? Quais são os teus medos?

-zelen disse, os meus medos são os teus medos …

-responde pressuroso – à geografia dos meus medos

é limitada (em toda a sua extensão)

pela angustia do meu povo – acrescentei

tenho medo por exemplo da manhã despertar

com os dedos das mãos amputadas

sem que antes escreva um ultimo poema

tenho medo ainda

de que o cirurgião suture a minha boca

nas vésperas do nosso matrimónio

tenho medo de um desses   dias

abrir a necrologia do jornal ver

todos os meus leitores mortos

ou meus poetas predilectos amortalhados

numa vala comum abarrotada de incultos

de que meus poema sejam roubados e vendidos

à bagatela na candonga dos dumbas

também tenho medo

tenho medo  que de madrugada coloquem joelhos

na minha inexorável consciência

para me arrastarem aos seus pés

assim como também tenho medo

que coloquem sovacos nos meus neurónios

para os distraírem em cócegas

na excitação das  noites tenho medo

de dizer adeus quando te vejo partir

para o regaço das minhas imponderáveis coxas

no rumor do escuro tenho medo

de descobrir ao despires - te 

que afinal és um poema por acabar

também tenho medo que os meus filhos

nasçam com rabo de poeta ou que

um paiol de palavras rebente dentro da minha poesia

tenho medo que no próximo censo

me registem como um refugiado

acampado no arraial de palavra

 uma bela manha do primeiro dia do mês de Abril

tenho medo que me digam muito sinceramente

que malhazine nunca existiu

a montante de sangue que ocorre

nas veias do meu povo

tenho medo que edifiquem um mpanda nkuwa

ou que floresçam nenúfares

no pântano das minhas lágrimas

ou então uma nuvem vermelha 

vomite perdigotos de sangue

no meu belo rosto

tenho medo que hoje os meus

efémeros adversários na linha de combate

sejam surdos

como também tenho medo

que na sua prosápia editorial

me impeçam de ter medo (deles)

oh meu amor

como me amedronto

à ideia de que kalash a chorar

revele os nomes dos assassinos

e tenho medo de que uma bela tarde de domingo

quem te venha anunciar a minha morte

seja o meu companheiro de luta

a quem mutilaram as cordas vocais

tenho medo que de tanto passar o tempo

a desbravar a terra sedenta do teu corpo

não me reste um bocadinho de tempo para morrer

assim como receio que afoguem

as minhas glândulas lacrimais

para que não possa chorar

o inteiro catálogo de angustias do Sangare

tenho medo enfim que antes que me dêem

o definitivo tiro nas têmporas

me ensurdeçam e em seguida me vociferem

no meu ouvido esquerdo as ultimas palavras :

mbate morremos de  medo de ti!

Por fim ela desembrenhou - se e beijou - me

O coração das coxas em seguida despiu - se

 e no meu ouvido esquerdo disse áfona :

-não tenhas medo meu amor!

os teus medos são os meus medos.

 

 

 

ÀS VEZES PEÇO AOS MEUS VERSOS QUE DISPAM

 

 

às vezes

peço aos meus versos

que se dispam

e passem a noite

no meu leito

 

já nenhum corpo nu me retesa

 

tão antigo do doentio

o desnudar das mulheres

no meu país

vestem -se elas agora

de farrapos de penúria

.

Hirto

apelo aos xicuembos

e ao despir do poema

(como os médicos

que na procura do doente

despem a doença)

 

 

 

 

EU PLANTEI COQUEIRAIS

 

 

eu plantei coqueirais

na bruma do teu corpo

e na madrugada enluarada

hei - de docemente recolher

os frutos aconchegados

pela lonjura do teu firmamento

 

meu amor

nas noites de estio

o indico taciturno chora

incomensurável ausência

do teu corpo

-o regaço da sua fundura

 

 

*

 

Mbate Pedro Matandalasse nasceu na cidade de Maputo em 1978. É licenciado em Medicina pela Universidade Eduardo Mondlane e membro da União Mundial dos Escritores Médicos. Colaborou na revista brasileira de literaturas africanas Sarará. Participou em vários movimentos surgidos na cidade de Maputo. Tem dois livros de poesia publicados: O mel amargo (2006) e Minarete de medos e outros poemas (2009).

*

 

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