O MURO
O menino em equilíbrio no muro.
As pernas tenras,
o peso tenso,
os olhos prenhes de milagre.
De súbito,
a queda.
A primavera-centelha de Dubcek, Praga.
Os desfiles dos tanques de Stálin, Moscou.
Frouxo,
o córrego de sangue,
ante-sala da cicatriz.
Os cem mil da praça celestial, Pequim.
Vinte e quatro execuções em público, Pequim.
Novamente o menino subirá.
Pois lá, acredita:
serei mais alto
serei mais nobre
e crescerei forte mais rápido.
O muro caía de cima do homem, Berlim.
A criatura sabia cedo,
apesar do chão e da queda, que
le, o muro, será melhor
embaixo.
ASSIM FALHOU ZARATUSTRA
O canguru sabe a sua bolsa,
e o pequeno sabe o que lhe falta.
As abelhas nunca enganaram o pólen,
sabem que é por vôo, sabem que não é de comer.
É quase de trepar.
E os homens, anos a fio,
raspando e polindo a pedra,
o bronze, o ferro,
e era algo de abrir: chave de fenda.
Chave de fenda,
agora,
já é algo de matar.
Manhã,
no trânsito, um rapaz,
com o punho acima à procura
de um rapaz abaixo.
Baixou o punho, e o Homo erectus
não mais sabia o que fez da pedra.
Nem as cartas, antes ao poema ou às lágrimas
de canto, de um canto
do rosto que não busca o que aspira,
anthrax.
Pois Maria, a dos Curies,
já não tinha às mãos o radioativo
quando olharam e constatam:
- General, deve ser de matar.
Logo, desenvolveram no horizonte
a técnica extraordinária
de pender e despencar.
Longe, sob o que era céu
e calou-se escuro,
o Homo sapiens não mais sabia o fogo,
incendiava.
GERMINAL
Éramos pelo suor, e ela me questionava.
Por que as unhas de afobação?
Outrora, eu conheci um aquário.
Um aquário do Gênese, macho
e fêmea segundo a sua espécie.
E havia lagostins, cuja carne era de um fundo
que as pinças sabiam. Sabiam, e se esgrimiam.
E por que essa visão de crepúsculo, fui farta de costas?
O meu avô tinha lavoura e rebanho de corte.
Os bois nada percebiam do corte. E as vacas,
sem ignorância, ensinavam-lhes a cobrir.
Elas ensinavam no olho deles a aurora,
e a estocada.
E o banho? por que o meu corpo há de ser na
espuma?
O mar de minha terra era de cima
para baixo. Fluía e se quebrava.
À tarde, a maré recolhia os pedaços
numa linha mais humilde de margem.
E o ouriço macho, ali, plantado,
disse: a nado!
Longe, os gametas fecundaram.
Mas e a nuca? o que promete ao teu nariz e à tua
vontade?
Um amor de mariposa cabe no muro. Um amor vertical.
E qual consta da enciclopédia, nunca houve vertigem.
Há sacrifício e, pelo caminho,
um perfume.
E a que fim esta voz se rasgando?
As rãs, somente vistas através do espelho,
numa cal de banheiro. Óbvio,
elas só pensam no úmido. Coaxam.
Com dedos molhados, algo tateia o outro fôlego.
E agora, onde a tua palavra?
O coito já é morno
quando o louva-a-deus fêmea aproxima gesto mais firme.
O macho esperando – pensa que é um segredo.
Mais alguns segundos, e é nítida a fome dela na cabeça dele.
Ela só queria silêncio.
FÁTIMA
E eu chorava muito, sabe,
minha mãe na sala, eu no quarto,
revoltada, sem entender, até que dois
homens, de branco, assim como dois anjos
do Senhor, me disseram, as suas lágrimas não
deixam ela subir, molham o vestido, pesam, e aí
eu fiquei quieta, e aí eles levaram ela, e aí eles se foram. |