EDMOND JABÈS
LE MIROIR
Au dortoir des ressemblances
les feuilles ont leurs pensées
les pierres savent le bruit
doré que font les abeilles
Le jour est intimement lié
à leur désespoir à leur oreille
Pour l’air l’eau du temps
la nature danse
L’herbe dans la terre a
un pied nu qui avance
Mais tu n’entendras jamais
un murmure de fatigue.
(DE L’ÉCORCE DU MONDE – 1954)
O ESPELHO
No dormitório das semelhanças
as folhas têm seus pensamentos
as pedras sabem o rumor
dourado que fazem as abelhas
O dia está intimamente ligado
ao seus desesperos às suas orelhas
Para o ar a água do tempo
a natureza dança
A relva na terra tem
um pé nu que avança
Mas tu não ouvirás jamais
um murmúrio de fadiga.
LES RAMES ET LA VOILE
La lettre vole le mot qui vole l’image qui vole.
La lettre ment au mot qui ment à la phrase qui ment à l’auteur qui ment.
La lettre rêve le mot qui rêve la phrase qui exauce le mot qui exauce la lettre.
La lettre délie le mot qui délie l’image qui délie le jour.
La phrase pare le mot qui pare la lettre qui pare l’absence.
La lettre dépense le mot qui dépense la phrase qui dépense le livre qui dépense l’écrivain qui se ruine.
(DE DU BLANC DES MOTS ET DU NOIR DES SIGNES – 1953-1956)
OS MASTROS E A VELA
A letra rouba a palavra que rouba a imagem que rouba.
A letra mente à palavra que mente à frase que mente ao autor que mente.
A letra sonha a palavra que sonha a frase que acolhe a palavra que acolhe a letra.
A letra desliga a palavra que desliga a imagem que desliga o dia.
A frase orna a palavra que orna a letra que orna a ausência.
A letra despende a palavra que despende a frase que despende o livro que despende o escritor que se arruína.
LE POSSÉDÉ
Pour réduire le démon – qui est l’image – et rétablir l’équilibre de la terreur en deçà et au-delà des frontières d’encre, les mots envoûtés exécutent une danse magique semblable, autour du sorcier masqué, à celles des tribus primitives.
A égales armes.
Ils ont la poitrine et le visage peints aux couleurs des matins que les brebis baignent de leur lait et les faucons, dans leur large vol de voleur, du sang noir de leur proie.
La cérémonie éteinte, humbles vocables rendus à eux-mêmes, leur puissance d’une heure fut à la taille du déguisement dont s’est défait leur âme.
Le poème est pour demain.
(DE PETITES INCURSIONS DANS LE MONDE DES MASQUES ET DES MOTS - 1956)
O POSSUÍDO
Para reduzir o demônio – que é a imagem – e restabelecer o equilíbrio do terror aquém e além das fronteiras de tinta, as palavras embruxadas executam uma dança mágica semelhante, ao redor do feiticeiro mascarado, àquelas das tribos primitivas.
Com armas iguais.
Elas têm o peito e o rosto pintados nas cores das manhãs que as ovelhas banham com seu leite e os falcões, em seu amplo voo de rapina, com o sangue negro de sua caça.
O fogo da cerimônia extinto, humildes vocábulos recolhidos a si mesmos, sua potência de uma hora fora à altura do disfarce com o qual se desfizeram suas almas.
O poema é para amanhã.
L’APPEL – O CHAMADO (1985-1988)
Un visage du présent. Visage du passé.
Un voile les sépare. Un rideau humide.
L’œil, encore brouillé, d’une larme ancienne.
Mélancolie. Mélancolie.
Nous mourons de ce qui nous réduit.
Il avait – lui semblait-il – mille
choses à dire
à ces mots qui ne disaient rien ;
qui attendaient, alignés ;
à ces mots clandestins,
sans passé ni destin.
Et cela le troublait infiniment ;
Au point de n’avoir, lui-même, plus
rien à dire,
déjà, déjà.
O CHAMADO
Um rosto do presente. Rosto do passado.
Um véu os separa. Uma cortina úmida.
O olho, inda embaçado, com uma lágrima antiga.
Melancolia. Melancolia.
Morremos daquilo que nos reduz.
Ele tinha – parecia-lhe – mil
coisas a dizer
a esses vocábulos que não diziam nada;
que esperavam, alinhadas ;
a essas vocábulos clandestinos,
sem passado nem destino.
E isso o perturbava infinitamente;
A ponto de não ter, ele mesmo, mais
nada a dizer,
já, já.
Cherche mon nom dans les anthologies.
Tu le trouveras et ne le trouveras pas.
Cherche mon nom dans les dictionnaires.
Tu le trouveras et ne le trouveras pas.
Cherche mon nom dans les encyclopédies.
Tu le trouveras et ne le trouveras pas.
Qu’importe. Ai-je jamais eu un nom ?
Aussi, quand je mourrai, ne cherche pas
mon nom dans les cimetières
ni ailleurs.
Et cesse de tourmenter, aujourd’hui, celui
qui ne peut répondre à l’appel.
Busca meu nome nas antologias.
Tu o encontrarás e não o encontrarás.
Busca meu nome nos dicionários.
Tu o encontrarás e não o encontrarás.
Busca meu nome nas enciclopédias.
Tu o encontrarás e não o encontrarás.
Que importa? Terei eu jamais tido um nome?
Também, quando eu morrer, não busques
meu nome nos cemitérios
nem alhures.
E para de atormentar, hoje, aquele
que não pode responder ao chamado.
Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho.
*
Edmond Jabès (Cairo, 1912 – Paris, 1991), poeta, romancista, ensaísta e escritor de fragmentos, consagrou toda sua obra a escrever rumo ao Livro, ao livro, ao relato. Tanto que grande parte de seus livros traz a palavra « Livro » em seu título: temos sete Livros das Questões, quatro livros dos limites, três livros das semelhanças, outros três das margens, um da hospitalidade. Podemos, inclusive, afirmar que todo livro jabesiano está na ausência de livro ou em busca de tornar-se livro e Livro. Seus meios são o deserto, a voz, o silêncio, sábios, estrangeiros, a pena (pluma), o neutro, o ilimitado, numa escritura fragmentária mas não fragmentada. Ainda (mas por pouco tempo) inédito no Brasil, Jabès terá lançados em maio deste ano pela Lumme Editor em um só volume três livros: Desejo de um começo, angústia de um só fim (Désir d’un commencement, angoisse d’une seule fin); A memória e a mão (La mémoire et la main); e Um olhar (Un regard), em tradução de Amanda Mendes Casal, Eclair Antonio Almeida Filho e Luiz Augusto Contador Borges. Os poemas traduzidos para esta edição da Zunái podem ser encontrados no volume Le Seuil Le Sable (poesias completas), publicado pela editora Gallimard. |