ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

HUGO WILLIANS

 

THE COUPLE UPSTAIRS

Shoes instead of slippers down the stairs,
She ran out with her clothes 

And the front door banged and I saw her
Walking crookedly, like naked, to a car. 

She was not always with him up there,
And yet they seemed inviolate, like us,
Our loves in sympathy. Her going 

Thrills and frightens us. We come awake
And talk excitedly about ourselves, like guests. 

 

O CASAL DE CIMA

Sapatos ao invés de chinelos escada abaixo,
Ela apressa-se com suas coisas 

E a porta da rua bate e a vejo
Caminhar curva, como se nua, para o carro. 

Nem sempre estava com ele lá em cima,
E, de resto, pareciam invioláveis, como nós,
Nossos amores cortejando-se. Sua partida 

Nos intriga e assusta. Acordamos
A falar excitados sobre nós, como hóspedes. 

 

THE BUTCHER 

The butcher carves veal for two.
The cloudy, frail slices fall over his knife. 

His face is hurt by the parting sinews
And he looks up with relief, laying it on the scales. 

He is a rosy young man with eyelashes
Like a bullock. He always serves me now. 

I think he knows about my life. How we prefer
To eat in when is cold. How someone  

With a foreign accent can only cook veal.
He writes the price on the grease-proof packet 

And hands it to me courteously. His smile
Is the official seal of my marriage. 

 

O AÇOUGUEIRO 

O açougueiro trincha vitelo para dois.
As turvas fatias finas caem sob o cutelo. 

Seu rosto crispa-se ante os tendões partidos
E ele soergue a vista aliviado, deitando-os à balança. 

Trata-se de um jovem corado com cílios
Feito um novilho. Sempre me serve prontamente. 

Acho que sabe de minha vida. De como preferimos
Comer dentro quando está frio. De como alguém 

Com um sotaque estrangeiro costumar preparar vitelo.
Ele anota o preço na embalagem à prova de banha 

E me repassa gentilmente. Seu sorriso
É o selo oficial de meu casamento.

 

HOLIDAYS 

We spread our things in the sand
In front of the hotel
And sit for hours on end
Like merchants under parasols
Our thoughts following the steamers
In convoy across the bay
While far away
Our holidays look back at us in surprise
From fishing boats and fairs
Or wherever they were going then
In their seaweed headresses.

 

FÉRIAS 

Espalhamos nossas coisas na areia
Diante do hotel
E sentamos por horas a fio
Como mercadores sob guarda-sóis
Nossas conjeturas seguindo os vapores
Em comboio pela baía
Enquanto à distância
Nossas férias nos entreviam surpresas
Em barcos de pesca e feiras
Ou de onde quer que estivessem indo
Com seus véus de alga-marinha.

 

TIDES

The evening advances, then withdraws again

Leaving our cups and books like islands on the floor.
We are all drifting, you and I,
As far form one another as the young heroes
Of these two novels we have just laid down.
For that is happiness: to wander alone
Surrounded by the same moon, whose tides reminds of ourselves,
Our distances, and what we leave behind.
The lamp left on, the curtains letting in the light.
These things were promises. No doubt we will come back to them.

 

MARÉS 

A noite avança, depois retrocede novamente
Deixando nossos copos e livros como ilhas no piso.
Estamos todos à deriva, você e eu,
Tão distantes um do outro como os jovens heróis
Destes dois romances que deixamos de lado.
Pois isso é felicidade: errar sozinhos
Cercados por uma lua comum, cujas marés faz recordar-nos,
Nossa distância, e o que deixamos para trás.
A lâmpada acesa, as cortinas abrindo-se à luz.
Essas coisas eram promessas. Sem dúvida voltaremos a elas.

 

SATURDAY MORNING 

Everyone who made love the night before
was walking around with flashing red lights
on top of their heads—a white-haired old gentlemen,
a red-faced schoolboy, a pregnant woman
who smiled at me from across the street
and gave a little secret shrug,
as if the flashing red light on her head
was a small price to pay for what she knew.

 

SÁBADO DE MANHà

Todos que fizeram amor na véspera
saíram caminhando com luz vermelha acesa
à altura da testa-um senhor de cabelos grisalhos,
um corado estudante, a mulher grávida
que sorriu para mim do lado de lá da rua
e deu um leve meneio de ombros,
como se a luz vermelha acesa em sua testa
fosse café pequeno para pagar o que sabia.


*

Traduções: Ruy Vasconcelos

*

Hugo Williams (1942), poeta e escritor de travelogues [relatos de viagem] inglês. Educou-se em Eton e, posteriormente, Oxford, de onde data seu contato com o poeta e crítico Ian Hamilton (não confundir com o escocês Ian Hamilton Finlay). Sua poesia minimalista, confessional e direta - marcada por certo gesto talvez advindo de uma família tradicionalmente ligada ao teatro - tem recebido recorrentes prêmios e homenagens. Obras principais: Symptoms of loss (1966), Some sweet day (1975), Writing home (1989), Billy's rain (1999) e Collected poems (2000).

*

 

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[REVISTA ZUNÁI- ANO III - Edição XII - MAIO 2007 ]