WILSON BUENO
17
Lancinantes os bicos-pássaros
Com que vos fura o túmido ventre
Já cadáver de nós e de nossa víscera
O que chamamos Amor, suas anáguas,
Festim de lírios, zumbir de abelhas
O que de Amor foi enlevo e até cansaço
– Mesmo o açoite e as costas em brasa? –
Se fomos um no Amor consorte
E hoje somos, Amor, retalhos de nós mesmos,
Pobres panos, chita, organdi, seda rala
E foi Amor, sim, que nos fez tão inimigos!
28
Cai-me ao colo Amor de súbito
Um susto, um esgar, um bramido.
Estertor de tudo – desamor Amor ao avesso?
Quero-vos lúmpen, maltrapilha, campesina
Quero-vos riacho e manso açude.
Amor, entanto, vocifera pontiagudo
Mural de rochas e lascas e espelhos e cardumes
A fingir do Amor – casta figura? –
O Desamor em pêlo, às turras,
Aos vozeios, facas, murros, unhas
A alvoroçar o silêncio de agulhas.
41
E veio a chuva, Amor,
Molhar nossas feridas,
De sermos mais do que sozinhos
Dois entes da cicatriz reféns e prisioneiros
Nos edredons de nossa cama
Travesseiros, lençóis, miasmas
As tuas saudades minhas
O moreno olor de teu cabelo,
Sombras atrás das quais me escondo pasmo.
Mortal, na noite, Amor, o som da geladeira.
(Do livro inédito 35 Poemas de Amor.)
*
Wilson Bueno nasceu
em Jaguapitã (PR), em 1949. Escritor e jornalista,
criou e dirigiu, por oito anos, o jornal literário
Nicolau. Publicou vários volumes de contos, novelas
e poemas em prosa: Bolero's Bar (1986), Manual de
Zoofilia (1991), Ojos de Agua (Argentina, 1991), Mar Paraguayo (1992), Cristal (1995), Jardim
Zoológico (1999), Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000) e o romance Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004), além de um volume de poemas breves, o Pequeno Tratado de Brinquedos (1996).
Leia Três Contos de Wilson Bueno, um fragmento do romance Amar-te a ti nem sei se com carícias e Aquidauana Afternoon.
Leia também um ensaio de Claudio Daniel sobre o autor.
|