YAO FENG
SILÊNCIO
Ao cabo
pusemos o silêncio no centro,
como se põe a mesa,
para a qual nada foi servido.
O banquete tinha já acabado
E, nunca mais, a mesa,
deixaremos florir a língua.
Silêncio. Apenas o canto eventual
o desperta.
O que murmuram os pássaros
nos ramos do sonho?
Não sonhamos de novo,
nesta noite menos nossa.
Ainda o silêncio. O vento sopra
a abundância do teu cabelo:
o grito, o uivo
VIAGEM
Torci a sombra atrás de mim
para fazer uma corda.
Caminho em silêncio
levando a corda a estrada, este cavalo velho.
Todos os dias o pôr-do-sol é um aborto
e o relógio tem em si a suficiência do tempo.
No fundo da noite, não há direcção
só o redor, o além.
Um por um, tiro do corpo os fósforos
cuja cabeça encarnada
rompe com o muro do escuro.
NAVEGAR OU VOAR
Sufocados pela monotonia da vida, eles
respiram só neste momento
em que ele estreita a cabeça dela nos braços
a falar do amor, e até da morte
como se a morte fosse o amor sublimado
e a escada para o paraíso.
No lençol em desalinho e molhado,
o mar ainda a ondular
e a tempestade, a ocupar o céu.
Eles continuam a navegar ou voar
mesmo com o destino condenado à terra.
*
Yao Feng, pseudônimo de Yao Jingming, nasceu em Pequim, em 1958, e atualmente é docente na Universidade de Macau. Dedica-se à tradução, escreve crônicas, faz crítica literária e já publicou, em chinês e em português, seis obras de poesia, nos quais se destacam Nas asas do vento cego (1990), A noite deita-se comigo (2001), Canto para longe (2006), Poemas escolhidos, 2002-2008 (2008). Os poemas foram integrados em numerosas seletas. Na China recebeu vários prêmios e coordena a revista Poesia Sino-Ocidental. Em 2006 recebeu a medalha da Ordem Militar de Santiago de Espada, atribuída pelo Estado português. |