SELVAME
Estrelas no chão
Deitadas de ventre
Rio incestuoso
Onde a noite
Tem caroço
Incêndios
Não me salves,
Selva-me!
UM INSTANTE INFINITO
Uma mulher
Sobre as águas
e a neve cai
do suor
e sorri pelo
sol
a violeta
e cresce
nela um instante
infinito
e não me perguntes
quem é esta mulher
que cresce comigo
nas raízes profundas
da flor do meu corpo
MEU POEMA IMPOSSĺVEL
e num murmúrio de nihil.
Ah, o susto de estar presa
num poema sem rosto
e mesmo com corpo
sem alma
todo ele mandíbulas.
Meu corpo impossivel
não me comas inteiro
o possível poema
que me subsiste
deixa
que desague
que no abrigo
os seus pedaços
façam sentido.
Porque aí
onde mais me dói escrever
reside a alma.
A SEIVA MELÓDICA DO POEMA
Corre lenta e suave uma seiva de xigubo
por entre os meus subúrbios,
caóticos e tão em flor
porque o amor aí afinal encotra raizes.
lá fora,
o rosto da madrugada
modula devagarinho os compassos toscos binários,
com urgência meteórica de Billie Holiday.
dentro,
arde um caule de aguardente:
o mundo inteiro destilado em mi(m).
MEU MOÇAMBIQUE
Minha África suburbana.
Eu sei-me Moçambique,
cisterna no pecúlio dos deuses.
Um zambeze inteiro escala a língua
escorre-me pelas pernas
ramifica nos canhoeiros,
laça os peixes inquietos nas sementes
engolfa-se nos mpipis bêbados nas timbilas.
Eu sei Moçambique,
no cume das árvores,na sede incontinente
da minha falange,Rovuma ao Incomati,
no xigubo terrestre dos pés descalços
e em todos tambores que surdem
das mãos coloridas nos braços em chaga. |