ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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SÍLVIA NOGUEIRA

 

 

 

 

Jekupe

 

foste?

qual nada!

inda o perfume

na pele de mel

inda o peito largo

os pêlos enrolados

a carne firme

 

foste?

qual nada!

inda teu sabor

a terra de cozer

os grãos de água

inda o veludo

da voz que me veste

e um crescente calor

unicelular

 

essa união de céus

a verter todo fogo

o ar líquido

que invade o corpo

essa imensidão

em que me perco

para encontrar-me

na hora em que chegas

sem jamais ter ido

 

Nimbo

orgânico diadema em negra dama

da noite o perfume jasmim noturno

e a lágrima de garoa passada

sob o rosto calado de névoas

 

nu-vens auréolas brumas prateadas

com suas vértebras veias águas

no osso desmesura, força torrencial

coluna espinhal de chuva óssea

 

hóstia sacra em corpo de mulher

 

Euá de todas as gotas

dança a chuva de mil faces

Euá serpenteia a coluna do céu

sob o véu misterioso do instante

 

e daqui chuva distante

a noite calada entre lumens

com-densado o corpo da chuva

desorvalha as densas nu-vens

 

                        e

 

nu-vens negra com – denso corpo

nu-vens passageira e precipitável

nu-vens gélida e musical

nu-vens seca, vestida de garoa

nu-vens à toa nunca vens

nua e no ar inunda o agora

 

a despir-se desce

desmedida a pele

grita o instante

 

uma centelha de Euá

 

 

Estrada Santana

memória de velhas loucas

as moiras por onde passo

e compasso firme em meio

às mãos penhasco

abismo tártaro

um grito aviltado do tempo ocidente

 

acidente do olhar

agigantados ciclopes

                                                           vendo a voz imperativa capital

vinde vende vendo

ocidentes de ciclopes

a inocular unoculares

tecidos em moira

 

por outro lado, eis que África

em tom baixo grave constante

 

 

Flor – da – pele

 

1       repelir             

a pele

           re

vestida

em seu

           re

verso

a flor

da pele

           re

partida

desenhando

geografia

pelos poros

encolhidos

           re

cônditos

sob as calças

e calçados

os pêlos

           re

calcados

para o

       re

desabrochar

da nudez minha.

 

à pele

da flor

um verso

se inscreve

ao orvalhar

da memória

no corpo

desnudando

cicatrizes

tatuadas

em minha pele

 

marcas esquecidas

no corpo de vestir.

 

2       desvestir            

a pele de roupa pouca e leve

descosturada em películas e

nós de cutícula pelejando

sob essa minha roupa de Deus

 

pelada nada n’água

                        eu!

trago e levo o sal do mar

nua como o vento

pelada nada eu!

guelras em mim: nada!

no interior: eu!

 

pesco iscas

fisgo peixes 

em feixes ali-

               mentam

fazendo-me pensar

que a nudez me falta

 

à pele

flor do milagre

em mim nada eu!

 

e ainda que à praia

é no interior de mim

que toda nada eu!

 

3       MI LA GRAR             

à flor da pele

orvalho versos

migrando sob’outra

geografia nua

 

por mares de pêlos

e peles suadas

continentes os corpos

encaixam-se

 

transmutam marcas

rememoradas

sob vestes nuas

 

e a MIGRAR

LA seguem

nus de quase

tudo e nada

mmmmmmmm

a desvestir.

 

 

*

Sílvia Nogueira é poeta e tradutora e participa do Laboratório de Criação Poética.

*

 

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