ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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PIERO EYBEN

 

 

 

 

DENTE-DE-LEÃO

 

há fiapos ávidos,

fruto nãostálgico

 

como se amarelecesse,

necessidade da brandura

fosca em tarde de aurora.

 

nãovãos da atmosfera

circundante-s canteiros

de diasfiapos noutrora.

 

serra de caules, possíveis,

nuessência da palavra,

fimbrias raízes de sóis,

 

(qual branco, qual amarelerde)

soluço em pianista

mostra outra parte da outra.

 

capinácio ruminando

pelas lexias no vento,

linhas brandas que se

 

amontoam em pó dourives

como confusa conessência

dos pêlos do douro.

 

a boca vai-se fechando,

quando crescem os odores

 

 

IMAGEM DO MONDEGO


paira ainda um corte
– tecido de bordar, voz –
treme o chão, uivando
mal ditas palavras, infausto
anúncio, sentença de gentes
– corte, à mão, tece à destra –
conluio de coroas, convívio
exílio de mandrágoras, púrpur:
relicário, escorrem maculosos
os peitos do por achar.

 

 

ESTACA

 

presa, falas à madeira

perto do marrom como

pico. fugidia.

 

escultura molde

estende a marca

esférica da vida

 

ferocidade sagaz

 

 

 

MUTUM

 

esférica manhã de flagra

a perdiz sub-reptícia

do canto, morosidade.

 

aberto, o bico vermelha,

goela balança tal cobra,

soturnidade da manhã

sob as penas.

 

mascara a sensibilidade

da fuga, morada. som

vicejo das negras.

 

ora macia carne de

palavra. ora sombria

noite de maltrato.

 

às mangas ao redor,

pomos de terra

aurícula, cospem

meninos fora delas.

 

preta pena posta paca

pena preta paca posta

pomos terra, barriga morta.

 

as margens da esfera,

noturnidade de vozes.

 


 

DAS DING

 

a coisa fala

palavras de leite

branca a fronte

fala ao des-

(aube)

enhar apenas, cala.

 

 

 

TULIPA

 

copo amarelo nadando,

soluço de dia que varre.

transbordaram as velhas

facas do monstro

e as cores em verde

se diluindo.

 

azul noturno dos odores,

copo amarelo tardando.

tua limpa essência,

matiz da cor, volatilidade

de temporalidade, pedra

rubi de silêncios.

 

pacto de jardim de serpentinas,

candelabro de ocasidade.

 

 

BREVE VIRAÇÃO DE CIMOS

 

à rota úmida tange a rosa

pousada em flanco dorm-

ente quase um sussúrio de asa

espira inalando o expiro –

 

grão e tez insone horríssona

fúria escura turva –

warte nur, balde: à penas e

fiapos nus em finas nudezes;

 

tange quase as copas folhudas –

olho-de-cão – lento levantou-se

o renegro tom de busto tingido

ist ruh, silencio sossegos e re-

 

pouso: sabedor de aves calcá-

rias (teia-e-mel) – über allen

as estacas cavam estrados de

brisa e bosquejo: aragem-poema.

 

 

FACE (1)

 

os vitrais refletem uma permanência,

bancos tons-vemelho-azulados de carvão,

apenas os olhos os vêem.

 

 

 

MAIS-ALÉM DE ANCHIETA

 

that skull had a tongue in it

hamlet

 

parecem colares,

              a glória de furtar

              cavalos de pasto –

 

 

parecem de brilho,

o duradouro halo

  de inconstâncias –

 

 

parecem da parte,

              um todo de braço

              baço de escrita –

 

 

parecem um sopro,

              de quase estile,

              alfabeto em nume –

 

 

parecem de mistério,

              os iliônicos cavalos

              e adros em companhia –

 

 

parecem de jambos,

              as cores daquilo

              em que se banham a espada –

 

 

parecem de mãos atadas,

              os pregospectros

              em que capitulam romãs –

 

 

parecem de repente,

              sombra do retábulo

              esquecido de outra hora –

 

 

 

 

 

 

**

com isso,

              um velho jesuíta se ergue

                         em redondilha arena

              à margem de tudo –

              mesmo do abraão ou

              moisés sob uma tábula –

              como que num não findo

              espaço de ocre e gaivota

              – óleo de calisto fuça o fundo –

              inscreve –

 

                                     em vulgata língua do povo

                                     como parábolas sobrinscritas

                                     do braço em que se esticam

                                                 a pena e a tinta;

                                     e a caveira de yorick deslumbra

                                     mortalha humana envolta em

                                     sangue tênue e textura rubra

                                     – um velho de barbas ralhadas

                                     em uma enorme placa encerada

                                     de folhas de amaro açafrão –

                                     um breve estúdio concentra-se

                                     e torna-se muito além da teresa

                                     em êxtase em santa maria della

                                     vitoria

 

***

um lázaro se levanta,

            – a tenerife desaparece;

o retiro de reritiba também –

a sé do taumaturgo –

oú tubixá katú de memória

à virgem, para ele divinizada –

de memória: sem rangerem as

portas nos seus gozos

 

                         e um dedo entre a pele,

                         em que tome a vista via,

                          serve a conferir – no

                         claro negro da iluminura

                         um tecido de mortalha

                         (dorso nu e cara vaga)

                         na dúvida sobrescrita

                                     em códice         em gume

                                                           em bastão, areia e onda.

 

 

*

 

Piero Eyben é poeta, tradutor e professor na Universidade de Brasília (UnB).

*

 

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