ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DOM LUÍS DE GÔNGORA

 

FÁBULA DE POLIFEMO Y GALATEA
(versos 25 a 128)

     Donde espumoso el mar sicilïano
El pie argenta de plata al Lilibeo,
Bóveda o de las fraguas de Vulcano
O tumba de los huesos de Tifeo,
Pálidas señas cenizoso un llano,
Cuando no del sacrílego deseo,
Del duro oficio da. Allí una alta roca
Mordaza es a una gruta de su boca.

     Guarnición tosca de este escollo duro
Troncos robustos son, a cuya greña
Menos luz debe, menos aire puro
La caverna profunda, que a la peña;
Caliginoso lecho, el seno obscuro
Ser de la negra noche nos lo enseña
Infame turba de nocturnas aves,
Gimiendo tristes y volando graves.

     De este, pues, formidable de la tierra
Bostezo, el melancólico vacío
A Polifemo, horror de aquella sierra,
Bárbara choza es, albergue umbrío
Y redil espacioso donde encierra
Cuanto las cumbres ásperas cabrío,
De los montes esconde: copia bella
Que un silbo junta y un peñasco sella.

     Un monte era de miembros eminente
Este que —de Neptuno hijo fiero—
De un ojo ilustra el orbe de su frente,
Émulo casi del mayor lucero;
Cíclope a quien el pino más valiente
Bastón le obedecía tan ligero,
Y al grave peso junco tan delgado,
Que un día era bastón y otro cayado.

     Negro el cabello, imitador undoso
De las oscuras aguas del Leteo,
Al viento que lo peina proceloso
Vuela sin orden, pende sin aseo;
Un torrente es su barba, impetuoso
Que —adusto hijo de este Pirineo—
Su pecho inunda— o tarde, o mal, o en vano
Surcada aun de los dedos de su mano.

    No la Trinacria en sus montañas, fiera
Armó de crueldad, calzó de viento,
Que redima feroz, salve ligera
Su piel manchada de colores ciento:
Pellico es ya la que en los bosques era
Mortal horror al que con paso lento
Los bueyes a su albergue reducía,
Pisando la dudosa luz del día.

     Cercado es, cuando más capaz más lleno,
De la fruta, el zurrón, casi abortada,
Que el tardo otoño deja al blando seno
De la piadosa yerba encomendada:
La serva, a quien le da rugas el heno;
La pera, de quien fue cuna dorada,
La rubia paja y —pálida turora—
La niega avara y pródiga la dora.

     Erizo es, el zurrón, de la castaña;
Y —entre el membrillo o verde o datilado—
De la manzana hipócrita, que engaña,
A lo pálido no, a lo arrebolado,
Y de la encina honor de la montaña,
Que pabellón al siglo fue dorado,
El tributo, alimento, aunque grosero,
Del mejor mundo, del candor primero.

     Cera y cáñamo unió —que no debiera—
Cien cañas, cuyo bárbaro rüido,
De más ecos que unió cáñamo y cera
Albogues, duramente es repetido.
La selva se confunde, el mar se altera,
Rompe Tritón su caracol torcido,
Sordo huye el bajel a vela y remo:
¡Tal la música es de Polifemo!

     Ninfa, de Doris hija, la más bella,
Adora, que vio el reino de la espuma.
Galatea es su nombre, y dulce en ella
El terno Venus de sus Gracias suma.
Son una y otra luminosa estrella
Lucientes ojos de su blanca pluma:
Si roca de cristal no es de Neptuno,
Pavón de Venus es, cisne de Juno.

     Purpúreas rosas sobre Galatea
La Alba entre lilios cándidos deshoja:
Duda el Amor cuál más su color sea,
O púrpura nevada, o nieve roja.
De su frente la perla es, eritrea,
Émula vana. El ciego dios se enoja,
Y, condenado su esplendor, la deja
Pender en oro al nácar de su oreja.

     Invidia de las ninfas, y cuidado
De cuantas honra el mar deidades, era;
Pompa del marinero niño alado
Que sin fanal conduce su venera.
Verde el cabello, el pecho no escamado,
Ronco sí, escucha a Glauco la ribera
Inducir a pisar la bella ingrata,
En carro de cristal, campos de plata.

     Marino joven, las cerúleas sienes,
Del más tierno coral ciñe Palemo,
Rico de cuantos la agua engendra bienes,
Del Faro odioso al promontorio extremo;
Mas en la gracia igual, si en los desdenes
Perdonado algo más que Polifemo,
De la que, aún no le oyó, y, calzada plumas,
Tantas flores pisó como él espumas.

 

 

FÁBULA DE POLIFEMO E GALATÉIA
(versos 25 a 128)


       Onde espumoso o mar siciliano
o pé de prata banha ao Lilibeu,
abóbada ou das forjas de Vulcano
ou tumba dos ossos de Tifeu,
pálidas sendas cinéreo plano,
quando não do impuro desejo meu
do duro ofício dá. Ali uma alta roca
mordaça é a uma gruta de sua boca.
     Guarnição tosca deste escolho duro
troncos robustos são, a cuja grenha
menos luz deve, menos ar puro
a caverna profunda, que à penha;
caliginoso leito, o seio escuro
ser da negra noite, a nós venha
infame turba de noturnas aves,
gemendo tristes e voando graves.
     Deste, pois, formidável da terra
bocejo, o melancólico vazio
a Polifemo, horror daquela serra,
bárbara choça é, albergue frio
e redil espaçoso onde se encerra
quanto cabe do áspero cabril
que os montes escondem; cópia bela
que um silvo junta e um penhasco sela.
     Um monte era de membros eminente
este que _ de Netuno fero herdeiro _
um olho ilustra o orbe de sua frente,
êmulo quase do maior luzeiro;
ciclope a quem o pinho mais valente
bastão lhe obedecia tão ligeiro
e ao grave peso junco tão delgado,
que um dia era bastão e outro, cajado.
     Negro o cabelo, imitador undoso
das escuras águas do Leteu,
ao vento que o penteia proceloso
voa sem ordem, pende sem asseio;
que _ austero filho deste Pirineu _
seu peito inunda _ tarde, mal, em vão
sulcada ainda dos dedos de sua mão.
     Não a Trinácria em suas montanhas, fera
armou de crueldade, calçou de vento,
que redima feroz, salve ligeira
sua pele manchada de cores aos centos;
pelico é já a que nos bosques era
mortal horror ao que com passo lento
os bois a seu albergue reduzia,
pisando a duvidosa luz do dia.
     Cercado é, se mais capaz, mais cheio,
da fruta, o surrão, quase abortada,
que o tardio outono deixa ao brando seio
da piedosa erva encomendada:
a serva, a quem lhe dá rugas o feno;
a pera, a quem lhe dá berço dourado
a rubra palha e _ pálida tutora _
a nega avara e pródiga a doura.
     Áspero é, o surrão, da castanha;
e _ entre o marmelo verde ou atamarado _
da maçã hipócrita, que engana
ao pálido não, ao acarminhado;
e do azinheiro, honra da montanha,
que pavilhão ao século foi dourado,
o tributo, alimento, mesmo grosseiro,
do melhor mundo, do candor primeiro.
     Ninfa, de Dóris filha, a mais bela,
adora, que viu o reino da espuma.
Galatéia é seu nome, tão doce ela
De Vênus e suas graças todas suma.
São uma e outra luminosa estrela
luzentes olhos de sua branca pluma;
se roca de cristal não é de Netuno,
pavão de Vênus é, cisne de Juno.
     Purpúreas rosas sobre Galatéia
a alba entre lírios cândidos despeja;
ignora o Amor qual mais sua cor seja,
se púrpura nevada, se neve vermelha.
De sua fronte a pérola é, eritréa,
êmula vã. O cego deus a deseja
e, condenado seu esplendor, a deixa
pender em ouro ao nácar da orelha.
     Inveja das ninfas era, e cuidado
de quantas honra o mar deidades, era;
pompa do marinheiro jovem alado
que sem fanal conduz sua venera.
Verde o cabelo, o peito não escamado,
rouco sim, escuta a Glauco na ribeira
induzir a pisar a bela ingrata,
no carro de cristal, campos de prata.
     Marinho jovem as cerúleas fontes
do mais terno coral cinge Palemo,
rico de quantos da água engendra bens
do Faro odioso ao Promontório extremo;
mas na graça igual, se nos desdéns
perdoado algo mais que Polifemo,
da que ainda não lhe ouviu, calçada plumas,
tantas flores pisou como ele espumas.  

 

SONETO XXXVII

Ayer naciste, y morirás mañana.
Para tan breve ser, quién te dió vida?
Para vivir tan poco estás lucida,
y para no ser nada estás lozana?

Si te engañó tu hermosura vana,
bien presta la verás desvanecida,
porque en tu hermosura está escondida
la ocasión de morir muerte temprana.

Cuando te corte la robusta mano,
ley de la agricultura permitida,
grosero aliento acabará tu suerte.  

No salgas, que te aguarda algún tirano;
dilata tu nacer para tu vida,
que antecipas tu ser para tu muerte.

 

SONETO XXXVII


Ontem nasceste, e morrerás amanhã.
Para tão breve ser, quem te deu vida?
Para viver tão pouco estás luzida,
e para não ser nada estás louçã?

Se te enganou tua formosura vã,
bem cedo a verás desvanecida,
porque em tua formosura está escondida
a ocasião de morrer morte temporã.

Quando te cortar a robusta mão,
lei da agricultura permitida,
ríspido alento podará tua sorte.

Não folgues, que te aguarda algum vilão;
dilata teu nascer para tua vida,
que antecipas teu ser para tua morte.

 


SONETO XXV

 Los blancos lilios que de ciento en ciento
hijos del Sol, nos da la Primavera,
a quien del Tejo son en la ribera,
oro su cuna, perlas su alimiento;

las frescas rosas, que ambicioso el viento
con pluma solicita lisonjera,
como quien de una y otra hoja espera
purpúreas alas, si lascivo aliento,

 a vuestro hermoso pie cada qual debe
su beldad toda. Que hará la mano,
si tanto puede el pie, que ostenta flores,

por que vuestro esplendor venza la nieve,
venza su rosicler, y por que en vano,
hablando vos, espiren sus olores?  

 

 SONETO XXV

Os brancos lírios que, de cento em cento,
filhos do Sol, nos dá a Primavera,
a quem do Tejo são lá na ribeira,
ouro seu berço, pérolas seu alimento;

as frescas rosas que, ambicioso, o vento
com pluma solicita lisonjeira,
como quem de uma e outra folha espera
purpúreas asas, se lascivo alento,

a vosso formoso pé cada qual deve
sua beleza toda. Que fará a mão
se tanto pode o pé, que ostenta flores,

por que vosso esplendor vence a neve,
vence seu rosicler, e por que em vão
falando vós, expiram seus olores?


*

Traduções: Claudio Daniel

*

Luis de Góngora y Argote, poeta barroco espanhol, nasceu em Córdoba, em 1561, numa família aristocrática. Foi ordenado sacerdote aos 56 anos, atuando como capelão na corte do rei Felipe III. Sua obra poética inclui sonetos, romances, letrillas e peças longas de severa arquitetura, como a Fábula de Polifemo e Galatéia (1612) e as Soledades (1613), obras capitais da estética barroca. Sua lírica é articulada numa sintaxe complexa, com riqueza de vocabulário e de construções metafóricas, que valeram ao autor a acusação de hermetismo e obscuridade. Admirado por Cervantes, foi chamado de “o Homero espanhol”. O poeta faleceu na mesma cidade onde nascera, em 1627.

*

 

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