ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - home ]

 

 

FRANCISCO DE QUEVEDO

 

 

DESCUIDO DEL DIVERTIDO VIVIR A QUIEN
      LA MUERTE LLEGA IMPENSADA

 

    Vivir es caminar breve jornada,
y muerte viva es, Lico, nuestra vida,
ayer al frágil cuerpo amanecida,
cada instante en el cuerpo sepultada.

      Nada que, siendo, es poco, y será nada
en poco tiempo, que ambiciosa olvida;
pues, de la vanidad mal persuadida,
anhela duración, tierra animada.

    Llevada de engañoso pensamiento
y de esperanza burladora y ciega,
tropezará en el mismo monumento.
 
    Como el que, divertido, el mar navega
y, sin moverse, vuela con el viento,
y antes que piense en acercarse, llega.

 

 

DESCUIDO DO DIVERTIDO VIVER A QUEM
      A MORTE CHEGA IMPREVISTA

 

    Viver é caminhar breve jornada,
e morte viva é, Lico, nossa vida,
já no frágil corpo amanhecida,
cada instante no corpo sepultada.

      Nada que, sendo, é pouco, e será nada
em pouco tempo, que ambiciosa olvida;
pois, da vaidade mal persuadida,
almeja duração, terra animada.

      Tomada de enganoso pensamento
e de esperança burladora e cega,
tropeçará no mesmo monumento.

      Como quem, divertido, o mar navega
e, sem mover-se, voa com o vento,
e antes que pense em acercar-se, chega.

 

 

PROSIGUE EN EL MISMO ESTADO DE SUS AFECTOS

 

    Amor me ocupa el seso y los sentidos;
absorto estoy en éxtasi amoroso;
no me concede tregua ni reposo
esta guerra civil de los nacidos.

      Explayóse el raudal de mis gemidos
por el grande distrito y doloroso
del corazón, en su penar dichoso,
y mis memorias anegó en olvidos.

      Todo soy ruinas, todo soy destrozos,
escándalo funesto a los amantes,
que fabrican de lástimas sus gozos.

      Los que han de ser, y los que fueron antes,
estudien su salud en mis sollozos,
y envidien mi dolor, si son constantes.

 

 

PROSSEGUE NO MESMO ESTADO DE SEUS AFETOS

 

    Amor me ocupa a mente e os sentidos;
absorto estou em êxtase amoroso;
não me concede trégua nem repouso
esta guerra civil dos nascidos.

      Alargou-se o riacho de meus gemidos
pelo distrito grande e doloroso
do coração, em seu penar ditoso,
e minha memória afogou em olvidos.

      Sou todo ruínas, sou todo destroços,
escândalo funesto para os amantes,
que fabricam de lástimas seus gozos.

    Os que serão, e os que foram antes,
avaliem sua saúde por meus soluços,
e chamem minha dor, se são constantes.


*

Traduções: Claudio Daniel


*

Francisco Gómez de Quevedo y Villegas, poeta barroco espanhol, nasceu em 1580 e faleceu em 1645. É considerado um dos maiores autores do Século de Ouro, ao lado de Góngora e Cervantes. Sua obra, em verso e prosa, é numerosa, e inclui romances picarescos, poemas líricos, religiosos, satíricos e composições de inspiração popular, além de ensaios políticos e morais. Ao contrário da solenidade e do afastamento do cotidiano que caracterizam muitos autores do período, mais voltados a temas espirituais e a formas inspiradas em moldes clássicos, Quevedo incorpora o humor, o erotismo e o retrato crítico de costumes e tipos sociais, influenciando a poesia satírica do brasileiro Gregório de Matos.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2005 ]