ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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TÂNIA TOMÉ

 

 

 

 

SELVAME

Estrelas no chão

Deitadas de ventre

 

Rio incestuoso

Onde a noite

Tem caroço

 

Incêndios

 

Não me salves,

Selva-me!

 

 

UM INSTANTE INFINITO 

Uma mulher

Sobre as águas

e  a neve cai

do suor 

e sorri pelo

sol

a violeta 

e cresce 

nela um instante 

infinito 

e não me perguntes 

quem é esta mulher 

que  cresce comigo

nas raízes profundas 

da flor do meu corpo 

 

 

MEU POEMA IMPOSSĺVEL              

e  num murmúrio de nihil.

Ah, o susto de estar presa

num poema sem rosto

e mesmo com corpo

sem alma

todo ele mandíbulas. 

 

Meu corpo impossivel

não me comas inteiro

o possível poema

que me subsiste

deixa

que desague

que no abrigo

os seus pedaços

façam sentido.

Porque aí

onde mais me dói escrever

reside a alma.

 

 

A SEIVA MELÓDICA DO POEMA 

Corre lenta e suave uma seiva de xigubo 

por entre os meus subúrbios, 

caóticos e tão em flor 

porque o amor aí afinal encotra raizes.

lá fora,

o rosto da madrugada

modula devagarinho os compassos toscos binários,

com urgência meteórica de Billie Holiday.

dentro,

arde um caule de aguardente:

o mundo inteiro destilado em mi(m).

 

 

MEU MOÇAMBIQUE

Minha África suburbana.  

Eu sei-me Moçambique,

cisterna no pecúlio dos deuses.

Um zambeze inteiro escala a língua

escorre-me pelas pernas

ramifica nos canhoeiros,

laça os peixes inquietos nas sementes

engolfa-se nos mpipis bêbados nas timbilas.

Eu sei Moçambique,

no cume das árvores,na sede incontinente

da minha falange,Rovuma ao Incomati,

no xigubo terrestre dos pés descalços

e em todos tambores que surdem

das mãos coloridas nos braços em chaga.

 

 

*

 

Tânia Tomé nasceu em 1981 na cidade de Maputo. É poeta, cantora e economista, além de exercer atividades de carácter sóciocultural e humanitário. É patrona do Grupo Showesia.

*

 

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