SÉRGIO
MEDEIROS
O
HORLA
--
mo-(vi-(men)-to)
"Bem-vindos ao aeroporto
internacional de São Paulo. Aos que aqui desembarcam etc."
(Ônibus em vez de
aeronaves; luzes pequenas lentas.)
--
(Passageiros conduzidos para a aeronave.) "Por sua compreensão,
muito obrigado."
(Ônibus circulando:
pista.)
[[--
(rota noturna)]]
* * *
(Campo
Grande, "...bem-vindos etc.")
BAFO sob a lua entre
duas aero-
naves pousadas (fuselagens
iguais)
Motores
de (falsos) mistérios se
aceleram (par-tin-do),
(mor-ren-do)
* * *
Luzes
da (ao lado) estrada longa
O BAFO silencioso/
o BAFO ruidoso
passa por cima da
esteira rolante imó-
vel
BAFO
irreprimível...
... sopra um halo em torno da
lua
uma
fachada escura numa rua arbori-
zada noturna - a
geladeira ligada
é a (certamente)
única estremecida;
pneus murchos: movimento
antigo
(como se nada sonhasse
sob as árvores
baixas de uma madrugada
que não se mexe)
(FIM?)
--
sede surpreendente = (quase sem boca);
a caixa d'água ronca:
vazia, esvazia-
da: um serrote serrando
( )
--
silêncio sem ventiladores, caturritas espicaçadas, aeropla-
nos baixos ou vozes-risos
de gente desper-
ta (num disco infantil
riscado?): FIM?
:
manhã ensolarada; uma
lata de tinta aberta
--
-- sol verdadeiro
secando meias que põem
sombras (como espessa
tinta re-
cente que vacilasse,
às vezes sem escorrer)
-- BAFO: cresce,
eleva-se - bem alto: senhor de si
(Anel sem dedo)
(Orelhas de cães sem dono)
--
... ruas fundas (retas) com copas (verdes)
que (se ab)arrotam
(quentura de...)
--
pés nenhuns/ folha-lixa
--
garagens abertas: grades suspensas (sobre nada)
--
Um BAFO (como um cheiro de cozido) aparece
no
fundo de costas e se corta no ar
: como feito de
várias barras em pé
--
(Um BAFO gripado, nauseabundo - concentrado nalgum
re-canto)
--
Abafado (meio-dia); sombras paradas (até
o meio da rua) -
nada se passa sob o sol
minguante
--
As sombras se acendem de novo (palidamen-
te) no asfalto como
um líquido seco
--
O BAFO se agita, circula (como um cachorro),
ou se assenta (como
gato obeso ((numa foto)))
--
Buraco (mais comprido do que a rua) onde o BAFO BRILHA
--
BAFO-redemoinho se fecha e se espalha
--
O BAFO percorre ruas como se visitasse (para fazer a digestão)
um mer-
cado arborizado
vazio
--
Nuvens descem como uma porta de ferro (silen-
ciosa); o BAFO absorve
o sopro fresco, vai-e-vem
--
A chuva desaba sobre o BAFO como sobre
um grande galpão
(de zinco)
--
Filas de árvores de um só verde se conduzem das ruas para
a mata (que encerra:
a cidade)
(F-IM?)
--
lama vermelha entre dois muros altos: o rastro do BAFO (que
desapareceu da mata
fechada baixa): um
banco vazio contra
a escuridão verde
--
estrada de terra em pedaços: grandes ras-
tros (abóboras vivas,
esmagadas)
--
O BAFO espreita por detrás dos troncos finos:
e cresce como capim,
avançando
--
Nuvens pesadas (como pálpebras inchadas
de olhos de sono)
fecham-se
--
(faixas de) paredes finas/ invasão de árvores: rom-
pimento de canos,
grades
--
VAGÕES-VAGÕES: em vez de fumaça uma
árvore dura diante
da locomotiva tijolo
--
fios mastigam (maceram copas); quintais acolhem o cemitério
úmido:
revirado
--
O BAFO
O
(refresco?)
O
O
(FIM?)
--
o BAFO se esparramou (como uma pirâ-
mide de casca de
arroz); (ou se desgrudou como casca mole);
é mais fixo, o BAFO,
pegado em tudo, do que o sujo ca-
pinzal, e tão baixo
quanto ele
--
O (BAFO) atrás da cortina perfurada imóvel
--
O BAFO imóvel: dormido, sonolento, de
olhos fixos no (
), sem mover um ór-
gão - como um insistente
"quatro horas
da tarde"
--
(o motor dispara; ou não se desliga)
-- "...", murmura
o rádio que o rato ligou. "...", murmura como se a dele fosse
a voz do BAFO
-- "Lua empoeirada",
o BAFO (o rádio que o rato ligou sem querer) murmura, apontando
para o halo borrado
--
Cadeiras soltas na calçada, num círcu-
lo - ninguém, nada
tropeça nelas
--
"Copas se erguem escuras atrás das casas fechadas", diz o
rádio do rato (o BAFO). "Erguem-se para olhar os raios...
ou os faróis?"
--
Asfalto manchado:
--
"Lâmpadas amarelas acesas", diz o rádio que o rato ligou por
acaso (parece a voz do BAFO), "sobre as copas, e sombras intactas,
fechadas sob as copas."
(Enquanto
ninguém fecha ou abre a janela
entreaberta nem
retira a chave da porta
-- o BAFO aguarda
(mole).)
--
"Certa luz perdura", diz o rádio do rato (é como a voz do
BAFO), "sobre as máquinas desativadas?"
(FIM?)
--
O chapéu do BAFO é uma telha de vidro alta
solitária no sol
--
Nuvens esparsas tão ou mais imóveis do que as cai-
xas d'água secas
sobre os telhados retos
--
Claridade desbotada: o BAFO se cobre de sombra uniforme
--
Sombras (de/ chu/va): BAFO exaus-
to/ se deixa
carregar como uma folha sol-
ta
--
brilho gelatinoso numa parede: (e em nenhum
rosto)
(O
BAFO se guarda dentro de um pe-
queno veículo -
sport...) (...cujos vidros
ninguém desce)
(FIM?)
Noite e dia como uma presença...
Ou ausência... ou seja,
A presença, a ausência
*
* *
*
* *
(FIM?!)
(Nuvens
descendo como um toldo sobre os janelões (
) -- nuvens batem no campo reto.)
* * *
* * *
FIM.
PÓS-ESCRITO
* * *
Senhores,
um (
), um (
) sobe
Da terra quando a luz do sol
O multiplica: )
*
Sérgio Medeiros, poeta, tradutor e professor
de literatura na Universidade Federal de Santa Catarina, nasceu
em Bela Vista (MS), em 1960. Publicou o livro de poesia Mais
ou Menos do que Dois (2001) e organizou a antologia de
mitos amazônicos Makunaíma e Jurupari
(2002).
|