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ALEJO CARPENTIER
Nota do tradutor:
São apresentados, a seguir, dois fragmentos do romance Os
passos perdidos, de Carpentier, em tradução a ser
publicada em 2008 pela Martins Editora, de São Paulo. No
caso do primeiro fragmento, tomo, aqui, a iniciativa de
dispô-lo em versos (na versão em português), a fim de
explicitar as qualidades rítmico-poéticas do texto (faço-o
com alterações mínimas em relação à primeira forma da
tradução); permito-me, ainda, atribuir um nome ao "poema".
No debo pensar.
Ante todo sentir y ver. Y cuando de ver se pasa a mirar, se
encienden raras luces y todo cobra una voz. Así, he
descubierto, de pronto, en un segundo fulgurante, que existe
una Danza de los Arboles. No son todos los que conocen el
secreto de bailar en el viento. Pero los que poseen la
gracia, organizan rondas de hojas ligeras, de ramas, de
retoños, en torno a su propio tronco estremecido. Y es todo
un ritmo el que se crea en las frondas; ritmo ascendente e
inquieto, con encrespamientos y retornos de olas, con
blancas pausas, respiros, vencimientos, que se alborozan y
son torbellino, de repente, en una música prodigiosa de lo
verde. Nada hay más hermoso que la danza de un macizo de
bambúes en la brisa. Ninguna coreografía humana tiene la
euritmia de una rama que se dibuja sobre el cielo. Llego a
preguntarme a veces si las formas superiores de la emoción
estética no consistirán, simplemente, en un supremo
entendimiento de lo creado. Un día, los hombres descubrirán
un alfabeto en los ojos de las calcedonias, en los pardos
terciopelos de la falena, y entonces se sabrá con asombro
que cada caracol manchado era, desde siempre, un poema.
(Quinto capítulo, pág. 28)
O segredo
Não
devo
pensar.
Antes
de
tudo
sentir
e
ver.
E
quando
de
ver
se
passa
a
olhar,
acendem-se raras
luzes
e
tudo
adquire uma
voz.
Assim,
descobri, de repente,
em um
segundo
fulgurante,
que
existe uma
Dança
das
Árvores.
Não
são
todas
que
conhecem
o
segredo
de
dançar
ao
vento.
Mas
as
que
possuem a
graça
formam
rodas
de
folhas
ligeiras,
de ramos, de
brotos,
em torno
de
seu
próprio
tronco
estremecido.
E é
todo
um
ritmo que
se
cria
nas
folhagens;
um
ritmo
ascendente
e inquieto,
com
encrespamentos
e
retornos
de
ondas,
com
brancas
pausas,
respiros,
vergamentos,
que
se alvoroçam e
são
torvelinho,
de repente, numa
música
prodigiosa
do
verde.
Não
há
nada
mais
belo
que
a
dança
de
um
maciço
de
bambus
na
brisa.
Nenhuma
coreografia
humana
tem a
eurritmia
de
um
ramo
que
se
desenha
sobre
o
céu.
Chego a
me
perguntar
às
vezes
se as
formas
altas da
emoção
estética
não
consistirão,
simplesmente,
num
supremo
entendimento
do
criado.
Um
dia,
os
homens
descobrirão
um
alfabeto
nos
olhos
das calcedônias,
nos
pardos
veludos
da falena, e
então
se saberá
com
assombro
que
cada
caracol
manchado
era,
desde
sempre,
um
poema.
El desmedido estiramiento de ciertas palmeras escuálidas, el
despunte de ciertas maderas que sólo lograban asomar una
hoja, arriba, luego de haber sorbido la savia de varios
troncos, eran fases diversas de una batalla vertical de cada
instante, dominada señeramente por los árboles más grandes
que yo hubiera visto jamás. Arboles
que
dejaban muy abajo,
como
gente
rastreante, a las
plantas
más espigadas
por
las
penumbras,
y se abrían en cielo despejado,
por
encima de
toda
lucha, armando con sus
ramas
unos
boscajes
aéreos,
irreales,
como
suspendidos en el espacio, de los
que
colgaban
musgos
transparentes,
semejantes a encajes lacerados. A veces, luego de varios
siglos de
vida,
uno
de esos árboles perdía las hojas, secaba sus
líquenes,
apagaba sus
orquídeas.
Las maderas le encanecían, tomando consistencia de
granito
rosa
y quedaba erguido, con su ramazón
monumental
en
silenciosa
desnudez, revelando las leyes de
una
arquitectura casi
mineral,
que
tenía simetrías,
ritmos,
equilibrios, de cristalizaciones. Chorreado
por
las lluvias, inmóvil en las
tempestades,
permanecía allí,
durante
algunos siglos más,
hasta
que,
un buen día, el rayo acababa de derribarlo
sobre
el deleznable
mundo
de abajo. Entonces, el coloso,
nunca
salido de la prehistoria, acababa
por
desplomarse, aullando
por
todas las astillas, arrojando palos a los cuatro vientos,
rajado
en dos, lleno de carbón y de fuego
celestial,
para
mejor
romper
y quemar
todo
lo
que
estaba a sus
pies.
Cien árboles perecían en su
caída,
aplastados, derribados, desgajados, tirando de
lianas
que,
al reventar, se disparaban hacia el cielo
como
cuerdas de
arcos.
Y acababa
por
yacer
sobre
el humus milenario de la
selva,
sacando de la tierra unas raíces tan intrincadas y vastas
que
dos caños, siempre ajenos, se veían unidos, de
pronto,
por
la extracción de aquellos
arados
profundos
que
salían de sus tinieblas destrozando nidos de termes,
abriendo cráteres a los
que
acudían corriendo, con la lengua
melosa
y los garfios de fuera, los lamedores de hormigas.
(Quarto capítulo, pág. 20)
(Árvores)
O
desmedido
estiramento
de
certas
palmeiras
esquálidas, o
despontar
de
certas
madeiras
que
só
conseguiam
exibir
uma
folha,
em
cima,
logo
depois
de
ter
sorvido a
seiva
de
vários
troncos,
eram
fases
diversas de uma
batalha
vertical
de
cada
instante,
dominada solitariamente pelas
maiores
árvores
que
eu
jamais
vira.
Árvores
que
deixavam
muito
abaixo,
como
gente
rastejante,
as
plantas
mais
espigadas pelas
penumbras,
e se abriam ao
céu
claro,
por
cima
de
toda
luta,
armando
com
seus
ramos
alguns
bosques
aéreos,
irreais,
como
que
suspensos no
espaço,
dos
quais
pendiam
musgos
transparentes,
semelhantes
a
rendas
laceradas. Às
vezes,
após
vários
séculos
de
vida,
uma dessas
árvores
perdia as
folhas,
secava
seus
liquens, apagava
suas
orquídeas.
As
madeiras
a encaneciam, adquirindo
consistência
de
granito
rosa, e permanecia erguida,
com
sua
ramagem
monumental
em
silenciosa
nudez,
revelando as
leis
de uma
arquitetura
quase
mineral,
que
tinha
simetrias,
ritmos,
equilíbrios,
de cristalizações. Manchada pelas
chuvas,
imóvel
nas
tempestades,
permanecia
ali,
durante
alguns
séculos
mais,
até
que,
um
belo
dia,
o
raio
acabava
por
derrubá-la
sobre
o
instável
mundo
de
baixo.
Então,
o
colosso,
nunca
saído
da
pré-história,
acabava
por
se
desmantelar,
uivando
por
todas as
lascas,
lançando
paus
aos
quatro
ventos,
rachado
em
dois,
cheio
de
carvão
e de
fogo
celestial,
para
melhor
romper
e
queimar
tudo
o
que
estava a
seus
pés.
Cem
árvores
pereciam
em
sua
queda,
esmagadas,
derrubadas,
desgalhadas, esticando
lianas
que,
ao
rebentar,
se atiravam ao
céu
como
cordas
de
arcos.
E acabava
por
jazer
sobre
o
húmus
milenar
da
selva,
retirando da
terra
umas raízes
tão
intrincadas e vastas
que
dois
canais,
sempre
separados, viam-se unidos, de
repente,
pela
extração
daqueles
arados
profundos
que
saíam de
suas
trevas
destroçando
ninhos
de
cupins,
abrindo
crateras
a
que
acudiam correndo,
com
a
língua
melosa
e os
ferrões
de
fora,
os lambedores de
formigas.
Tradução:
Marcelo Tápia
*
Alejo Carpentier
(1904-1980), escritor cubano. Publicou, entre outros
títulos, Ecué Yamba-O (1933), História da
música cubana (1946), O reino deste mundo (1949),
A divisão das águas (1953), Concerto barroco
(1974), A harpa e a sombra (1979) e A sagração da
primavera (1979).