ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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SÂNDRIO CÂNDIDO

 

 

 

 

A solidão dos homens de guarda chuva

 

É preciso que se demore sobre a escura pele da noite

Que se percorram as espessas camadas 

Feitas de areia e cal

Asfalto a encobrir à rosa que ensaia na calçada 

Um romper para a rotina das maquinas... 

 

Que as mãos calejadas pouco a pouco se afastem 

Da estranha superfície das molduras. 

Que alcancem a estrela perdida no buraco negro.

O verso mudo e cortante 

Abandonado em um caderno espera,

Enquanto se encena o absurdo teatro do nada. 

 

Que se descanse o olhar lacrimejando 

Sobre as pálidas fotografias deixadas na estante 

Tal como folhas quedadas no fim do outono. 

Que se descubram os passos atrasados perante a pressa

Da espelhar coreografia dos ponteiros... 

 

Que se descubra o vazio que há em si 

Tão grande que nem o amazonas é capaz de fechar 
E que se aprenda o segredo do eco 

Que se reconheça o terrível do cheio 

Nele corre  se o risco desnecessário de transbordar. 

 

Que se ame como no primeiro olhar 

Aquele que ainda não conheceu os corpos.

Que se desconheça a volúpia dos beijos molhados.

Eu te convido a colhermos lírio no campo 

E deixá-los no passado- Sepulcro dos instantes. 

 

Que se descubra outro cheiro para o poema moderno. 

O olfato já não quer este cheiro de concreto 

Talvez procure se o cheiro da terra molhada...

Que se escreva o poema feita de lamina 

Sensível a dor sentida no acalanto da madrugada.

 

 

Ensaio para uma possibilidade subjetiva

 

Ando além dos rastros esquecidos na areia.

Danço em combustão sobre os campos onde

as mãos crescem na possibilidade da ceifa.

 

Trago na boca um poema.  Sob a forma muda.

Adiando o  uso da veste  linguagem. Assemelha-se

aos jardins possuídos pela ordem do silencio, onde

os lábios molham-se com amargos vocábulos.

 

Meu corpo queda rente ao chão, em prece espera.

Concebo fazer do instante o grande epitáfio

sacralizo uma borboleta pousada nos ombros

de repente meu  barco está naufragando.

 

Os braços cansados lançam-se contra as ondas

desfalece  junto aos cardumes de segundos

o farol ausenta-se, não o vejo, mas deve haver farol

aconteço enquanto nado contra as ondas.

 

Desfaço-me sobre as pedras que em meu ser resvala

sou pedra, primitiva forma de ser do mundo. Sou

a aurora aprisionada na hora escura da noite

devo ser o devir. Possibilidade adiada para um poema.

 

Devo ser também, sob o manto da inutilidade, um olho

mecanizado, mas ainda um olho... Em mim sobrevive

ainda que de maneira velada pelo medo

o desejo do humano, a face negra de pó e esperança.

 

Os homens(todos desceram a praia, ao supermercado

encheram seus carros, suas bolsas, novos dentes,

um celular para conectar-se com Marte) me fizeram

querer um mundo que ainda não é nosso mundo.

 

O futuro ( previsões de encontros adiados no semáforo,

crianças riem sem saber da vida, jovens se beijam

as noites não tem estrelas mas eles se beijam

e se amam sob a calçada fria) é uma rua não sinalizada.

 

A angustia me devolve o tempo, o sonho, a criança

que em meu ser mora. Eu sinto escorrer em meus lábios

o sangue de um corpo atracado a margem do Tejo.

 

Confundo-me com a paisagem urbana

devo ser também o concreto erguido entre árvores

que luta para se desprender do destino de ser nada.

 

 

 

 

Descrição da sala de espera

 

A Roberta tostes Daniel


Uma musica perdura em meus ouvidos. Desacostumados
ao bater das ondas. Lá fora todos cantam embriagados.

O silêncio porém rasteja entre as folhas bailando no vento
sem norte
alguém o ouve:
Deve ser o poeta. Deve ser um místico.

 

Em todos os cantos da sala uma sombra adormece.

Ao centro uma cadeira estática espera

sentar-se a mulher de alguns anos acumulados.

Dentro a criança sonâmbula brinca sem saber do risco


Ser enforcada com a alça da bolsa cheia de coisas

cheia de nada.

 

Em todos os cantos da sala uma mala vazia.
Zíper fechado.

Chaves perdidas.
e o homem de terno preto esconde sua viagem. 


Em todos os cantos da sala rodeada de arame farpado  
uma rosa sobrevive. Algumas bocas tem sede de colhe-la.
Quando crianças aproxima-se delas. Crescem e já não
podem passar a cerca. Compram uma rosa plástica. 

Em todos os cantos da sala uma parede de espelhos 
mas aquele corpo a descansar em seu vidro 
não pode dizer nada a mulher sentada na cadeira
todas as estações estão perdidas, reside( resiste) o inverno.

 

 

*

 

Sandrio Cândido nasceu em Minas Gerais, em 1991, e desde 2011 reside em Curitiba, onde  é seminarista do Instituto missões Consolata e realiza os estudos de graduação em filosofia. Como poeta possui textos publicados no espaço vidraguas e edita o blog aalmaearosa. E-mail: sandriocp@yahoo.com.br.

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