ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

REYNALDO DAMAZIO

 

DESMESURADO HUMANO

A fúria que amiúde
Me fascina
Não é a do intelecto
Fescenina
Mas a do corpo
Anti-euclidiana
Feminina

Aquela que arrebata
Salto cego
E faz da presa
Amuleto
Gesta do gozo obsceno
Extrai do tato
Seu sustento

Vivo fruto sem polpa
Flor transversa
Tesa trama de amianto
Feita de pele
Matéria lassa
Que contra si revele
O espanto

A fúria do corpo
Não é mental
Antes um soco
Aos poucos instalado
No incerto do gesto
Oca caverna
Desabrigo do mito

Enfurecido o vasto
Mundo não é nada
Senão a pálida
E pífia ilustração de
Um ideograma
Verso de pé quebrado
Osso sem tutano

O nó da fúria
Não se desata
Com palavras ou
Teorias da falibilidade
Ele nos ata ao
Mais íntimo
O inumano


DISTÚRBIO PERIFÉRICO

Tonto, não porque o planeta
se mova em órbita improvável,
a mente plane liberta da
física do corpo, os objetos
saltem frenéticos e inaugurem
nova e paradoxal inércia;
tonto de náusea labiríntica, esquiva
de argumentos, aflita de
incompletudes, movimento interno
de suspensão do tempo,
este presente instável, parêntese
ziguezagueante, ávido de concretude,
embora órfão de referências, à guisa
de ancoradouros; tontura
antimelancólica por excelência,
projeção de lapsos mentais,
zunindo, carrosséis, caracóis,
livros, sinais, lombadas, vozes
sem palavras, música sem instrumentos,
texturas e cheiros, cambaleando na
calma aparente da noite, ressonar
do pequeno ao lado: o quarto
se move, ou sou eu que me movo,
extático?


DIGITAIS

Os dedos que dedilham as instâncias do corpo
não são os que teclam a mensagem
que por sua vez enrodilham caracóis
na água mansa do poço
tampouco os que colhem a falsa dádiva
enquanto manipulam o tempo
nos grãos de areia
estes dedos sem calos, lisos de
evitar o mundo
como se tivessem consciência
de que todo conhecimento é ausência
dedos inúteis para decretos
porém ágeis em pornografia
extensões de máquina capenga
inventam sortilégios e
povoam o cenário com objetos
tão improváveis quanto o tato
dos dedos à deriva
nas vãs instâncias do corpo:
a mensagem

*

Reynaldo Damazio nasceu em São Paulo (SP), em 1963. É autor do livro de poemas Nu entre nuvens (2001).

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