MÔNICA BERGER
sobre a musa em desuso
pouco ou nada se sabe
fora a fala do que foi feito fada
encantada
dona do silêncio e do alarde
falso o amor, canta mímica,
onda que invade e parte
fica a flor mínima
nas folhas rendadas de Sartre
a falta transmuta-se em fase
a flecha fere um alvo confuso
o dedo picado no fuso
um pingo de sangue na rosa da tarde
afinal, o que dói não é só o que arde
escuta da musa em desuso
o que do canto toa verdade
antiga pitonisa
da farsa, da arte,
a de linha de prata da lua
o lado esquerdo da face
1986
* * *
quando leio papel
ligo só nas letras
depois o segundo sentido
depois o que significo
logo soletro a seita
a intenção que canta
esquiva e atenta
anima o alarido
meu labirinto decreta
mais que um pedido
um agudo ruído
que brota da testa
1986
* * *
lasciva
e assustada
eu,
lebre caligramática,
escrevo
quando nada mais me resta.
palavra,
pra que tanta pressa?
MEDO
pare a lua
fique da flor
a cor da pedra
óbvio retrato
pare o sangue
a paz congelada
gota vermelha gota
o instante coagulado
o mundo já
presente, senão morto
pesadelo e plenitude
vida para sempre
no jardim do anonimato
DEVORAÇÃO
Dou o meu corpo a vocês, poetas
Paguem-me em poemas
Rasguem a seda dos adjetivos
Enquanto lanço fora os véus
Somem verbos e substantivos fortes
Que eu chuparei suas línguas ansiosa,
Vampira de todas as letras
Metaforizem o pêlo à exaustão
Sépala cálida sobre as retinas
Nuvem ferina ante a janela
Óleo em pálpebras de fogo
E se o corpo não for suficiente
Tomem a alma, demoníacos vates
Frases inteiras que me atingem do nada
Inferno de dor e beleza
Viva e livre para sempre
Palavra.
*
Mônica Berger é poeta e reside em Curitiba. Publicou poemas em revistas impressas e eletrônicas como Coyote e Germina. É autora inédita em livro. |