ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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SANGARE OKAPI

 

 

 

 

Um tropel dos teus cabelos soltos frequenta o campanário,

Precipitada iniciação,vertigem inscrita na geografia do ven-

to...

 

Ó,meu abstracto barco  ausente de anzóis costurando o céu de

                                                                                                            garças!

 

Mesmo assim,te reergo a sal e passo todos os nomes,                 cujas

naus mil deuses grego-orientais nossos costumes elevam,         como

não há  entre mim  e ti  comum  acordo  se ricto ou rito  o  que  o

mar 

                                                                                Com bom ar nos dá 

sustento.

 

 

BACAROLA

O teu corpo é mar,

                       Se amar

   para mim  é  errar 

a  vida toda procurar

                         alguém  

que procura também 

                outro alguém.  

                  (...) 

 

Oh,índicas  águias,

         que vão e vem.

vem e vão 

         os dias todos,

(sem nada me revelar).    

 

Oh,índicas  águias,

        que vão e vem;

vem e vão

       os dias todos, 

(sem nada me revelar)

 

-minha amada não viram?  

 

 

 

Não sei que manifesta sensação se me apodera,agora.falta o fogo

que queima. O lume que aquece.O calor.contudo,gosto desta 

forma natural da água á  nossa volta.ver crescer até  tarde.De  outra 

forma, não  poderia  viver. Por isso,reivento-te no meu poema como

em Gizé, o antílope na  argila. E não me canso.Repito, apenas:

esquece o tempo.O tempo.A razão.Apaga a cicatriz na epiderme e

um escorpião com os dentes esmaga.Leva na boca, ensaguentada,

uma alga verde, verde o sonho da criança que não sonhou para viver.

Como um barco,sem porto,eriça a sensível  vela do corpo e, frágil,

O coração nos sirva de bússola:

 

 

 

                             os remos dispensa

                                   temos as mãos

                          para  a  navegação

 

 

 

Como saberia?  Se entre mim e ti  há  uma  ponte  antiga  que  nos 

deflagra o desejo, a irreprimível geografia do afecto,  a dócil  vertigem 

do beijo.É,pois,  nela , que mora  a  vontade  indescritível  de  canelas 

apedrejadas se abrindo ,  tímida  e    repetidamente, para o sol todos os 

dias. De certo, nelas  , mora  um  suplício, uma  vã  condição  de  que 

nem corpo se pode desenhar no ar. É nisso  que sou  pequeno  todas 

as  tardes,  quando  o  mesmo  sol,  fadigado  em  meu   peito,   encotra

poente:  

 

 

 

                                    há  um pequeno país

                                              no meu país:

                                    chama-se angústia.

 

 

 

O BARCO ENCALHADO

Aterra a saudade  sobre o meu terraço.

Ao  azul do céu. Seta  certa  perto do peito.

Emakhuwa  é  como   onda  no  asfalto.

Lembra-nos a casa ,  a  cana , o  caniço

ou   bambu.   Nosso  barco  encalhado  com terra

transportando  marítimo   o  silêncio  da  Ponta  da ilha

  (tufo mudo  na  cicatriz  da tarde)  

Onde em   Maputo  porque  circuncisos   garotos  somos

nossas  garotas o rosto de m’siro  maquilham? 

A máscara? O cântico ?  A corda? A capulana  na praça  

Ó,   mofina  de todos os dias com o mar perto!

Resgatasse  o   ĺndico  o  que   do  oriente com  o tempo  soube sufragar.

Os barcos todos com as  velas hirtas  e  as gentes.

Suas as pérolas  mais  os  rubis. O aljôfar. Luzindo no ar

Minha fracturada  chávena   árabe-persa  na cal

ou  resplandecente a  missanga cravada no ventre d’água,

qual  sinal dos que  de   álem  mar  chegaram

e  partiram  com baús  fartos... 

fobia  dos que ficamos.  Mas herdeiros.

 

 

*

 

Sangare Okapi é membro efetivo e de direção da Associação dos Escritores Moçambicanos. Publicou em  2005  Inventário de  Angústias ou Apoteose do  Nada( Poesia). Colaborou na revista brasileira POESIA  SEMPRE (2007). Recebeu o Prêmio Revelação de Poesia  AEMO/ICA (2004) e o Prêmio ex-equo José Craveirinha com Andes Chivangue.

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