ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ROSANA PICCOLO

 

 

 

 

I

 

terrível a torre comercial

 

sequência de pernas

fiel a senhas

e abreviaturas

habita-lhe

andares reunindo

casacos

hálitos de gelo

convicções calvas e cruas


BG de bocas no elevador

onde a câmera filtra

nervura de olhares

 

gavetas aguardam auras

por volta das nove

 

mímica miúda

teclados de pluma devoram

o mundo

e a bota da lua

 

 

 

 

 

 

 

II

 

torre tão alta

mais alta que aquela

onde morreu rapunzel

(estava tão velha)

 

não se fez estrela

em plêiade alguma

nunca avistada

morada

no veludo azul

 

o céu

é sócio do chão

pesados planetas

temíveis como plutões

moram nos olhos

de um pássaro-preto

 

 

 

 

 

 

 

III

 

manhã com hortelãs

e gotas de adoçante

 

azul anunciado pela rádio

devolve ruído

à calçada

– que a madrugada furtou

 

o sol

abre sua mão

dourada na vidraça

e a possibilidade

 

olhar esses contornos

no volante dos sedãs

por ele desenhados

em folhas de carbono

 

fábrica de rostos

 

 

 

 

 

 

 

IV

 

armani

entre o polvo e o piano

aperta colarinhos

com najas exuberantes

 

nas cédulas da tarde

a boca amolecida

das repúblicas

 

cobiça batons de sangue

 

 

 

 

 

 

 

V

 

e voltamos para casa

 

aves da chuva

bicam mãos estendidas

no ponto do ônibus

veludos  lacônicos

capuz de cavalgaduras

mochilas/quimeras

com línguas de serpe

 

(ao sino de Hieronymus Bosch)

cravam a tarde com setas noturnas

 

 

 

 

 

 

 

VI

 

o ventilador

ele é a hélice de deus

 

tudo o que toca

é a opus do vento

 

godivas enfunadas

atrás da cortina

coroa de falenas

à luz do abajur

(fissura no feltro)

 

do travesseiro

a asa do ganso

tapete ao lado da cama

 

com franja

e vocação para mágico

 

 

 

 

 

 

 

VII

 

risco no assoalho

a cortina

é valsa de voais

 

geladeiras

gavetas de neblina

ímã no ventre das rãs

tiritantes

e o recado vencido

e a ex-avenida

sem alma viva

 

águas do sábado

 

lavadoras

lavam

serpentes da rotina

 

 

*

 

Rosana Piccolo, poeta paulistana, atua em publicidade. Formada em Filosofia, pela USP, e em Jornalismo, pela Fundação Cásper Líbero. Publicou os livros de poema em prosa Ruelas profanas (Nankin, 1999) e Meio-fio (Iluminuras, 2003). Participou das antologias Paixão por São Paulo (Terceiro Nome) e Roteiro da Poesia Brasileira – Anos 90 (Global Editora), além de revistas literárias. Em 2010, publicou Sopro de vitrines, pela Editora Alameda.

*

 

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