PAÍS DE MEDO
“ aquele que vive comigo o mesmo instante de luz
há-de ignorar-me por seu destino”
— Jose Almada Negreiro
Volto,
volto á um país que nao existe
e nem desiste
apenas resiste
no tempo gasto
em sulcos da nossa memória.
Volto
volto a um país que nao existe
senão quando o habito
entre abutres de sonhos
que vem enovelados
em galerias de medo
País de medo
onde homens murcham nas ruas
como rosas sem cor
esquecendo-se de ter lido
alguma vez na vida
Marx,Gork ou Poulitizer
esquecendo-se ainda
da arma
que trazem na boca
pronta a disparar
á lua com
um saxophone
de mágoas.
e volto então á mesma
Infância
Xinguerrenguere de solidão
menino contaminado
de dor
e vou descendo os charcos
de xipamanine
em busca de um filme de Sandokan
no Olimpia.
DESASTRES DE GUERRA
Viemos do tempo mais insonoro
Sem miocárdio
Sorrimos pelas maxillas e apodrecemos
O mundo com o ruido das nossas dores
Contrabandeamos palavras narcóticas
Sons alguns numa guitarra de lata
E beatas na boca.
Dizem-nos então que a dinastia do beijo de morte
Veio com judas
Negamos,
Que há dentro de um copo uma hóstia
E bebemos as escondidas o vinho aos domingos
Sangue incolor e das uvas
Não desse judeu
Morremos do silêncio dos Deuses
Como búzios diáfanos sem mar
Passamos este velório bocejando
Queijos e bifes
Que nos faltam a mesa.
Viemos do tempo sem placenta
Umbigo para para parir alegrias
Somos intrusos do tempo
Antes tudo era
Materia volátil
E dues fez o homem
Como o seu próprio alimento.
TRÉGUAS
A morte está a espera
lá for a
carnivora
eu sei
a distância contemplo
com a minha barricada de inocência
finjo não a reconhecer
quando me acena
a atravessar a rua
com um semáforo verde
e ela nunca desarma
vai pela outra avenida
tocar a sua flauta ausente
para o outro transeunte
a morte esta a espera
lá for a
carnivora
eu sei
fico em casa ,não.
Saio
dispo a heresia vegetal do meu fato macaco
e visto o pejama de vergonha
de um suburbano mal humorado
e não durmo
sento apenas no sofa
porque não quero
que ela venha
e me encotre a dormir.
POEMA NECESSÁRIO
à Aida
preciso do amor necessito do amor
esse mesmo amor que os outros despejam
em esgotos de esquecimentos
seja ele réstia de ódios e rancores
adiados dos que não sabem amar
preciso do amor quero amor
esse verão que ventila nos teus olhos
para olhar ao nascente e ao poente
onde germina o sol e o desejo
duas fontes sublimes e pacientes da vida
preciso do amor ofereça-me o amor
que o teu corpo insinua e a tua boca nega
que os teus olhos denuciam e a tua voz reclama
que o teu sorriso perpetua e os teus braços escondem
preciso do amor dê-me o amor
como gázuas de lágrimas voláteis
para abrir as portas do ódio e libertar a alegria.
dê-me o amor dê-me o amor
palavra sem valor
amor para fugir da solidão.
RELÓGIO CEGO
Outro país que não fosse a tua boca
Desponta no horizonte duma aurora
E traz dentro dum vidro moído
Gueixas transparentes
Vestidos de feridas de espanto
Outro país que não fosse tua voz
Desponta dentro de uma noite branca
Perfumes
E traz lilases de luzes
E frescos acrílicos de dor
Cigarras com guitarras ardentes
Outro país que não fosse inteiro
Como o do teu corpo ou continente
Relevo aberto á geografia
Humana sem descrição
Das orogenias,mares e oceanos
Que compõem-te sem mesura. |