o vermelho é a cor mais encarnada.
*
chaos
de onde vim – belezas
e destroços, suam intensamente
tudo existe, dorme. até
que doa o útero, em desfio
gozam a doer profundamente, verdade
no rasgar das manhãs.
*
ceciliana
escorre o óleo do mundo - lima
de rícino, refino
mínima grama ou toda
canteiro, fecundo
a poesia é de quem
precisa, disse o carteiro
lhe ria, além a lama
ternas de exílio e poda
te revisito, o mundo - olha
entre as pernas.
*
variação barroca pra casa grande & senzala
a casa-grande era branca.
descalça, não entrava, não a via.
vivia na casa branca.
enquanto eu, num banzo tão encarnado, dona.
*
alquimia pra infidelidade
domitilla lhe doía. seu nome, domitilla, domitilla.
(um nome é só um nome. como isabel, fátima, cida.)
domitilla, se repetia, os olhos grudados
no papel amassado e o endereço. os dedos se tremendo
um embrulho como ventoenvenganovoglia.
pinzón no mar doce e gama nas índias, na estante
cinco ou seis livros, um poema no papel
amassado, como souvenir. mapa.
lhe doía o naufrágio. terra
à vista, menir. os olhos ruínas, ó, domitilla.
*
dente de leão
a beleza da sua namoradinha, sua constância, me assusta. apavora.
*
ensaio pra transubstanciação
pra ela, à distância digo
fecha os olhos
ouvimos toda a poesia universal
detemo-nos nos mitos
sou mandona, choro, gozo. triskle.
ela gosta
rimos. morremos.
e entro em águas, até senti-la quando.
*
outra cantiga de cego, outra
se eu não te ouvir
não ligue
toca o encontro da polca
com o índio e o africano e o ibérico
- choro
*
orla, 1890
encontro
mil decibéis acima dos sóis
dez graus abaixo, vulcão
pés, afinco, finco.
encontro
corpo, calma, carma
te rasgar, risco, vacilo, dentes
orixás, eguns, ancestrais
[te encontrar.]
*
variação pra orla, 1890
então eu te enganei toda a noite.
quando o vento fraco não me cortava a pele
e um amigo era MAIOR
que eu ali na sarjeta.
uma santa coexistia no fim do mundo.
e aquele homem transparente, seu.
enquanto seu corpo se contorcia em cólicas de ciúme e desejo
(contorcia?)
esticava-me em concha até cada osso estar moído.
junto do desespero da insônia, do abandono,
a imagem persistente dos meus ombros nus e jogados.
nuas e alumbradas.
*
flauta pra nzinga
pr'essa nêga matamba paranoica não basta dizer:
- está tudo bem.
- eu não ligo.
- vamos seguir juntos.
- há um princípio político [...]
ai, amor, são necessárias rosas de um rosa gritante,
poemas cavalares, históricos,
mais quadrinhas que redondilhos.
pra me amar e ter inteira, riso largo,
a face serena sem expressões franzidas ou teatrais,
é preciso drama, camarada:
os olhos a me caminhar, venerar, buscar;
fazer exigências, oferecer um lenço azul, um título ktke;
há que me torcer o esternoclidomastóideo até varar o ílio;
morrer de amor, guerrilha e poesia.
*
variação, homérica
a nostalgia da poesia, seu corpo,
rega tudo. são sangues
que desviam tua alma.
*
inventário
me vestem essas paredes, retalhos de poesia e cinema
que pintam a casa caiada de manchar inquilinos sonhos.
com dedos e sopros vou espanando a areia que murmura
nos talheres e pratos que me deram por conveniência ou despeito.
na rua, ficam me espreitando ali parados alguns postes.
patrulham o amor que exalo e tremo.
sereno, desvairado? que importa.
a fome arde em tudo e talvez seja eu
apenas esse espaço entre oceano e janela |