ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - home ]

 

 

JOSÉ KOZER

 


LOS RASGOS Y LA SOMBRA

LOS RASGOS Y LA SOMBRA de la mujer milenararia de
Cheng Ho acusan tanto la reserva como el
desaliento mismo de la paciencia.
Todas las tardes regresa de la inspección y al llegar al
puente de bambú que la separa del caserío donde
rige en nombre de su marido el almirante Ho
la vieja princesa Ming no se atrevería a apoyar la
imaginación hace años exenta de palabras.
Incluso en 1307 amó al primer arzobispo Juan de
Monte Corvino huraño y animoso bajo la posición
del sauce y las estrellas cuando los tibetanos sin
límites al cielo se amurallaban al pie de las estatuas
de la soberbia asiática.
Incluso su marido de saberlo callaría: mutuo es el
respeto cual acequias paralelas
que vivifican por una parte frutas del mes de agosto
y al otro lado de aquel camino sin orlas ni despido
un horizonte al mar
para Cheng Ho recaudar las tributaciones que no son
pañuelos.
Fueron demasiados años para ella cuesta arriba,
doctrinaria.
Demasiados años la piedad y la obediencia para
Cheng Ho, el almirante eunuco, conquistador del
Océano Índico, de Ceilán y Sumatra.


OS TRAÇOS E A SOMBRA

OS TRAÇOS E A SOMBRA da mulher milenar de
Cheng Ho acusam tanto a reserva como o
desalento mesmo da paciência.
Todas as tardes regressa da inspeção e ao chegar à
ponte de bambu que a separa do casario onde
rege em nome de seu marido o almirante Ho
a velha princesa Ming não se atreveria a apoiar a
imaginação há anos isenta de palavras.
Inclusive em 1307 amou ao primeiro arcebispo Juan de
Monte Corvino esquivo e valoroso sob a posição
do salgueiro e as estrelas quando os tibetanos sem
limites ao céu se amuralhavam ao pé das estátuas
da soberba asiática.
Inclusive seu marido sabendo calaria: mútuo é o
respeito qual acéquias paralelas
que vivificam por uma parte frutas do mês de agosto
e ao outro lado daquele caminho sem orlas nem despido
um horizonte ao mar
para Cheng Ho arrecadar os tributos que não são
lencinhos.
Foram excessivos anos para ela costa acima,
doutrinária.
Excessivos anos a piedade e a obediência para
Cheng Ho, o almirante eunuco, conquistador do
Oceano Índico, do Ceilão e de Sumatra.


EM SU PEQUEÑA DESVERGUENZA

EN SU PEQUEÑA DESVERGUENZA borda cuatro letras
azules y rememora.
La penumbra de la habitación se presta al menudo
apogeo de los ruiseñores capaces de dislocar la
mañana.
Sobre el mantel el alba confunde la llama del
quinqué,
los gorriones dejan sobre la nieve la insistente
repetición de un ideograma.
Y el alba la seduce a despertar orientando el fragor
de una tetera,
las quietas porcelanas de un agua de jazmín,
la intensa caligrafía rumorosa de unos pasos.
Cuando entre su madre apoyada en un bambú
los sampanes habrán navegado hacia las
desembocaduras de una sombra.
Guiada por el río pasará una doble bandada de
azulejos girando
cuando entre su madre a regañarla en el insomnio.
Sobre la chimenea los objetos simularán una última
vivacidad indeterminada
cuando la muchacha busca su dedal revolviendo entre
los hilos de su costurero.


EM SUA PEQUENA SEM-VERGONHICE


EM SUA PEQUENA SEM-VERGONHICE borda quatro letras
azuis e relembra.
A penumbra da habitação se presta ao mínimo
apogeu dos rouxinóis capazes de deslocar a
manhã.
Sobre a toalha a alba confunde a chama da
lâmpada,
os pardais deixam sobre a neve a insistente
repetição de um ideograma.
E a alba a seduz ao despertar orientando o fragor
de uma chaleira,
as quietas porcelanas de uma água de jasmim,
a intensa caligrafia rumorosa de alguns passos.
Quando sua mãe entrar apoiada em um bambu
as sampanas3 terão navegado até as
desembocaduras de uma sombra.
Guiado pelo rio passará um duplo bando de
azulões4 girando
quando sua mãe entrar a repreendê-la na insônia.
Sobre a chaminé os objetos simularão uma última
vivacidade indeterminada
enquanto a mocinha procura seu dedal revolvendo entre
os fios de sua costura.


JACOB BOHME

Éste es el único caso del hombre que encontró a Dios.

Era pelirrojo, vendía nomenclaturas, pasaba el día
leyendo: de mal dormir, dormía de color blanco;
no cabe duda de que alrededor de aquella
blancura, sentía miedo: el negro de la noche más
cerrada perdería con la comparación: y no cabe
duda de que titubeó al principio de llamar Dios a la
blancura, ¿todo era um centro? Peldaño a peldaño
recorrió lo incomprensible a mayor oscuridad,
mayor clarividencia: los ojos, a todo se
acostumbran.

No es necesario contar lo que encontró: cálculos y
descripciones fallan a ojos vistas buen cubero no
necesita manos ni romanas, de pronto supo quién
qué cómo dónde era (estaba) Dios.

Fue un zapatero de mal vivir, tempranero y astroso,
frugal: su única pedigüeñería era la avaricia de
Dios, abolición propia: lezna y agujero o zapatazos
y vigilias rebasarían aquella desproporcionada
necesidad, encontró el Camino: todo llega. Todos
aquellos peldaños regastados por sus pies desnudos
o los pies calzados en cuero de su numerosa
clientela, eran prescindibles.

Suela pie y peldaño, descartó: no es única la Horma
cada figura tiene entidad propia (así no lo parezca)
cada elemento de la entidad posee sus propias
características distintivas por el color olor utilidad
(tacto) nada es o aparece jamás en el Universo,
dos veces.

Dios, es Uno (también): según nuestra historia (ésta
que aquí narramos) el desconsuelo del zapatero
ante su encuentro encontronazo o Revelación lo
dejó (con toda su jerga y con todo su silencio)
junto a la abertura, una vez más emboscado.

JABOB BOHME

Este é o único caso de um homem que encontrou Deus.

Era ruivo, vendia nomenclaturas, passava os dias
lendo: de tanto dormir mal, dormia com a tez branca;
não resta dúvida de que, ao redor daquela
brancura, sentia medo: o negro da noite mais
fechada perderia com a comparação: e não resta
dúvida de que titubeou a princípio em chamar Deus
à brancura, tudo era um centro? Passo a passo
percorreu o incompreensível a maior obscuridade,
maior clarividência: os olhos a tudo se acostumam.

Não é necessário contar o que encontrou: cálculos e
descrições falham a olhos vistos, grosso modo, não
é preciso mãos nem romanas, logo soube quem
quê como onde era (estava) Deus.

Foi um sapateiro que vivia mal, madrugador e azarado,
frugal: seu único peditório era a avareza de
Deus, abolição própria: sovela e orifícios ou sapatadas
e vigílias transbordariam aquela desproporcionada
necessidade, encontrou o Caminho: já basta. Todos
aqueles degraus desgastados por seus pés desnudos
ou os pés calçados em couro de sua numerosa
clientela eram prescindíveis.

Sola pé e passo descartou: não é única a Forma
cada figura tem entidade própria (embora não pareça)
cada elemento da entidade possui suas próprias
características distintivas pela cor odor utilidade
(tato) nada é ou aparece jamais no Universo duas vezes.

Deus é Uno (também): segundo nossa história (esta
que aqui narramos) o desconsolo do sapateiro
ante seu encontro esbarrão ou Revelação o
deixou (com toda sua xerga e com todo seu silêncio)
junto da abertura, uma vez mais ocultado.

*


Traduções: Luiz Roberto Guedes e Claudio Daniel

*

José Kozer nasceu em Havana (Cuba) em 1940, mas vive nos EUA desde 1960. Entre suas principais coletâneas poéticas estão Y así tomaron posesión en las ciudades (1979), Jarrón de las abreviaturas (1980), La rueca de los semblantes (1980), Bajo este cien (1983), La garza sin sombras (1985), Prójimos. Intimitates (1990), et mutabile (1996) e Farándula (2000). A obra poética do autor, sobre a qual há teses de mestrado e doutorado em universidades dos Estados Unidos e da Itália, foi traduzida parcialmente para sete idiomas (inglês, francês, português, alemão, grego, italiano e hebraico) e está representada em numerosas antologias na Europa, EUA e América Latina. Kozer foi co-diretor da revista Enlace (1984-85) e é membro do conselho editorial de outras publicações periódicas européias e americanas. Organizou, junto com Roberto Echavarren e Jacobo Sefamí, a antologia Medusário, de poesia neobarroca latino-americana.  No Brasil, foi publicada a antologia Madame Chu e Outros Poemas (Travessa dos Editores, Curitiba, 2002), com traduções do autor, feitas por Cláudio Daniel e Luiz Roberto Guedes.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2005 ]