ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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RAFAEL DE OLIVEIRA FERNANDES

 

 

 

 

PAULISTA, 7 P. M, CHUVA

 

sai agora,

 

mesmo na chuva, menina,

menina-marinha, sua

mochila no chão

 

que esperar mais, eu acho,

não adianta.

 

faz como

todo mundo

 

(correndo, feito

cardume)

 

e põe nas costas a mochila:

tua barbatana!

 

 

 

O TIGRE

 

o tigre é

velocidade contida.

 

para cada

listra negra, um ponto

que se esticou

no momento

do freio.

 

(o tigre é seu

próprio móvel

e estrada)

 

penso que

o tigre é um

leopardo mais lento.

 

o tigre estando

no poema, natural

que esteja domado, numa jaula.

 

e se na jaula (qualquer animal)

perde a sua velocidade.

 

o tigre do poema

é um leopardo na jaula

da linguagem

 

 

 

PERTO DO TÚNEL DA PAULISTA

 

o semáforo te

oferece balas,

vermelhas, amarelas,

 

e claro, como criança,

você espera

ansiosamente pela

 

verde. pedrinhas

de sinalização  marcam

o  acostamento mais

 

à frente e é proibido

passar, elas poderiam

ser amarelas ou

 

de outra cor, mas

o trânsito não caminha

nunca, nunca!! e você

 

pensa, ah como eu

gostaria de andar por

essa yellow brick road!

 

 

 

ÀS VEZES

 

às vezes somos todos peixes,

(ela disse lendo

um poema de Quintana)

 

abrindo e fechando a boca sem

dizer nada.

 

isso ela disse na saída do metrô,

 

alagados calçamento

e asfalto,

 

guarda-chuvas

com os cabos curvos, quase

anzóis,

 

segurando pessoas

afobadas,

se debatendo,

 

verdadeiros peixes

fisgados.

 

 

 

A ESTRELA

 

a estrela com sua lâmina

faz um rasgo no céu:

que a engole.

 

a luz viaja e envia

(a estrela) uma cruz

no céu avisando

 

sua morte.

 

cada estrela

uma cruz

que viaja:

 

a estrela

que chega é

só brilho-metal:

 

(de lâmina, de cruz)

está desestrelada.

 

 

TANGO

 

I  have spread my dreams under your feet;

Tread softly because you tread on my dreams.

 

(W. B. Yeats)

 

 

a dançarina

gira e roda,

como se não

 

estivesse no

toca-discos

mas sob seus

 

pés o disco

que agora

toca.

 

seu salto é

muito fino:

salto-agulha.

 

está agora

sobre o disco

sua agulha

 

e é dali,(do

seu giro) que

sai a música!

 

 

 

RUA DA CONSOLAÇÃO À ZONA NORTE

 

quando entrei no ônibus

a mãe secava as lágrimas

do filho e

 

usava as mãos, a manta,

os cabelos,

como se fosse uma nuvem

 

que absorvesse chuva

ao invés de chover.

 

mas os passageiros

coitados a criança

gritava

 

e era como se

cada passageiro estivesse

com um fone

 

de ouvido e ele só

transmitisse os seus gritos!

 

*

 

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