Os chineses perscrutam a lua
de perto. Têm um grande país,
mas querem visitá-la. No lago
Li Po mergulha bêbado e morre.
Não aceitam que o ar ou a água
se coloquem no caminho deles.
Pensam que a lua é sua casa
e que é seu direito ir até lá.
Se metem num foguete e se lançam
no espaço como os russos fizeram;
não enviam cadelas porém:
julgam tratar-se de um privilégio
aproximar-se da lua. Têm
um grande país. Maior que ele
é a noite que instiga seus desejos.
“Temer a morte fora do perigo e não no perigo”
Pascal
Possa minha certeza
e minha confiança
dar-se em meio ao perigo,
porque o perigo exige mais
e maior violência, maior malvadez,
E também porque ao seu fim
— a vitória — tornam-se a certeza
e a confiança descartáveis,
a inconstância, inocente,
a dor, uma lembrança doce,
um aguardar possante
e uma alegria orgulhosa.
Violeta e folhas secas e toalha vermelha
E pão de sal e marca de vinho
Sobre a mesa da sala
Mas estamos na cama no quarto sem luz
Ocupados com nossos pensamentos
Observamos um ao outro, e o apartamento
Em busca de uma idéia do que fazer
E eu só tenho a você
Fizemos tuas malas, é certo
Esperamos a hora de partir
E já sei aonde vamos
Não, isso era pra eu guardar pra depois
Alguém virá nos buscar
E carregar as coisas pra nós
E eu te direi coisas bonitas
E não vai haver despedidas
Você põe Milton pra tocar
No meio de uma frase minha
E eu acompanho a melodia
Eu esqueço o que vinha falando
Você tece comentários escandalosos
sobre o beijo que eu te dei na cozinha
Mentira, nós já havíamos ensaiado tudo
Você gosta de me ver sofrer
Você lembra de um poema do Drummond?
Você já sabe que eu não vivo sem você
Quando eu estive na rua Lopes Chaves
não me deu preguiça, apenas senti muito frio
E estaria mentindo si dissesse que não fiquei
comovido com aquele brasileiro:
Talvez com sorte eu ficasse um pouco igual a ele
E o Drummond tão menino, tão cumpadre
Você sabe que eu gosto de flores e de inverno
E o mês antes de setembro me enche de alegria e de esperança
E quando for teu aniversário não te darei nada,
porque sou pobre
Mas você escolha qualquer coisa e eu removerei as
manchas e será, de coração, todo seu
STARDUST
Embora escorra pó brilhante das galáxias
pelos meus cabelos
Embora os bárbaros guerreiros invejem
minha roupagem vagabunda
E ainda que a chuva alague o país
Serei o manco, o manco
NÃO É NADA DEMAIS
As pessoas só estão assustadas
não houve tempo e você sabe
as cenas se desenrolam sem um ensaio
sem sequer um roteiro
as pessoas pegam o que têm à mão
se você olha de longe pode perceber o medo
e o em si mesmo curiosamente animal das pessoas
Dirceu Villa – As pessoas só estão assustadas
não é nada demais
nós só estamos assustados
hoje
se fizer frio e se chover ao mesmo tempo e por causa disso
só por causa disso não pudermos sair de casa
nós só estamos assustados
quando chegamos tarde da noite cansados e acendemos
todas as luzes da casa nós só estamos assustados
ao pedir para o garçom que nos troque de mesa ou os talheres
por algo mais confortável só estamos assustados
com os olhos pregados na embalagem de um alimento matinal
que vem pronto nós olhamos assustados para os gatos à noite
havíamos imitado os gatos à noite
à noite quando olhamos bem assustados para os olhos de alguém
e repetimos aquelas frases que escolhemos para declarar
nosso amor que pode bem ser amor verdadeiro como os tais girassóis de Van Gogh
para os quais nós também nós já olhamos assustados
nós só estamos assustados e falamos o tempo todo
de jogos de gato e rato e esperamos o tempo
de olharmos em volta como o gato, nós somos os ratos nós
só estamos assustados como quando começa o carnaval
e sabemos que se chove ou não
sempre nos sobra alguma coisa porque
todas as ruas são becos e
todos os becos são avenidas intermináveis
nós só estamos assustados mesmo quando você volta atrás e decide
que agora sim vai me seguir embora não esteja clara a diferença
entre amor e adoração para que eu te siga também
e também assustado lhe digo que procuro
a um bairro industrial antigo quando passo pela praça
em frente de onde você mora e
penso que se me visse agora
ou não me reconhecia ou ficava muito surpresa
nós só estamos assustados lado a lado pensando tratar de outro
assunto nós estamos ficando assustados porque digo a você
quero vê-la mesmo assim nós só estamos
assustados querida nós dormimos assustados nos braços
um do outro e acordamos ainda assustados
nos braços um do outro quando é tarde da noite e
passamos o dia todo em claro estamos mesmo muito assustados
assustados quando olhamos para o calendário e nos parece ver
ali outro futuro que não este a que estamos condenados
ficamos mais assustados nosso futuro ainda
não estava no calendário quer dizer que ainda
não estamos com os dias contados nós só estamos vivendo
numa época em que chamam luz à escuridão e
embora minha língua esteja morta
suas formas me enchem a cabeça nós só estamos vivendo
num período cujo nome não sabemos e
embora seja o medo o que me move meu
coração está parando nós só estamos assustados
quando vendemos nosso carro muito barato quando compramos
outro carro mais caro nós só estamos assustados
quando vendemos nosso carro por uma bicicleta porque nossos filhos terão de esperar tempos melhores para nascer
nós só estamos assustados mas não chegue não chegue perto
talvez ainda não tenha chegado o tempo de se dizer que nós só estamos assustados |