ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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RODRIGO GARCIA LOPES

 

 

Águas muezin no vale das sombras
África agoniza
Iraque se debate
Índia se indigna
Impérios definham
Morro em guerra fatricida
Irã se ira
Um terrorista que se aterroriza
Palestinos palestram
Arábia se ouriça
Europa se gripa.
Mentiras, mentiras.
O mundo é um parque de mentiras.
Diplomacia
Na mão de ignorantes
Nada vale, vale nada.
Barbárie é o nome
Dessas notícias.
Mundo implodindo
Rumo à extinção
Não atenção ao ser, mas atentados ao ser,
Mundo confluindo
Para uma desaparição
Onde, quem ficar, se der, vai ver.
E, no entanto, eu aqui
à sombra de um pensamento
de um amor que seja um lugar,
um lugar como um pensamento.
Mas isto é ir muito longe:
Isto é acordar.

 

EM ABERTO MISTÉRIO

"A realidade trabalha em aberto mistério"
Macedônio Fernández

O Olho
atrás
do que o consome:
Essas horas sem nome
E a rapidez das coisas
Muito além da linguagem
E da escuridão.

Somos apenas
Uma consciência de si
Que o olho empresta ao velho ver
Ao velho mundo
Uma desculpa para ser.

As coisas que ele vê
Estão mais distantes
do que possam parecer.
Silêncio: linguagem fala.
A paisagem estala
De realidade.

Pensagem:
No tempo de um relâmpago,
A mente bebe um poente.
Essa tem sido a velha lei.

Desconfiar dos espelhos
De espetáculos
E do que os olhos não vêem.
Ser é perceber, dizia Berkeley.
Nem sempre foi assim:

Veja, a um palmo
Do paraíso
O olho, fechado, preciso,
Avista o Olhar.

Fosfenos relincham
Desenhos insólitos
Sua sede de mais:
assaltar o real
de dois olhos abertos.

"O vento respira
meus pensamentos sem corpo
(A alma fica sem fôlego)
(Sua meu silêncio)".

Vê a si, olho, ilha de
puro movimento agora,
limitado entre a língua
e as horas.

Decalca o painel do poente
Com sua fome de impossível
Refúgio, momentum,
Ideogramas de luz.

No olho do furacão
Onde ele
É mais tranquilo.

Duplo de si,
condenado a ver,
mas separado.
Quem observa?
A pupila,
Sua serva?

Se o que ele vê
É o real
Então o que é isto
Que se desloca
Com a velocidade de um piscar?

Não sou isso que ele percebe
Pois assim a escuridão me mataria.

Entre a música e o mundo
No silêncio de sua curvatura
Entre o som e esta chuva
Muitas respostas sem perguntas.

O olho, sem passado,
fluxo elétrico
Atrás
Do que parece ser
Ancora suas sombras
Arde no instante de ar

Mas, inalcançável,
Tudo isso avança,
Foge de você, pele,
Lento papiro,

Vácuo de voz,
Um nada que vocifera
Entre o ser que se dissolve
- fresta no silêncio -
E o olhar que lucifera.

 

QUADERNA

Quatro pontos cardeais
Quatro estações do ano
Quatro cantos num cubo
Quatro laterais de um campo

Quatro trevos que descubro
Quatro lados da moldura        
Quatro elementos na natura
Quatro pontas de uma estrela

Quatro balas de alcaçuz
Quatro pontas num compasso
Quatro horas da manhã
Quatro rodas num carro

Quatro sementes de romã
Quatro sinais da cruz
Quatro mundos por segundo
Quatro quartos numa casa

Quatro pernas de uma mesa
Quatro pessoas numa mesma
Quatro pássaros sem asas
Quatro brilhos nesta espuma

Mas só uma vida, só uma.

 

*

Rodrigo Garcia Lopes nasceu em Londrina (PR), em 1965. Publicou os livros de poesia Solarium (1994), Visibilia (1997), Polivox (2001) e Nômada (2004), além de volumes de tradução de Sylvia Plath, Laura Riding, Whitman e Rimbaud, entre outros autores. É um dos editores da revista de literatura e artes Coyote. É autor do blog www.estudiorealidade.blogspot.com e professor de Português e Literatura Brasileira na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill (EUA). E-mail: rgarcialopes@gmail.com

*

Leia também outros poemas de Rodrigo Garcia Lopes um ensaio sobre o autor.

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