QUEREM-ME À GUERRA
queria ficar a nomear os rios
nas veredas do seu corpo
e a recontar as pétalas
no miosótis da tua boca
queria ficar a prescrutar
a explosão vagarosa dos teus seios
no despertar libidinoso
as minhas manzorras
e a fotografar a chegada apoteótica
do nhambalo nas tuas ancas
eu queria ficar
meu amor
mas querem - me a guerra
para que docemente desperte
as munições adormecidas
nas Kalash dos meus assassinos
MINARETE DE MEDOS
assomei-me do seu delicado corpo
como quem de madrugada
s’abeira da casa da vizinha
-da licença! da licença! – sussurrei -lhe ao ouvido
Mordiscando a ténue cartilagem
ela fez um minkulunguana e embrenhou -se no meu corpo
eu chorava copiosamente
olhou fixamente para mim e perguntou -me:
-por que chorais meu poeta? Quais são os teus medos?
-zelen disse, os meus medos são os teus medos …
-responde pressuroso – à geografia dos meus medos
é limitada (em toda a sua extensão)
pela angustia do meu povo – acrescentei
tenho medo por exemplo da manhã despertar
com os dedos das mãos amputadas
sem que antes escreva um ultimo poema
tenho medo ainda
de que o cirurgião suture a minha boca
nas vésperas do nosso matrimónio
tenho medo de um desses dias
abrir a necrologia do jornal ver
todos os meus leitores mortos
ou meus poetas predilectos amortalhados
numa vala comum abarrotada de incultos
de que meus poema sejam roubados e vendidos
à bagatela na candonga dos dumbas
também tenho medo
tenho medo que de madrugada coloquem joelhos
na minha inexorável consciência
para me arrastarem aos seus pés
assim como também tenho medo
que coloquem sovacos nos meus neurónios
para os distraírem em cócegas
na excitação das noites tenho medo
de dizer adeus quando te vejo partir
para o regaço das minhas imponderáveis coxas
no rumor do escuro tenho medo
de descobrir ao despires - te
que afinal és um poema por acabar
também tenho medo que os meus filhos
nasçam com rabo de poeta ou que
um paiol de palavras rebente dentro da minha poesia
tenho medo que no próximo censo
me registem como um refugiado
acampado no arraial de palavra
uma bela manha do primeiro dia do mês de Abril
tenho medo que me digam muito sinceramente
que malhazine nunca existiu
a montante de sangue que ocorre
nas veias do meu povo
tenho medo que edifiquem um mpanda nkuwa
ou que floresçam nenúfares
no pântano das minhas lágrimas
ou então uma nuvem vermelha
vomite perdigotos de sangue
no meu belo rosto
tenho medo que hoje os meus
efémeros adversários na linha de combate
sejam surdos
como também tenho medo
que na sua prosápia editorial
me impeçam de ter medo (deles)
oh meu amor
como me amedronto
à ideia de que kalash a chorar
revele os nomes dos assassinos
e tenho medo de que uma bela tarde de domingo
quem te venha anunciar a minha morte
seja o meu companheiro de luta
a quem mutilaram as cordas vocais
tenho medo que de tanto passar o tempo
a desbravar a terra sedenta do teu corpo
não me reste um bocadinho de tempo para morrer
assim como receio que afoguem
as minhas glândulas lacrimais
para que não possa chorar
o inteiro catálogo de angustias do Sangare
tenho medo enfim que antes que me dêem
o definitivo tiro nas têmporas
me ensurdeçam e em seguida me vociferem
no meu ouvido esquerdo as ultimas palavras :
mbate morremos de medo de ti!
Por fim ela desembrenhou - se e beijou - me
O coração das coxas em seguida despiu - se
e no meu ouvido esquerdo disse áfona :
-não tenhas medo meu amor!
os teus medos são os meus medos.
ÀS VEZES PEÇO AOS MEUS VERSOS QUE DISPAM
às vezes
peço aos meus versos
que se dispam
e passem a noite
no meu leito
já nenhum corpo nu me retesa
tão antigo do doentio
o desnudar das mulheres
no meu país
vestem -se elas agora
de farrapos de penúria
.
Hirto
apelo aos xicuembos
e ao despir do poema
(como os médicos
que na procura do doente
despem a doença)
EU PLANTEI COQUEIRAIS
eu plantei coqueirais
na bruma do teu corpo
e na madrugada enluarada
hei - de docemente recolher
os frutos aconchegados
pela lonjura do teu firmamento
meu amor
nas noites de estio
o indico taciturno chora
incomensurável ausência
do teu corpo
-o regaço da sua fundura |