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JORGE LUIS
BORGES
NUBES (I)
No habrá una sola cosa que no sea
una nube. Lo son las catedrales
de vasta piedra y bíblicos cristales
que el tiempo allanará. Lo es
la Odisea,
que cambia como el mar. Algo hay distinto
cada vez que la abrimos. El reflejo
de tu cara ya es otro en el espejo
y el día es un dudoso laberinto.
Somos los que se van. La numerosa
nube que se deshace en el poniente
es nuestra imagen. Incesantemente
la rosa se convierte en otra rosa.
Eres nube, eres mar, eres olvido.
Eres también aquello que has perdido.
NUVENS (I)
Não há uma só coisa que não seja
nuvem. Assim são essas catedrais
de vasta pedra e bíblicos cristais
que o tempo alisa. A Odisséia, veja,
muda como o mar; há algo distinto
a cada vez que a abrimos. Seu velho
rosto já é outro, visto no espelho,
e o dia é um duvidoso labirinto.
Somos os que se vão. A volumosa
nuvem que se desmancha no poente
é a nossa imagem. Incessantemente
a rosa se converte em outra rosa.
Você é nuvem, mar, esquecimento.
E é o que perdeu a cada momento.
NUBES (II)
Por el aire andan plácidas montañas
o cordilleras trágicas de sombra
que oscurecen el día. Se las nombra
nubes. Las formas suelen ser extrañas.
Shakespeare observó una. Parecía
un dragón.
Esa nube de una tarde
en su palabra resplandece y arde
y la seguimos viendo todavía.
Qué son las nubes? Una arquitetura
del azar? Quizá Dios las necesita
para la ejecución de Su infinita
obra y son hilos de la trama oscura.
Quizá la nube sea no menos vana
que el hombre que la mira en mañana.
NUVENS (II)
Pelo ar andam plácidas montanhas
ou trágicas cordilheiras sombreadas
que escurecem o dia. São chamadas
nuvens. As formas podem ser estranhas.
Shakespeare notou uma. Parecia
um dragão. Essa nuvem de uma tarde
em sua palavra resplandece e arde
e ainda a vemos em um novo dia.
Que são as nuvens? Uma arquitetura
do acaso? Deus, talvez, as necessita
para a execução de Sua infinita
obra e são fios de uma trama obscura.
Quiçá a nuvem não seja menos vã
que o homem que a contempla na manhã.
(De Los conjurados)
LA LLUVIA
Bruscamente la tarde se ha aclarado
Porque ya cae la lluvia minuciosa.
Cae o cayó. La lluvia es una cosa
Que sin duda sucede en el pasado.
Quien la oye caer ha recobrado
El tiempo en que la suerte venturosa
Le reveló uma flor llamada rosa
Y el curioso color del colorado.
Esta lluvia que ciega los cristales
Alegrará en perdidos arrabales
Las negras uvas de una parra en cierto
Patio que ya no existe. La mojada
Tarde me trae la voz, la voz deseada,
De mi padre que vuelve y que no ha muerto.
A CHUVA
A tarde subitamente clareou
Porque já cai a chuva minuciosa.
Ou caiu. A chuva é coisa curiosa
Que acontece no tempo que passou.
Quem a ouve cair já recobrou
O tempo em que a fortuna venturosa
Revelou-lhe uma flor chamada rosa
E a encarnada cor com que se corou.
Que esta chuva que já cega a
vidraça
Em afastados arrabaldes faça
Feliz a vide que há muito cresceu
Num pátio que já não há. A
chuvosa
Tarde traz-me a voz, querida voz: a
Do meu pai que volta e que não morreu.
ARTE POÉTICA
Mirar el río hecho de tiempo y agua
Y recordar que el tiempo es otro río,
Saber que nos perdemos como el río
Y que los rostros pasan como el agua.
Sentir que la vigilia es otro sueño
Que sueña no soñar y que la muerte
Que teme nuestra carne es esa muerte
De cada noche, que se llama sueño.
Ver en el día o en el año un símbolo
De los días del hombre y de sus años,
Convertir el ultraje de los años
En una música, un rumor y un símbolo.
Ver en la muerte el sueño, en el ocaso
Un triste oro, tal es la poesia
Que es inmortal y pobre. La poesia
Vuelve como la aurora y el ocaso.
A veces en las tardes una cara
Nos mira desde el fondo de un espejo;
El arte debe ser como ese espejo
Que nos revela nuestra propia cara.
Cuentam que Ulises, harto de prodigios,
Lloró de amor al divisar su Itaca
Verde y humilde. El arte es esa Itaca
De verde eternidad, no de prodigios.
También es como el río interminable
Que pasa y queda y es cristal de un mismo
Heráclito inconstante, que es el mismo
Y es otro, como el río interminable.
ARTE POÉTICA
Olhar o rio feito de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E nossas faces passam como a água.
Perceber que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar, e que essa morte
Que a nossa carne teme é a mesma morte
De toda noite, que é sono, que é sonho.
Vislumbrar num dia ou num ano um símbolo
dos dias dos homens e de seus anos,
E converter o ultraje desses anos
Em uma música, um rumor e um símbolo.
Ver na morte o sonho, entrever no ocaso
Um triste ouro, sendo assim a poesia
Que é imortal e pobre. Pois a poesia
Volta sempre, tal como a aurora e o ocaso.
Às vezes durante as tardes um rosto
Nos olha do mais fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nosso próprio rosto.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao divisar sua Ítaca
Tão verde e humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade, sem prodígios.
Também é como o rio interminável,
Que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.
(De El hacedor)
Traduções:
Marcelo Tápia
*
Jorge Luís Borges
(1899-1986), poeta e ficcionista argentino, considerado um
dos maiores escritores do século XX na América Latina.
Fundou, em 1924, a revista literária Martin Fierro, e
colaborou em La Prensa e na revista Sur.
Opositor da ditadura de Perón, foi obrigado a demitir-se do
cargo que ocupava na Biblioteca de Buenos Aires. Ligado
inicialmente ao grupo de vanguarda artística ultraísta,
voltou-se posteriormente à poesia de inspiração clássica. É
conhecido especialmente por seus contos fantásticos e
ensaios sobre temas ligados à Cabala, à Divina Comédia,
à poesia medieval e ao Oriente, onde comparecem os temas de
sua predileção, como os espelhos, os tigres, o tempo cíclico
e os labirintos. Publicou, entre outros títulos, Fervor
de Buenos Aires (1923), História Universal da Infâmia
(1935), História da Eternidade (1936),
Ficções (1944) e O Aleph (1945).