ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - home ]

 

 

FRANK O'HARA

POEM

Lana Turner has collapsed!
I was trotting alone and suddenly
it started raining and snowing
and you said it was hailing
but hailing hits you on the head
hard so it was snowing and
raining and it was such a hurry
to meet you but the traffic
was acting exactly like the sky
and suddenly I see a headline
LANA TURNER HAS COLLAPSED!
there is no snow in Hollywood
there is no rain in California
I have been to lots of parties
and acted perfectly disgraceful
but I never actually collapsed
oh Lana Turner we love get up 

 

POEMA

Lana Turner desmaiou!
eu andava por aí e então
começou a chover e nevar
e você disse que era granizo
mas granizo bate tão forte
na cabeça que, de resto, era neve e
chuva e eu estava tão doido
pra te encontrar mas o tráfego
agia exatamente como o céu
e aí eu vi uma manchete
LANA TURNER DESMAIOU!
não há neve alguma em Hollywood
não chove na Califórnia
tenho ido a muitas festas
e agido como um perfeito imbecil
mas é fato nunca desmaiei
ah Lana Turner nós te adoramos levanta

 

MY HEART

I'm not going to cry all the time
nor shall I laugh all the time,
I don't prefer one "strain" to another.
I'd have the immediacy of a bad movie,
not just a sleeper, but also the big,
overproduced first-run kind. I want to be
at least as alive as the vulgar. And if
some aficionado of my mess says "That's
not like Frank!", all to the good! I
don't wear brown and grey suits all the time,
do I? No. I wear workshirts to the opera,
often. I want my feet to be bare,
I want my face to be shaven, and my heart--
you can't plan on the heart, but
the better part of it, my poetry, is open.

 

MEU CORAÇÃO 

Eu não vou chorar o tempo todo
nem devo rir o tempo todo,
não prefiro um "cordel" ao outro.
Eu ficaria com o imediatismo de um mau filme,
não só um filme B, mas também o do tipo grande,
superproduzido, competitivo. Eu queria ser
ao menos tão vívido quanto o vulgar. E se
algum aficionado do meu troço disser "Aquilo
não parece Frank!", tanto melhor! Eu
não uso ternos marrons e cinzas o tempo todo,
uso? Não. Uso camisas de expediente na ópera,
com freqüência. Eu quero meu pé descalço,
meu rosto barbeado, e meu coração-
não se pode planejar no coração mas
a melhor parte dele, minha poesia, aberta. 

 

THE DAY LADY DIED

It is 12:20 in New York a Friday
three days after Bastille day, yes
it is 1959 and I go get a shoeshine
because I will get off the 4:19 in Easthampton
at 7:15 and then go straight to dinner
and I don't know the people who will feed me 

I walk up the muggy street beginning to sun
and have a hamburger and a malted and buy
an ugly NEW WORLD WRITING to see what the poets
in Ghana are doing these days
                              I go on to the bank
and Miss Stillwagon (first name Linda I once heard)
doesn't even look up my balance for once in her life
and in the GOLDEN GRIFFIN I get a little Verlaine
for Patsy with drawings by Bonnard although I do
think of Hesiod, trans. Richmond Lattimore or
Brendan Behan's new play or Le Balcon or Les Nègres
of Genet, but I don't, I stick with Verlaine
after practically going to sleep with quandariness 

and for Mike I just stroll into the PARK LANE
Liquor Store and ask for a bottle of Strega and
then I go back where I came from to 6th Avenue
and the tobacconist in the Ziegfeld Theatre and
casually ask for a carton of Gauloises and a carton
of Picayunes, and a NEW YORK POST with her face on it 

and I am sweating a lot by now and thinking of
leaning on the john door in the 5 SPOT
while she whispered a song along the keyboard
to Mal Waldron and everyone and I stopped breathing

 

O DIA EM QUE A DAMA MORREU  

É 12:20 em Nova York, uma sexta
três dias depois da queda da Bastilha, sim
é 1959 e ando atrás de um engraxate
porque vou desembarcar do 4:19 em Easthampton
às 7:15 e então vou logo jantar
e não conheço as pessoas que vão me dar de comer 

Caminho pela rua mormacenta abrindo-se ao sol
Peço um hambúguer e um maltado e compro
um horrendo NEW WORLD WRITING  para ver o que
poetas em Ghana estão fazendo esses dias
                                                 e vou ao banco
e a Senhora Stillwagon (primeiro nome Linda, ouvi uma vez)
sequer confere meu saldo pela primeira vez na vida
e no GOLDEN GRIFFIN consigo um Verlaine fino
para Patsy com desenhos de Bonnard, embora tenha
pensado em Hesíodo, trad. Richmond Lattimore, ou
a nova peça de Brendan Behan, ou Le Balcon ou Lê Négres
de Genet, nada disso, insisto no Verlaine
depois de praticamente adormecer de dúvida 

e para Mike só avanço pela loja de destilados da
PARK LANE e peço uma garrafa de Strega e
logo retorno de onde eu viera, 6ª Avenida
para a tabacaria do Teatro Ziegfeld e
distraído peço um maço de Gauloises e um maço
de Picauyunes e um NEW YORK POST com o rosto dela  

e estou suando em bicas agora e pensando em
recostar-me ao pórtico do 5 SPOT
enquanto ela sussurrava uma canção ante o piano
para Mal Waldron e todo mundo e eu parávamos de respirar 

 

CALL ME

The eager note on my door said "Call me,"
call when you get in!" so I quickly threw
a few tangerines into my overnight bag,
straightened my eyelids and shoulders, and

headed straight for the door. It was autumn
by the time I got around the corner, oh all
unwilling to be either pertinent or bemused, but
the leaves were brighter than grass on the sidewalk!

Funny, I thought, that the lights are on this late
and the hall door open; still up at this hour, a
champion jai-alai player like himself? Oh fie!
for shame! What a host, so zealous! And he was

there in the hall, flat on a sheet of blood that
ran down the stairs. I did appreciate it. There are few
hosts who so thoroughly prepare to greet a guest
only casually invited, and that several months ago.

 

ME LIGA

A ansiosa nota na minha porta dizia "Me liga,
liga assim que chegar", então joguei depressa
umas tangerinas na minha insone mochila,
franzi as pálpebras, os ombros, e 

dirigi-me direto à porta. Era por volta do
outono quando cheguei à esquina, ah tudo
revogado de ser ou paciente ou confuso, mas
as folhas eram mais vivas que a grama na calçada! 

gozado, pensei, que as luzes estejam acesas tão tarde
e a porta da sala aberta; até esta hora, um campeão
de jai-alai como ele próprio? Que coisa!
que vergonha! Que zeloso anfitrião! E ele estava 

lá, na sala, estirado num lençol de sangue que
fluia escada abaixo. Eu bem que apreciei. Há poucos
anfitriões que tão radicalmente preparam-se para receber
uma visita, convidada meio ao acaso, muitos meses atrás.

 

SONG OF LOTTA

You're not really sick
if you're not sick with love
there is no medicine 

the busy grass can grow
again but love's a witch
that poisons the earth 

you're not really sick
if you think of love as
a summer's vacation 

I'm going to die unless
my love soon chases
the clouds away 

and the azure smiles
and browns my strong
belief that love is.

 

CANÇÃO PARA LOTTA 

Você não está mesmo doente
se não está doente de amor
não há remédio 

o afobado capim pode crescer
de novo mas amor é bruxaria
que corrompe a terra 

você não está mesmo doente
se pensa no amor
como férias de verão 

eu vou morrer salvo
se meu amor não espantar logo
as nuvens pra longe 

e o azul-celeste sorrir
e acastanhar minha forte
fé que o amor é.

 

LES LUTHS 

Ah nuts! it's boring reading French newspapers
in New York as if I were a Colonial waiting for my gin
somewhere beyond this roof a jet is making a sketch of the sky
where is Gary Snyder I wonder if he's reading under a dwarf pine
stretched out so his book and his head fit under the lowest branch
while the sun of the Orient rolls calmly not getting through to him
not caring particularly because the light in Japan respects poets 

while in Paris Monsieur Martroy and his brother Jean the poet
are reading a piece by Matthieu Galey and preparing to send a pneu
everybody here is running around after dull pleasantries and
wondering if The Hotel Wently Poems is as great as I say it is
and I am feeling particularly testy at being separated from
the one I love by most dreary of practical exigencies  money
when I want only to lean on my elbow and stare into space feeling
the one warm beautiful thing in the world breathing upon my right rib 

what are lutes they make ugly twangs and rest on knees in cafés
I want to her only your light voice running on about Florida
as we pass the changing traffic light and buy grapes for wherever
we will end up praising the mattressless sleigh-bed and the
Mexican egg and the clock that will not make me know
       how to leave you

 

LES LUTHS 

Ora bolas! é maçante ler jornais franceses
em Nova York como se eu fosse um colono a espera do meu gim
algures acima deste teto um jato faz esboços no céu
onde está Gary Snyder  imagino se ele segue lendo sob um pinho anão
frondoso assim que o livro e a cabeça dele encaixam no galho mais baixo
enquanto o sol do oriente gira calmo sem filtrar-se até ele
despreocupado porque a luz no Japão respeita os poetas

enquanto em Paris Monsieur Martroy e seu irmão Jean o poeta
seguem lendo rimas de Matthieu Galey e preparando o envio de um bacilo
todos por aqui correm atrás de brinquedos estúpidos e
especulam se Os Poemas do Hotel Wently é tão bom quanto eu digo que é
e me sinto particularmente à prova por estar distante
daquele que amo pela mais lúgubre das exigências práticas  dinheiro
quando só quero equilibrar-me no cotovelo e fixar o vazio a sentir
a coisa morna e mais bonita do mundo exalando em minha costela direita 

os alaúdes produzem zunidos feios e ficam de joelhos nos cafés
quero para ela só tua bela voz discorrendo sobre a Flórida
no que cruzamos o semáforo que comuta e compramos uvas pois como seja
acabaremos louvando a desacolchoada cama-trenó e o
ovo mexicano e o relógio que não me vai permitir saber
       como lhe deixar 

 

Nota - "Mexican egg" - traduzido por "ovo mexicano" [penúltima linha do poema] -  é uma receita apreciada nos Estados unidos à base de ovos, pimenta, tomate, queixo cheddar, cebolinha verde e salsa. 

 

MADRID 

Spain! Much more beautiful than Egypt!
better than France and Livorno! Or Théophile Gautier!
nothing but rummies in Nice
                                           and junkies in Tunis
but everything convulses under the silver tent of Spain
the dark
             the dry
                        the shark-bite-sand-colored mouth
of Europe, the raped and swarthy goddess of speed! O Spain
to be in your arms again
                                    and the dung-bight olives
bluely smiling at the quivering angulas
                                                         smudged
                                                against the wall of mind
 

where the silver turns
against the railroad tracks
                                       and breathe goes down
and down and down
                              into the cool moonlight
where the hotel rooms is on wheels
and there all buttocks are black and blue
                                                              dun
is the color of the streets and the sacks of beer
where dopes lead horses with a knight each 

                 do you care if the rotunda is sparrowy
caught behind the arras of distaste and sorrow
                                                                      did you
                                        wait, wait very long
                                        or was it simply dark and you standing there 
       I saw the end of a very long tale
       Being delivered in the Rastro on Sunday morning
       And you were crying, and I was crying right away too 

The Retiro confided in us
all those betrayals
                            we never meant but has to do, the leaves
                 the foolish boats like High School
                                                   before the Alhamabra
                                           before the echo of your voice
I have done other things but never against you 

                now I am going home
                I am watering the park for La Violetera
                I am cherishing the black and white of your love

 

MADRI  

Espanha! Muito mais bela do que o Egito!
melhor do que a França e a Alsácia e Livorno! ou Théophile Gautier!
nada além de bebuns em Nice
                                           e vagabundos em Túnis
mas tudo convulsiona sob a prateada tenda da Espanha
a escura
            a seca
                     a boca cor-de-areia-mordida-de-cação
da Europa, a violentada e morena deusa da velocidade! ah Espanha
estar de novo em teus braços
                                         e as estrume-claro oliveiras
azulando sorrisos diante das trêmulas enguias
                                                                mancha
                                                      sobre o muro da mente 

onde a prata recai
sobre os caminhos de ferro
                                       e o fôlego desce
e desce e desce
                       para o frio luar
onde os quartos de hotel vão sobre rodas
e as bundas aí são todas pretas e azuis
                                                       parda
é a cor das ruas e o xerez
onde éteres conduzem potros com cavaleiros em cada 

                 você se importa se a rotunda é aspargamente
colhida sob o arrás do dissabor e da mágoa
                                                             se importa
                              espere, espere bastante
                              ou estava só escuro e você lá, de pé 

                     eu vi o final de uma história bem comprida
                     sendo contada no Rastro na  manhã do domingo
                     e você chorava, e eu chorava junto 

o Retiro confiava-nos
todas aquelas traições
                               que nunca planejamos, mas tínhamos que, as folhas
                         os barcos estúpidos como a Escola Secundária
                                             diante da Alhambra
                                     diante do eco de tua voz
tenho feito umas outras coisas mas nunca contra ti 

                      agora vou para casa
                      estou aguando o parque para a Violetera
                      nutrindo o preto e o branco de teu amor 

 

A STEP AWAY FROM THEM

It's my lunch hour, so I go
for a walk among the hum-colored
cabs. First down the sidewalk
where laborers feed their dirty
glistening torsos sandwiches
and Coca-Cola, with yellow helmets
on. They protect them from falling
bricks, I guess. Then onto the
avenue where skirts are flipping
above heels and blow up over
grates. The sun is hot, but the
cabs stir up the air. I look
at bargains in wristwatches. There
are cats playing in the sawdust.
                                            On
to Times Square, where the sign
blows smoke over my head, and higher
the waterfall pours lightly. A
Negro stands in a doorway with a
toothpick, languorously agitating.
A blonde chorus girl clicks: he
smiles and rubs his chin. Everything
suddenly honks : it is 12:40 of
a Thursday.
Neon in daylight is a
great pleasure, as Edwin Denby would
write, as are light bulbs in daylight.
I stop for a cheeseburger at JULIET'S
CORNER. Giulietta Masina, wife of
Federico Fellini, è bell' attrice.
And chocolate malted. A lady in
foxes on such a day puts her poodle
in a cab.
There are several Puerto
Ricans on the avenue today, which
makes it beautiful and warm. First
Bunny died, then John Latouche,
then Jackson Pollock. But is the
earth as full as life was full, of them?
And one has eaten and one walks,
past the magazines with nudes
and the posters for BULLFIGHT and
the Manhattan Storage Warehouse,
which they'll soon tear down. I
used to think they had the Armory
Show there.
A glass of papaya juice
and back to work. My heart is in my
pocket, it is Poems by Pierre Reverdy.  

 

UM PASSO PARA LONGE DELES 

É minha hora de almoço, e eu vou
dar uma volta entre os táxis de cores
berrantes. Primeiro rua abaixo
onde os operários nutrem seus torsos
imundos cintilantes de sanduíches
e Coca-Cola, os capacetes flavos
protegendo-os de tijolos
cadentes, penso. Então pela
avenida onde saias esvoaçam
por cima de saltos e estufam-se sobre
grelhas. O sol é forte, mas os
táxis avivam o ar. Confiro
ofertas de relógios de pulso. Há
gatos brincando na serragem.
                                            Para
Times Square, onde o letreiro
deita poeira em meu cabelo, e acima
a cascata verte de leve. Um
negro de pé num portal
palita os dentes, languidamente.
Uma corista loura pisca: ele
sorri e esfrega o queixo. De repente
tudo buzina: é 12:40 de
uma quinta.
                      Neon à luz do dia é um
grato prazer, como Edwin Denby
escreveria, como são lâmpadas à luz do dia.
Paro para um cheeseburguer no JULIET'S
CORNER. Giullieta Masina, mulher de
Frederico Fellini, é bell'atrice.
E chocolate maltado. Uma dama de
peliça num dia assim põe seu poodle
Num táxi.
                      Há muitos porto-
riquenhos na avenida hoje, o que a
torna bela e animada. Primeiro
Bunny morreu, e aí John Latouche,
e aí Jackson Pollock. Mas a terra
segue cheia como a vida estava cheia, deles?
E alguém come e passeia,
ao lado dos nus nas revistas
e dos cartazes de TOURADA e
da Companhia de Estocagem de Manhattan,
que breve serão rasgados. Me soe
pensar que eles tinham o Armory
Show ali.
                      Um copo de suco de mamão
e de volta ao batente. Meu coração segue no
bolso, é o Poems de Pierre Reverdy. 

 
*

Traduções: Ruy Vasconcelos

*

Frank O'Hara (1926-1966), poeta norte-americano. Embora tenha se graduado em música, seus estudos centraram-se em filosofia e teologia, aproveitando as horas vagas para escrever e ler compulsivamente. Foi funcionário do Museu de Arte Moderna de Nova York e colaborou com críticas de arte para vários periódicos importantes, notadamente Art News. Pertenceu ao grupo de poetas, que, posteriormente recebeu a tarja de Escola de Nova York (John Ashbery, Ted Berrigan, Kenneth Koch, Frank O'Hara, Bernadette Mayer, Alice Notley, Barbara Guest, Kenward Elmslie, Ron Padgett, James Schuyler). O estilo de seus poemas, apressadamente rotulado de "faço isso, faço aquilo" - que, de resto, produziu uma legião de imitadores -, combina certa coloquialidade na linha de Whitman com a poesia surrealista francesa e uma indizível capacidade de imprimir "pathos" a acontecimentos banais. Seus livros mais conhecidos são Meditations in an emergency (1957), 12 Pastorals (1962),  Second avenue (1960) e, sobretudo, Lunch poems (1964); houve muitos lançamentos póstumos, inclusive seus Collected poems, editados pelo importante antologista Donald Allen, em 1995.

*

 

retornar <<<

[REVISTA ZUNÁI- ANO III - Edição XII - MAIO 2007 ]