DU FU
Pensando em meus irmãos em uma noite de luar*
Tambores soam rompem-se os caminhos
fronteira o outono ao canto de um só ganso
Desde esta noite vem orvalho branco
mais clara lua brilha à terra antiga
Os irmãos foram pelo mundo a fora
notícia alguma que os segure vivos
Nenhuma carta alcança seu destino
e mais agora a guerra se demora
Em face da neve
choram os fantasmas vindos da batalha
teme lamenta um velho solitário
às sombras baixam nuvens em desordem
revolve a neve ao vento que retorna
cabaça seca falta o vinho verde
estufa fria onde o fogo vermelho
por toda a parte cortam-se as notícias
resta sentar-se e escrever ao vazio
Bai Di*
Bai Di ao centro nuvens transbordam os portais
Bai Di abaixo a chuva se derrama à terra
O rio se abate à gorja trovão raio esbatem-se
o verde e o cinza às ervas lua e sol em trevas
Cavalos agitando-se entre a paz e guerra
milhares eram os lares uns cem permanecem
Mais aflição miséria o outono e ela sozinha
alguma vila na planície um choro a gritos
Tradução: Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao
*Bai Di (“Imperador Branco”) era cidade importante, situada no alto da montanha, à beira das gargantas do Grande Rio (o Yang-tse), de onde se divisavam vales a grandes distâncias.
A Dinastia Tang (618-907) é considerada o ápice da cultura clássica chinesa. Um dos mais renomados autores desse período de ouro da poesia universal é Du Fu. Intelectual confuciano, preparado para a administração pública segundo um rigoroso senso de ordem social e governo esclarecido; “homem de família”, marido e pai devotado, tocou-lhe viver incontáveis sofrimentos em uma época conturbada de guerra e rebelião. Du Fu é um poeta que se destaca por um realismo marcado pela materialidade, a sensação das coisas ao redor, o aspecto físico do mundo.
Em sua obra, os poemas escritos sobre os horrores da opressão e da injustiça em tempo de guerra são notáveis, como os que oferecemos a seguir. Essas traduções comporão o novo livro que estamos finalizando – uma antologia da poesia clássica chinesa, em seus principais autores, a qual será a mais extensa obra dessa natureza publicada em português.
Propomo-nos publicar esses textos na revista Zúnai como uma homenagem ao povo palestino, em apoio à causa do reconhecimento internacional de seu Estado, ao resgate de sua dignidade como nação. Também para dar as boas-vindas aos palestinos que emigraram para o Brasil. É nosso orgulho que este país possa abrigá-los e oferecer-lhes uma pátria.
Feliz Ano do Dragão. Ricardo Portugal e Tan Xiao.
*
Ricardo Primo Portugal é escritor e diplomata, graduado em Letras pela UFRGS. Está completando sete anos vivendo e trabalhando na China, primeiro em Pequim, depois em Xangai e, a partir de 2010, em Cantão (Guangzhou). Publicou: DePassagens (Ameop, 2004), Arte do risco (SMCPA, 1992), entre outros. Foi co-organizador da edição bilíngue chinês-português Antologia poética de Mário Quintana (EDIPUCRS, 2007), primeiro livro de poeta brasileiro traduzido para o chinês, com o apoio do Consulado Geral do Brasil em Xangai. Em junho de 2011, saiu, pela UNESP, Poesia completa de Yu Xuanji, edição bilíngüe da obra da poetisa clássica chinesa (Dinastia Tang), com traduções suas, em parceria com a esposa, Tan Xiao, primeira obra completa de poeta daquele país editada no Brasil, traduzida diretamente do original chinês. (ver: http://www.editoraunesp.com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=1267). No final de 2011 publica, pela editora 7 Letras, [Zero a Sem], haicais (ver: https://www.7letras.com.br/zero-a-sem.html).
Tan Xiao é graduada em Letras, com ênfase em língua inglesa e ensino das línguas inglesa e chinesa pela Universidade Normal de Hengyang e pela Universidade Zhong Nan, Changsha, Hunan, República Popular da China. Estudou português na UnB. Foi intérprete e tradutora português-chinês da Embaixada do Brasil em Pequim e trabalhou no escritório brasiliense da empresa Huawei. Atualmente, faz o mestrado em lingüística na Universidade de Línguas Estrangeiras de Guangdong. |