ANDRÉ BRETON
ANDRÉ BRETON
SUR LA ROUTE DE SAN ROMANO
La poésie se fait dans un lit comme l'amour
Ses draps défaits sont l’aurore des choses
La poésie se fait dans les bois
Elle a l'espace qu'il lui faut
Pas celui-ci mats l'autre que conditionnent
L’oeil du milan
La rosée sur une prêle
Le souvenir d'une bouteille de Traminer
embuée sur un plateau d'argent
Une haute verge de tourmaline sur la mer
Et la route de l'aventure mentale
Qui monte à pic
Une halte elle s'embroussaille aussitôt
Cela ne se crie pas sur les toits
Il est irconvenant de laisser la porte ouverte
Ou d'appeler des témoins
Les bancs de poissons les haies de mésanges
Les rails à l'entrée d'une grande gare
Les reflets des deux rives
Les sillons dans le pain
Les bulles du ruisseau
Les jours du calendrier
Le millepertuis
L'acte d'amour et l'acte de poésie
Sont incompatibles
Avec la lecture du journal à haute voix
Le sens du rayon de soleil
La lueur bleue qui relie les coups de hache
du bûcheron
Le fil du cerf-volant en forme de coeur ou
de nasse
Le battement en mesure de la queue des
castors
La diligence de l'éclair
Le jet des dragues du haut des vieilles
marches
L’avalanche
La chambre aux prestiges
Non messieurs ce n’est pas la huitième Chambre
Ni les vapeurs de la chambrée un dimanche soir
Les figures de danse exécutées en trans-
parence au-dessus des mares
La délimitation contre un mur d'un corps
de femme au lancer de poignards
Les volutes claires de la fume
Les boucles de tes cheveux
La courbe de l’éponge des Philippines
Les lacés du serpent corail
L'entrée du lierre dans les ruines
Elle a tout le temps devant elle
L’étreinte poétique comme l'étreinte de chair
Tant qu'elle dure
Défend toute échappée sur la misère du monde
1948
NA VIA DE SAN ROMANO
A poesia se faz numa cama como o amor
Seus lençóis desfeitos são a aurora das coisas
A poesia se faz nos bosques
Ela tem o espaço de que precisa
Não este mas o outro que condicionam
O olho do milhano
O orvalho sobre uma cavalinha-do-brejo
A lembrança de uma garrafa de Traminer
embaçada sobre um prato de prata
Uma alta verga de turmalina sobre o mar
E a estrada da aventura mental
Que sobe a pique
Uma parada ela se emaranha logo logo
Isso não se grita sobre os telhados
É inconveniente deixar a porta aberta
Ou chamar testemunhas
Os bancos de peixes as sebes de melharucos
Os trilhos na entrada de uma grande estação
Os reflexos das duas margens
Os sulcos no pão
As bolhas do riacho
Os dias do calendário
O hiperico
O ato de amor e o ato de poesia
São incompatíveis
Com a leitura do jornal em voz alta
O sentido do raio de sol
A luz azul que reata as machadadas
do lenhador
O fio do papagaio em forma de coração ou
de nassa
O batimento na medida da cauda dos
castores
A diligência do relâmpago
O jorro das dragas do alto dos velhos
degraus
A avalanche
A câmara dos prestígios
Não senhores não é a oitava Câmara
Nem os vapores do alojamento militar um domingo a noite
As figuras de dança executadas em trans-
parência acima dos pântanos
A delimitação contra um muro de um corpo
de mulher ao lançar de punhos
As volutas claras da fumaça
Os cachos de teus cabelos
A curva da esponja das Filipinas
Os enlaces da serpente coral
A entrada da hera nas ruínas
Ela tem todo o tempo diante de si
O abraço poético como o abraço carnal
Enquanto dura
Impede toda fuga sobre a miséria do mundo
Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho
Leia também outra tradução de Breton, feita por Priscila Manhães e Carlos Eduardo Ortolan
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André Breton (1896-1966), poeta e escritor francês. Foi um dos principais nomes da vanguarda francesa no início do século, tendo publicado, em 1924, o famoso Manifesto do Surrealismo. Breton, que estudou medicina e trabalhou num centro psiquiátrico, conhecia o pensamento de Freud e interessou-se pela arte “primitiva” ou “ingênua” dos loucos, das crianças e dos povos africanos. Entusiasmou-se pelos “poetas malditos”, como Edgar Allan Poe, Rimbaud e Lautréamont, e via a arte como uma experiência próxima ao sonho, à loucura, à aventura e à vivência mística, e distante das instituições e dos preconceitos do mundo burguês. Breton desenvolveu um método de criação chamado escrita automática, ou automatismo psíquico, pelo qual o escritor coloca no papel as frases e palavras ditadas por seu inconsciente, de maneira livre, espontânea, sem intervenção do intelecto. Esse sistema irá marcar toda a poesia surrealista, e mais tarde, nos anos 50, teve reflexos na escritura beat (e, no Brasil, na poesia de Roberto Piva e Claudio Willer). Mais tarde, o autor engajou-se no socialismo revolucionário, criando com Trotsky e Diego Rivera a Federação Internacional dos Artistas Revololucionários Independentes (FIARI). Entre as obras principais de Breton estão Nadja (1928), Clair de Terre (1930), L’Union Libre (1931), L’air de l’Eau (1934) e L’Amour Fou (1937). No Brasil, foram traduzidos os Manifestos do Surrealismo e o romance Arcano 17 (1947). |