WINNER CHIU
PELA PRIMEIRA VEZ
Pela primeira vez
anjos da marcha da sua carnificina
dilatam-se com os pés encharcados
As ilhas se esquartejam
Os túmulos se abrem
Pela primeira vez
os cirurgiões esquecem as crianças
O orgulho ergue seu troféu
É monstruoso que eu não possa lançar as grinaldas
nas tuas delicadas omoplatas
As portas não se atiram mais
Não vejo saídas muito cômodas para minhas ruminações
Não vejo as almas
As injeções no duro granito
são ouvidos pouco silenciosos
Diante dos túmulos
eu me ajoelhei
Diante da tua face de velho polvo
Um híbrido de cinzeiro e de medusa
Tu estudavas Baghavad Gita
nas árvores da tua imaginação
nos redemoinhos praças terraços do Centro Cultural Vergueiro
tu choras as vespas carimbadas pela Paixão
nas cartas do vidente
eu te ouço as cobaias do hospício
A flor do cemitério
é uma máquina que não repousa.
NENHUMA VELA ACESA
Por todas as janelas da cidade
viam-se palmas esburacadas
As asas de cobre estancavam minha lucidez...
Ah! balbúrdias
loucas submersões dos motores
vergônteas açoitadas pelas ruidosas
mortes
rouquejando sob as abafadas luvas de nitrato
minha lucidez de zinco cravada na ponta dos olhos
Abandonando as suas salas
os filósofos saltam dos terraços
como esquilos com as mãos esquálidas
Eu sou arremessado num torvelinho amargo de quinhentas velas
que assopram uma faca gigantesca cheia de espinhos
Enfermeiras vieram em cadeiras de roda
para saciar os intestinos pútridos
nenhuma vela foi acesa....
nenhuma
Enquanto as fachadas são destruídas
há fugas para a selva
para o deserto
para um outro mundo...
SONHO COM ANTONIN ARTAUD
Antonin Artaud visitou meus sonhos
pedindo que eu fosse vê-lo na prisão
Eu o temia que se o soltassem,
ele sairia mais louco...
eu o temia que num impulso
ele mataria a primeira pessoa que visse numa encruzilhada...
Sabia que ele estava morrendo...
Sua face terrivelmente marcada por verrugas
tremia arrastada por um maldito pesadelo da sociedade.
Amputaram seu cérebro como também fizeram com outros loucos visionários.
Antonin Artaud,
você esteve em todos os lugares do meu sonho.
No fundo, não estava em lugar algum.
Eu o amava como a um irmão
Eu o acariciava.
Você se despia e exibia toda a sua pele petrificada
estigmatizada...
E mais eu o amava, como nunca havia amado ninguém antes.
Sua face sarcástica
demonstrava um desprezo total pela Dor.
Havia um brilho, uma beleza que sua alma inocente
revelava e fazia surgir de um fundo tenebroso e impuro.
Sei que sua alma de águia negra sobrevoou os cinqüentas eletrochoques
e que nunca mais voltará à esta terra desumana
onde ainda passeiam os homens de mediocridade vergonhosa...
sei que sua asas de águia negra decolam do arranha-céu
levando consigo meu espírito...
Ó Antonin Artaud,
Seu espectro azul me persegue
As suas incuráveis chagas desabrocham as rosas do inverno...
SE EU PUDESSE SER
Se eu pudesse ser o aroma da hortênsia aspirado num leve sopro
Se eu pudesse ser um bloco de neve incendiado pelos sanguinolentos planaltos
Se eu pudesse ser uma bromélia dissolvida nas espumas da mancha esverdeada
Se eu pudesse ser as palpitações
Cintilações de algas no seu Rosto
Se eu pudesse ser um labirinto que desemboca nas convexas vigas da Paixão
Se eu pudesse assoprar e te levar meus pássaros revoltosos
Se eu pudesse arrancar uma extensão de planícies
Se eu pudesse urrar no gelo flamejante
Se eu pudesse te carregar como uma barcaça carregando os camelos da Desesperança
Se eu pudesse ser um gafanhoto te espetando com chuviscos de verde azulado
Se eu pudesse ser uma torta de fogo vazando seus últimos líquidos
Se eu pudesse ser um vulto sem destino sem asas
Se eu pudesse ser lírio várzea sol inseto ao mesmo tempo
Se eu pudesse flutuar com diamantes
Se eu pudesse te espetar com surdas notas do ré mi fa
Se eu pudesse ainda lutar em meio às tempestivas cachoeiras
Se eu pudesse desatar as almas
De lâmpadas de curvas de lábios de meninas
Se eu pudesse ser uma prisão nos estremecimentos de seus brincos
Se eu pudesse ser seqüestrado pelos raios
Sem que estivesse ferido
Se eu pudesse arder na ribalta das luzes
Dançando contigo nas marés nas ribanceiras
Se eu pudesse ser uma pluma uma gota uma folha
Se eu pudesse me lançar às solidões ruivas do Naufrágio
Se eu pudesse ser ricocheteado pelas árvores
Até os céus os oceanos os astros úmidos de sua Origem
Se eu pudesse ser eu seria o início o meio o fim
Se eu pudesse atravessar esse tempo para outra face do tempo
Se eu pudesse cortar as marcas dos meus rastros ou apagá-los definitivamente
Se eu pudesse diria aos besouros que sou apenas um morto
Se eu pudesse percorreria até os confins do mundo...
Se eu pudesse ser uma avalanche perdida nas brumas dos olhos lacrimejantes
Se eu pudesse deslizar como uma nota dispersa às fontes
Se eu pudesse estremecer como uma pétala à flor da selva
Se eu pudesse delicadamente morrer
Desaparecer nos azuis da Curva estrela
MENINO ORFEU
Soterrei-me nas híbridas areias do sono
Trevas onde o arranha-céu regurgita uma criança-estandarte
Êxtase!
Ó Menino Orfeu
Tua boca estuprada por samambaias embalsamadas
Tua boca são as cúpulas de um palácio de fogo
Não bebes nem respiras
Os ofegantes montes esfregam tuas pombas presas aos desfiladeiros indômitos
Dos meus calcanhares
Exalações de sargaços e plumas de grous itinerantes
Doces impuras vísceras
Cheiro de merda
Leviatã!!!
Látegos de plasma alastram-se pelos charcos a rajadas de beijos...
Mil tentáculos de núpcias se derretendo
Milhões de lampiões cefalópode
Quinze pés de lascívia
Centopéia!
Ó Menino Orfeu!
Verta-me o veneno de tuas mariposas
Noite dos pederastas
Estrelas alfa ruminando aos golfos de violeta marrom
Os pensamentos
Os sons fendem-se no teu ânus de néon
Me lanço em tua funda alcova
Ó Menino Orfeu!
O que te resta viver?
Está neste assalto
Neste arrepio
Olhos de javali
Úmidos de sêmen e pólens
Sentinelas
A lama,
Porém, a alma.
*
Chiu Yi Chih, poeta budista-profeta, formado em Letras Clássicas (grego) pela USP, leitor de Lautreamont, Rimbaud, Octavio Paz, Roberto Piva, Murilo Mendes, Beckett, Merleau-Ponty, Deleuze, Sófocles, Eurípedes, Samuel Rawett, José Agrippino de Paula e Campos de Carvalho e muitos outros, adorador de Shiva, Apolo, Buda e de todos aqueles que procuram pela arte exprimir o inefável, o impensado. Estudioso da filosofia e da poesia grega. Mora no Embu das Artes, um local de poder xamânico, mas paulistano e urbano, vem à cidade e atualmente terminando o mestrado em filosofia ético-política de Aristóteles pela USP.
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