LUCRÉCIO
(Titus Lucretius Carus)
DE TONITRU – O Trovão
Principio tonitru quatiuntur caerula caeli
propterea quia concurrunt sublime uolantes
aetheriae nubes contra pugnantibu’uentis.
Nec fit enim sonitus caeli de parte serena,
uerum ubicumque magis denso sunt agmine nubes, 100
tam magis hinc magno fremitus fit murmure saepe.
Praeterea neque tam condenso corpore nubes
esse queunt quam sunt lapides ac ligna, neque autem
tam tenues quam sunt nebulae fumique uolantes.
Nam cadere aut bruto deberent pondere pressae 105
ut lapides, aut ut fumus constare nequirent,
nec cohibere niues gelidas et grandinis imbris.
Dant etiam sonitum patuli super aequora mundi,
carbasus ut quondam magnis intenta theatris
dat crepitum malos inter iactata trabesque, 110
interdum perscissa furit petulantibus auris,
et fragilis sonitus chartarum commeditatur.
Id quoque enim genus in tonitru cognoscere possis,
aut ubi suspensam uestem chartasque uolantis
uerberibus uenti uersant planguntque per auras. 115
Fit quoque enim interdum ut non tam concurrere nubes
frontibus aduersis possint quam de latere ire
diuersu motu radentes corpora tractim,
aridus unde auris terget sonus ille diuque
ducitur, exierunt donec regionibus artis. 120
Hoc etiam pacto tonitru concussa uidentur
omnia saepe graui tremere e diuolsa repente
maxima dissiluisse capacis moenia mundi,
cum subito ualidi uenti conlecta procella
nubibus intorsit sese conclusaque ibidem 125
turbine uersanti magis ac magis undique nubem
cogit uti fiat spisso caua corpore circum,
post ubi comminuit uis eius et impetus acer,
tum perterricrepo sonitu dat scissa fragorem.
Nec mirum, cum plena animae uesicula parua 130
saepe ita dat magnum sonitum displosa repente.
Est etiam ratio, cum uenti nubila perflant,
ut sonitus faciant. Etenim ramosa uidemus
nubila saepe modis multis atque áspera ferri;
scilicet ut crebram siluam cum flamina cauri 135
perflant, dant sonitus frondes ramique fragorem.
Fit quoque ut interdum ualidi uis incita uenti
perscindat nubem perfringens impete recto.
Nam quid possit ibi flatus manifesta docet res,
hic, ubi lenior est, in terra cum tamen alta 140
arbusta euoluens radicibus haurit ab imis.
Sunt etiam fluctus per nubila, qui quasi murmur
dant in frangendo grauiter ; quod item fit in altis
fluminibus magnoque mari, cum frangitur aestus.
Fitquoque, ubi e nubi in nubem uis incidit ardens 145
fulminis, haec multo si forte umore recepit
ignem, continuo ut magno clamore trucidet;
ut calidis candens ferrum e fornacibus olim
stridit, ubi in gelidum propere demersimus imbrem.
Aridior porro si nubes accipit ignem, 150
uritur ingenti sonitu succensa repente;
lauricomos ut si per montis flamma uagetur
turbine uentorum comburens impete magno;
nec res ulla magis quam Phoebi Delphica laurus
terribili sonitu flamma crepitante crematur. 155
Denique saepe geli multus fragor atque ruina
grandinis in magnis sonitum dat nubibus alte.
Ventus enim cum confercit, franguntur, in artum,
concreti montes nimborum et grandine mixti.
De fulgure
Fulgit item, nubes ignis cum semina multa 160
excussere suo concursu; ceu lapidem si
percutiat lapis aut ferrum ; nam tum quoque lumen
exilit, et claras scintillas dissipat ignis.
Sed tonitrum fit uti post auribus accipiamus,
fulgere quam cernant oculi, quia semper ad auris 165
tardius adueniunt quam uisum quae moueant res.
Id licet hinc etiam cognoscere, caedere si quem
ancipiti uideas ferro procul arboris auctum,
ante fit ut cernas ictum quam plaga per auris
det sonitum: sic fulgorem quoque cernimus ante 170
quam tonitrum accipimus, pariter qui mittitur igni
e simili causa, concursu natus eodem.
Hoc etiam pacto uolucri loca lumine tingunt
nubes, et tremulo tempestas impete fulgit.
Ventus ubi inuasit nubem, et uersatus ibidem 175
fecit ut ante cauam docui spissescere nubem,
mobilitate sua feruescit; ut omnia motu
percalefacta uides ardescere, plumbea uero
glans etiam longo cursu uoluenda liquescit.
Ergo feruidus hic nubem cum perscidit atram, 180
dissipat ardoris quasi per uim expressa repente
semina quae faciunt nictantia fulgura flammae;
inde sonus sequitur qui tardius adficit auris
quam quae perueniunt oculorum ad lumina nostra.
Scilicet hoc densis fit nubibus et simul alte 185
extructis aliis alias super impete miro;
ne tibi sit frudi quod nos inferne uidemus
quam sint lata magis quam sursum extructa quid extent.
Contemplator enim, cum montibus adsimulata
nubila portabunt uenti transuersa per auras, 190
aut ubi per magnos montis cumulata uidebis
insuper esse aliis alia atque urgere superne
in statione locata sepultis undique uentis :
tum poteris magnas moles cognoscere eorum,
speluncasque uelut saxis pendentibu’ structas 195
cernere, quas uenti cum tempestate coorta
complerunt, magno indignantur murmure clausi
nubibus in caueisque ferarum more minantur ;
nunc hinc nunc illinc fremitus per nubila mittunt,
quaerentesque uiam circum uersantur, et ignis 200
semina conuoluont e nubibus atque ita cogunt
multa, rotantque cauis flammam fornacibus intus,
donec diuolsa fulserunt nube corusci.
Primeiro: se o trovão perturba o céu azul,
é que as nuvens etéreas avançam em vôo
alto e se agitam contra os ventos oponentes.
De fato, o estrondo não se dá no céu sereno,
mas onde as nuvens formam densa multidão, 100
ruído às vezes feito de imensos murmúrios.
As nuvens não estão aptas a se compactar
como estão a madeira e as pedras, sendo tênues
como a névoa, o vapor e a fumaça volátil.
Senão, sucumbiriam pesadas e opressas 105
como pedras, ou não se poderiam unir
nem conteriam a neve gélida e o granizo.
Troam então nas extensas planícies do mundo,
como se dá às vezes, nos altos teatros,
o estrépito no toldo entre os mastros e as traves 110
tensas, ou enfurecem-se, furadas por ventos
atrevidos, com o som fraco do papel.
São estes os trovões de que se tem saber;
Assim como chicotes, revolvem no ar
e esbatem ao vento roupas e cartas voantes. 115
Dá-se de as nuvens, às vezes, não se encontrarem
de frente: pelos flancos, seus corpos – de raspão –
arrastam-se em diversas movimentações,
surge um ruído rude, extenso, trazido
com o vento até que as nuvens deixem os vãos estreitos. 120
Sob um duro trovão, parece que tudo
treme pesadamente e se agita: é capaz
de destruir, de súbito, os muros do mundo,
de surpresa a borrasca, ao vento vigoroso,
concentra-se e retorce entre nuvens, fechando-se 125
ali – num turbilhão cambiante – impelindo
a nuvem a fazer-se oca e espessa ao redor;
depois, enfraquecendo-a à força do ímpeto,
fende-a com um som de rachadura horrível.
Nada admirável: soa como uma bexiga 130
cheia de ar quando estoura de repente.
Outra razão de quando sopram forte as nuvens,
soam os ventos: sempre vemos nuvens várias,
ásperas, carregadas em ríspidas ramas;
quando os ventos são Norte e vagam pelos bosques 135
cerrados, já farfalham em ramos e folhas de árvores.
Às vezes, o vigor ágil do vento bruto
corta – afiado – a nuvem, com firme impulsão.
O fato claro ensina: o vento revolvente,
mesmo na terra, onde é mais calmo, arrancaria 140
árvores grandes, desde o fundo, com as raízes.
Há também turbilhões que trespassam as nuvens
e enérgicos murmuram, como em rios profundos
e no grande mar, quando irrompem as marés.
Por vezes, cai a força ardente do relâmpago, 145
de nuvem para nuvem: uma, muito úmida,
sorve o fogo, o esmaga num longo clamor;
como o ferro candente range, retirado
das forjas, logo imerso na neve gelada.
Se, adiante, uma nuvem seca acolhe o fogo, 150
se incendeia num grito que arde estridente,
como a chama inflamável que vaga nos montes
de loureiros, no afã da voragem dos ventos.
Nada soa terrível, quando estala ao fogo,
como os loureiros Délficos de Phebo Apolo. 155
As rupturas do gelo, as chuvas de granizo
ressoam – com freqüência – alto em nuvens altas.
É que o vento amontoa nos vãos tempestades
maciças, que se chocam em meio à saraiva.
DE FULGURE – O relâmpago
Brilham as nuvens quando se sacodem em luta, 160
com muitos grãos de fogo; pedra contra pedra
e ferro, o céu percute; o relâmpago, então,
surge, e dissipa ígneas cintilações.
Mas o trovão só é ouvido após os olhos
verem relampejar: o som chega às orelhas 165
mais tarde que a visão das coisas que se movem.
Bem se vê quando cai ao longe a alta árvore
cortada pelo duplo gume do machado,
antes que se difira o ruído que o golpe
fere no ouvido: vemos, assim, o relâmpago 170
antes de ouvir o som do trovão, emitido
concomitante ao fogo, do choque de nuvens.
Assim, as nuvens tingem – com asas de luz –
os lugares, cintila trêmula a tempestade.
O vento, ao invadir a nuvem, revertendo-se, 175
tornou-a mais espessa, como já mostrei,
e ferveu de tão ágil; as coisas se inflamam
quando muito aquecidas pelo movimento.
Ao rodar longo tempo sobre o próprio eixo
uma esfera de chumbo é capaz de fundir. 180
Quando o vento fervente fende a nuvem negra
(de repente em aperto), com o calor, espalha
as sementes de fogo: o brilho do relâmpago;
depois, sucede o som, que chega nos ouvidos
pouco após faiscar a luz em nossos olhos.
É o que acontece às nuvens densas, quando altas,
amontoadas com arranjo assombroso.
Que não te enganes, já que vemo-las por baixo
e cremo-las mais vastas do que são de fato.
Tu observarás ventos que transportam nuvens 190
oblíquas, simulando montanhas nos ares
e, quando acumuladas, umas sobre outras
nas bordas do rochedo, verás – além disso –
ventos mortos cercarem-nas já em repouso.
Verás as grandes massas, com grutas unidas 195
por rochas pênseis, plenas de vento durante
a viração; o vento exaspera-se, presa
da nuvem, num grunhido de fera na jaula.
Do início ao fim, o frêmito atravessa as nuvens,
roda em volta de si, busca saída; agrega, 200
assim, muitas sementes de fogo e as expele,
como um redemoinho em chamas, entre fornos
cavos: brilham coriscos da nuvem rompida.
De Rerum Natura – A natureza das coisas, Livro VI – vv 96-203
Tradução: Mário Dominguez
NOTAS:
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Lucrécio nasceu em Roma, cerca de 98 a. C., e morreu com cerca de 40 anos. Contemporâneo de Cícero, que organizou a primeira edição do De Rerum Natura (A Natureza das Coisas). São Jerônimo disse que Lucrécio ficou louco com o uso contínuo de um filtro, uma droga afrodisíaca. Sabe-se quase nada sobre a sua vida. Escreveu nos breves lapsos lúcidos e suicidou-se. É um dos maiores poetas da Roma antiga, influenciou Virgílio, Horácio, Ovídio. Sua poesia ressoa na obra de pensadores como Spinoza, Saussure, Delleuze e Serres. Entre os poetas, Milton, Whitman, Drummond, massobretudo Francis Ponge e Fernando Pessoa, que apontou Lucrécio como “o precursor mais longínquo” do Alberto Caeiro, por fundir poesia e filosofia. |