A solidão dos homens de guarda chuva
É preciso que se demore sobre a escura pele da noite
Que se percorram as espessas camadas
Feitas de areia e cal
Asfalto a encobrir à rosa que ensaia na calçada
Um romper para a rotina das maquinas...
Que as mãos calejadas pouco a pouco se afastem
Da estranha superfície das molduras.
Que alcancem a estrela perdida no buraco negro.
O verso mudo e cortante
Abandonado em um caderno espera,
Enquanto se encena o absurdo teatro do nada.
Que se descanse o olhar lacrimejando
Sobre as pálidas fotografias deixadas na estante
Tal como folhas quedadas no fim do outono.
Que se descubram os passos atrasados perante a pressa
Da espelhar coreografia dos ponteiros...
Que se descubra o vazio que há em si
Tão grande que nem o amazonas é capaz de fechar
E que se aprenda o segredo do eco
Que se reconheça o terrível do cheio
Nele corre se o risco desnecessário de transbordar.
Que se ame como no primeiro olhar
Aquele que ainda não conheceu os corpos.
Que se desconheça a volúpia dos beijos molhados.
Eu te convido a colhermos lírio no campo
E deixá-los no passado- Sepulcro dos instantes.
Que se descubra outro cheiro para o poema moderno.
O olfato já não quer este cheiro de concreto
Talvez procure se o cheiro da terra molhada...
Que se escreva o poema feita de lamina
Sensível a dor sentida no acalanto da madrugada.
Ensaio para uma possibilidade subjetiva
Ando além dos rastros esquecidos na areia.
Danço em combustão sobre os campos onde
as mãos crescem na possibilidade da ceifa.
Trago na boca um poema. Sob a forma muda.
Adiando o uso da veste linguagem. Assemelha-se
aos jardins possuídos pela ordem do silencio, onde
os lábios molham-se com amargos vocábulos.
Meu corpo queda rente ao chão, em prece espera.
Concebo fazer do instante o grande epitáfio
sacralizo uma borboleta pousada nos ombros
de repente meu barco está naufragando.
Os braços cansados lançam-se contra as ondas
desfalece junto aos cardumes de segundos
o farol ausenta-se, não o vejo, mas deve haver farol
aconteço enquanto nado contra as ondas.
Desfaço-me sobre as pedras que em meu ser resvala
sou pedra, primitiva forma de ser do mundo. Sou
a aurora aprisionada na hora escura da noite
devo ser o devir. Possibilidade adiada para um poema.
Devo ser também, sob o manto da inutilidade, um olho
mecanizado, mas ainda um olho... Em mim sobrevive
ainda que de maneira velada pelo medo
o desejo do humano, a face negra de pó e esperança.
Os homens(todos desceram a praia, ao supermercado
encheram seus carros, suas bolsas, novos dentes,
um celular para conectar-se com Marte) me fizeram
querer um mundo que ainda não é nosso mundo.
O futuro ( previsões de encontros adiados no semáforo,
crianças riem sem saber da vida, jovens se beijam
as noites não tem estrelas mas eles se beijam
e se amam sob a calçada fria) é uma rua não sinalizada.
A angustia me devolve o tempo, o sonho, a criança
que em meu ser mora. Eu sinto escorrer em meus lábios
o sangue de um corpo atracado a margem do Tejo.
Confundo-me com a paisagem urbana
devo ser também o concreto erguido entre árvores
que luta para se desprender do destino de ser nada.
Descrição da sala de espera
A Roberta tostes Daniel
Uma musica perdura em meus ouvidos. Desacostumados
ao bater das ondas. Lá fora todos cantam embriagados.
O silêncio porém rasteja entre as folhas bailando no vento
sem norte
alguém o ouve:
Deve ser o poeta. Deve ser um místico.
Em todos os cantos da sala uma sombra adormece.
Ao centro uma cadeira estática espera
sentar-se a mulher de alguns anos acumulados.
Dentro a criança sonâmbula brinca sem saber do risco
Ser enforcada com a alça da bolsa cheia de coisas
cheia de nada.
Em todos os cantos da sala uma mala vazia.
Zíper fechado.
Chaves perdidas.
e o homem de terno preto esconde sua viagem.
Em todos os cantos da sala rodeada de arame farpado
uma rosa sobrevive. Algumas bocas tem sede de colhe-la.
Quando crianças aproxima-se delas. Crescem e já não
podem passar a cerca. Compram uma rosa plástica.
Em todos os cantos da sala uma parede de espelhos
mas aquele corpo a descansar em seu vidro
não pode dizer nada a mulher sentada na cadeira
todas as estações estão perdidas, reside( resiste) o inverno.
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