ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - home ]

 

 

HENRI MICHAUX

 

Labyrinthe, la vie, labyrinthe, la mort
Labyrinthe sans fin, dit le Maître de Ho.

Tout enfonce, rien ne libère.
Le suicide renaît à une nouvelle souffrance.

La prison ouvre sur une prison
Le couloir ouvre un autre couloir:

Celui qui croit  dérouler le rouleau de sa vie
No déroule rien du tout.

Rien ne débouche nulle part
Les siècles aussi vivent sous terre, dit le Maître de Ho.

 

Labirinto, a vida, labirinto, a morte
Labirinto sem fim, diz o Mestre de Ho.

Tudo afunda, nada libera
O suicida renasce para um novo sofrimento.

A prisão termina em uma prisão
O corredor termina em outro corredor:

Aquele que crê desenrolar o rolo de sua vida
Não desenrola nada em absoluto.

Nada desemboca em nenhuma parte
Os séculos vivem também sob a terra, diz o Mestre de Ho.



MA VIE

Tu t´en vas sans moi, ma vie.
Tu roules,
Et moi j´attends encore de faire un pas.
Tu portes ailleurs la bataille.
Tu me déserts ainsi.
Je ne t´ai jamais suivie.
Je ne vois pas clair dans tes offres.
Le petit peu que je veux, jamais tu ne l´apportes.
A cause de ce manque, j´a aspire à tant.
À tant de choses, à presque l´infini...
À cause de ce peu qui manque, que jamais tu n´apportes.

 

MINHA VIDA

Tu partes sem mim, minha vida.
Tu rodas,
E eu ainda espero dar um passo.
Tu levas a batalha para além.
Tu me abandonas assim.
Eu nunca te segui.
Não vejo claramente tuas ofertas.
O mínimo que desejo, tu jamais trazes.
Por esta falta, anseio a tanto.
A tanta coisa, quase ao infinito...
Por causa deste pouco que falta, que tu jamais trazes.


*

J´étais un foetus.
Ma mère me réveillat quand il lui arrivait de penser à M. de Riez.
En même temps, parfois se trouvaient éveillés d´autres foetus, soit de
mères battues ou qui buvaient de l´alcool ou occupées au confessional.
Nous étions ainsi, un soir, soixante-dix foetus qui causions de ventre à
ventre,  je ne sais trop par quel mode, et à distance.
Plus tard nous ne sommes jamais retrouvés.
J´étais une parole qui tentait d´avancer à la vitesse de la pensée.
Les camarades de la pensée assistaient.
Pas une ne voulut sur moi tenir le moindre pari, et elles étaient bien là
six cent mille qui me regardaient en riant.

 

Eu era um feto.
Minha mãe me despertava quando chegava a pensar no Senhor de Riez.
Ao mesmo tempo, às vezes outros fetos acordavam, filhos de
mães espancadas ou que bebiam álcool ou ocupadas no confessionário.
Uma noite, éramos em torno de setenta fetos que conversavam de ventre a ventre, e à distância, não sei muito bem de que maneira.
Nunca mais voltamos a nos encontrar.
Eu era uma palavra que tentava avançar à velocidade do pensamento.
As companheiras do pensamento assistiam.
Nenhuma quis fazer a menor aposta em mim, e elas eram mais
de seiscentas mil, que me observavam, rindo.

 

LE JOUR,  LES JOURS, LA FIN DES JOURS


Sans qu´il parlent, lapidé pour leurs pensées

Encore un jour de moindre niveau. Gestes san ombres
À quel siècle faut-il se pencher pour´s apercevoir?

Fougères, fougères, on dirait des soupirs, partout, des soupirs
Le vent éparpille les feuilles détachées

Force des brancards, il y a dix huit cent mille ans on naissait
déjà pour pourrir, pour périr, pour souffrir

Ce jour, on en déjà eu de pareils
quantité de pareils
jour ou le vent´s engouffre
jour aux pensées insoutenables

Je vois les hommes immobiles
couchés dans des chalands

Partir.
De toute façon partir.

Le long couteau du flot de l´eau arrêtera la parole.

 

 

O DIA, OS DIAS, O FIM DOS DIAS


Sem que eles falem, lapidado por seus pensamentos

Mais um dia de menor nível. Gestos sem sombras
A qual século é preciso se inclinar para perceber?

Samambaias, samambaias, diríamos suspiros, por toda parte, suspiros
O vento espalha as folhas soltas

Força das macas, há cento e oitenta mil anos já se nascia
para apodrecer, para perecer, para sofrer

Este dia, quando éramos semelhantes
quantidade de semelhantes
dia em que o vento se traga
dia de pensamentos insustentáveis

Vejo os homens imóveis
deitados nas canoas

Partir.
De qualquer maneira, partir.

A longa lâmina do fluxo d´água deterá a palavra.

*

Le temps plus propice pour naître
n´était pas
n´est pas aujourd´hui

La Tour de la Mort s´élève
se voit déjà de partout
n´aura pas sa pareille

En un cercle, un cercle immensément large
des cycles s´achèvent
Des victimes sans tarder, seront là, présents.
Simultanéité toujours si remarquable
des sacrifiés et des armés.

 

O tempo mais propício para nascer
não era
não é hoje

A Torre da Morte se ergue
já se vê de todos os lugares
não haverá semelhante

Em um círculo, um círculo imensamente amplo
os ciclos acabam
As vítimas estarão lá, sem tardar, presentes.
Simultaneidade sempre tão notável
dos sacrificados e dos armados.


*

Tradução: Daniela Osvald Ramos

*

Henri Michaux nasceu em 24 de maio de 1899, em Namur, Bélgica, e morreu em 1984, com 85 anos, em Paris. Poeta, pintor e viajante, trabalhou também durante a época do Surrealismo, embora esta informação sirva somente para situar sua produção. Michaux  evitou ser rotulado de surrealista ou de qualquer outra coisa. Com uma obra extensa, tanto na poesia quanto nas artes plásticas, seu relato de maior sucesso como viajante foi "Um bárbaro na Ásia" (*), uma espécie de diário de andanças pelo continente. Também fez experiências com a alteração da consciência, como desenhos e poemas sob e sobre a influência de drogas alucinógenas, em especial a mescalina. Este não foi seu principal mote, mas é um dos dados mais divulgados sobre a vida do poeta. "Escrita livre", "temperamento particular", consciente da solidão intrínseca da condição humana e por vezes irônico e sarcástico; apesar destes índices, a melhor maneira de entrar em contato com Michaux, claro, é lendo-o, mas não só: viver o instante da leitura, o momento, que nunca é preso por palavras. Afinal, segundo ele, as palavras chegam "mais tarde, sempre mais tarde".



Nota da tradutora: As versões dos poemas em português foram elaboradas a partir da edição argentina "Antología poética, 1927-1986", edição bilíngüe da Adriana Hidalgo editora, com seleção e tradução de Silvio Mattoni, para o espanhol. Em Le jour, les jours, la fin des jours respeitei a métrica do francês. Agradeço imensamente os comentários e sugestões de Virna Teixeira e Annita Costa Malufe.



(*): Uma das raras, senão única obra do autor, editada no Brasil pela Nova Alexandria.

*

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2005 ]