AIMÉ CÉSAIRE
CADASTRE, 1961
MAGIQUE
avec une lèche de ciel sur un quignon de terre
vous bêtes qui sifflez sur le visage de cette morte
vous libres fougères parmi les roches assassines
à l’extrême de l’ile parmi les conques trop vastes pour leur destin
lorsque midi colle ses mauvais timbres sur les plis tempétueux de la louve
hors cadre de science nulle
et la bouche aux parois du nid suffète des îles englouties comme un sou
avec une lèche de ciel sur un quignon de terra
prophète des îles oublièes comme un sou
sans sommeil sans veille sans doigt sans palancre
quand la tornade passe rongeur du pain des cases
vous bêtes qui sifflez sur le visage de cette morte
la belle once de la luxure et la coquille operculée
mol glissement des grains de l’été que nous fûmes
belles chairs à transpercer du trident des aras
lorsque les étoiles chancelières de cinq branches
trèfles au ciel comme des gouttes de lait chu
réajustent undieu noir mal né de son tonnerre
CADASTRE, 1961
MÁGICO
com um naco de céu sobre um quinhão de terra
vocês feras que assobiam sobre o rosto desta morta
vocês livres avencas por entre as rochas assassinas
no extremo da ilha por entre as conchas muito vastas para seu destino
quando o meiodia cola seus timbres ruins sobre as dobras tempestuosas da loba
fora do quadro de ciência nula
e a boca das paredes do ninho sufeta das ilhas engolidas como um tostão
com um naco de céu sobre um quinhão de terra
profeta das ilhas esquecidas como um tostão
sem sono sem vigília sem dedo sem palancre
quando o tornado passa roedor do pão das cabanas
vocês feras que assobiam sobre o rosto dessa morta
a bela onça da luxúria e o caracol operculado
mole deslizamento dos grãos do verão que fomos
belas carnes a transpassar com o tridente das araras
quando as estrelas chanceleiras de cinco galhos
trevos no céu como gotas de leite derramado
reajustam um deus negro mal nascido de seu trovão
FILS DE LA FOUDRE
Et sans qu’elle ait daigné séduire les geôliers
à son corsage s’est délité um bouquet d’oiseaux-mouches
à ses oreilles ont germé des bourgeons d’attolls
elle me parle une langue si douce que tout d’abord je ne
comprends pas mais à la longue je devine qu’elle m’affirme
que le printemps est arrivé à contre-courant
que toute soif est étanchée que l’automne nous est coincilié
que les étoiles dans la rue ont fleuri em plein midi et très
bas suspendent leurs fruits
FILHO DO TROVÃO
E sem que ela tenha se dignado a seduzir os carcereiros
em seu bustiê se descamou um buquê de pássaros-moscas
em suas orelhas germinaram brotos de atóis
ela me fala uma língua tão doce que de início não compreendo mas ao longo adivinho que ela
me afirma que a primavera chegou à contracorrente
que toda sede está estancada que o outono se conciliou conosco que as estrelas na rua
floriram em pleno meio-dia e muito baixo suspendem seus frutos
TOTEM
De loin en proche de proche en loin le sistre des circoncis et un soleil hors moeurs
buvant dans la gloire de ma poitrine un grand coup de vin rouge et de mouches
comment d’étage en étage de détresse en héritage le totem
ne bondirait-il pas au sommet des buildings sa tiédeur de cheminée et de trahison ?
comme la distraction salée de ta langue destructrice
comme le vin de ton venin
comme ton rire de dos de marsouin dans l’argent du naufrage
comme la souris verte qui naît de la belle eau captive de tes paupières
comme la course des gazelles de sel fin de la neige sur la tête sauvage des femmes et de l’abîme
comme les grandes étamines de tes lèvres dans le filet bleu du continent
comme l’éclatement de feu de la minute dans la trame serrée du temps
comme la chevelure de genêt qui s’obstine à pousser dans l’arrière-saison de tes yeux à marine
cheveaux du quadrige piétinez la savane de ma parole vaste ouverte
du blanc au fauve
il y a les sanglots le silence la mer rouge et la nuit
TOTEM
De longe ao perto de perto ao longe o sistro dos circuncisos e um sol sem modos
bebe na glória do meu peito um grande gole de vinho tinto e de moscas
como de piso em piso de destreza em herança o totem
não saltaria ao topo dos buildings sua tepidez de chaminé e de traição?
como a distração salgada de tua língua destruidora
como o vinho de teu veneno
como teu riso de costas de marsuíno na prata do naufrágio
como a ratazana verde que nasce da bela água cativa de tuas pálpebras
como a corrida das gazelas de sal fino da neve sobre a cabeça selvagem das mulheres e do
abismo
como os grandes estames de teus lábios no filete azul do continente
como o resplendor de fogo do minuto na trama serrada do tempo
como a cabeleira de giesta que se obstina a brotar em fim de outono de teus olhos de marina
cavalos da quadriga pisem a savana de minha palavra vasta aberta
do branco ao fulvo
há os soluços o silêncio o mar vermelho e a noite
LES ARMES MIRACULEUSES
SOLEIL SERPENT
Soleil serpent oeil fascinant mon oeil
et la mer pouilleuse d’îles craquant aux doigts des roses
lance-flammes et mon corps intact de foudroyé
l’eau exhausse les carcasses de lumière perdues dans le couloir sans pompe
des tourbillons de glaçons auréolent le cœur fumant des corbeaux
nos cœurs
c’est la voix des foudres apprivoisées tournant sur leurs gonds de lézarde
transmission d’anolis au paysage de verres cassés c’est
les fleurs vampires à la relève des orchidées
élixir du feu central
feu juste feu manguier de nuit couvert d’abeilles mon
désir un hasard de tigres surpris aux soufres mais l’éveil
stanneux se donne des gisements enfantins
et mon corps de galet mangeant poisson mangeant
colombes et sommeils
le sucre de mot Brésil au fond du marécage.
AS ARMAS MILAGROSAS
SOL SERPENTE
Sol serpente olho fascinando o meu olho
e o mar miserável de ilhas crepitando nos dedos das rosas
lança-chamas e o meu corpo intacto de fulminado
a água exalta as carcaças de luz perdidas no corredor sem pompa
dos turbilhões de gelo em pedaços aureolam o coração fumegante dos corvos
nossos corações
é a voz dos raios cativados girando sobre seus gonzos de camaleoa
transmissão de anolis à paisagem de vidros quebrados são
as flores vampiras na troca das orquídeas
elixir do fogo central
fogo justo fogo mangueira de noite coberta de abelhas meu
desejo um acaso de tigres surpresos nos enxofres mas o despertar
estanhoso dá jazidas infantis
e o meu corpo de seixo comendo peixe comendo
pombas e sonos
o açúcar da palavra Brasil no fundo do pântano.
MYTHOLOGIE
à larges coups d’épée de sisal de tes bras fauves
à grands coups fauves de tes bras libres de pétrir l’amour à ton gré batéké
de tes bras de recel et de don qui frappent de clairvoyance les espaces aveugles baignés d’oiseaux
je profère au creux ligneux de la vague infantile de tes seins le jet du grand mapou
né de ton sexe où pend le fruit fragile de la liberté
MITOLOGIA
em amplos golpes de espada de sisal dos teus braços selvagens
em grandes golpes selvagens dos teus braços livres de amassar o amor a teu grado batéké
dos teus braços de receptação e de dom que batem com clarividência os espaços cegos banhados
por pássaros
profiro ao vão linhoso da vaga infantil dos teus seios o jorro do grande mapu
nascido do teu sexo onde pende o fruto frágil da liberdade
NOSTALGIQUE
ô lances de nos corps de vin pur
vers la femme d’eau passée de l’autre côté d’elle-même
aux sylves des nèfles amollies
davier des lymphes mères
nourrissant d’amandes douces d’heures mortes de stipes
d’orage
de grands éboulis de flamme ouverte
la lovée massive des races nostalgiques
NOSTÁLGICO
ó lanças dos nossos corpos de vinho puro
rumo à mulher d’água que passou do outro lado de si mesma
às selvas das nêsperas amolecidas
boticão das linfas mães
alimentando amêndoas doces de horas mortas de estipes
de tempestade
de grandes entulhos de chama aberta
a enrolada massiva das raças nostálgicas
SURVIE
Je t’évoque
bananier pathétique agitant mon cœur nu
dans le jour psalmodiant
je t’évoque
vieux hougan des montagnes sourdes la nuit
juste la nuit qui précède la dernière
et ses roulements d’ennui frappant à la poterne folle des villes enfouies
mais ce n’est que la prélude des forêts en marche au cou sanglant du monde
c’est ma haine singulière
dérivant ses icebergs dans l’haleine des vraies flammes
donnez-moi
ah donnez-moi l’œil immortel de l’ambre
et des ombres et des tombes en granit équarri
car l’idéale barrière des plans moites et les herbes aquatiques
écouteront aux zones vertes
les truchements de l’oubli se nouant et se dénouant
et les racines de la montagne
levant la race royale des amandiers de l’espérance
fleuriront par les sentiers de la chair
(le mal de vivre passant comme un orage)
cependant qu’à l’enseigne du ciel
un feu d’or sourira
au chant ardent des flammes de mon corps
SOBREVIDA
Eu te evoco
bananeira patética agitando meu coração nu
no dia recitando salmos
Eu te evoco
velho hugan das montanhas surdas a noite
apenas a noite que precede a última
e seus rolamentos de tédio batendo na poterna louca das cidades soterradas
mas é apenas o prelúdio das florestas em marcha ao pescoço sangrento do mundo
é o meu ódio singular
que deriva seus icebergs no hálito das verdadeiras chamas
dêem-me
ah dêem-me o olho imortal do âmbar
e das sombras e das tumbas de granito esquadriado
pois a barreira ideal dos planos úmidos e as plantas aquáticas
escutarão nas zonas verdes
as vias do esquecimento se atando e se desatando
e as raízes da montanha
erguendo a raça real das amendoeiras da esperança
florescerão pelos atalhos da carne
(o mal de viver passando como uma tempestade)
enquanto na insígnia do céu
um fogo de ouro sorrirá
na canção ardente das chamas do meu corpo
Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho
*
Aimé Fernand David Césaire (Basse-Pointe, Martinica, 1913 — Fort-de-France, 2008), poeta e político francês. Criou o conceito de negritude. Sua obra é marcada pela defesa das raízes africanas. Foi presidente da câmara de Fort-de-France entre 1945 e 2001. Publicou os livros de poesia Cahier d'un retour au pays natal (1939), Les Armes miraculeuses (1946), Soleil cou coupé (1947), Corps perdu (com desenhos de Picasso, 1950), Ferrements (1960), Cadastre, (1961), Moi, laminaire (1982) e La Poésie(1994). |