A LUZ NADADORA
Joan Navarro
Tradução:
Carlos del Río González
A
luz. O tempo da luz que nada, flutua, resiste aos embates do vento, bebe de
antigas águas, alimento do errante plâncton vegetal que outros semearam, do
plâncton animal que sobe do fundo ao anoitecer à procura do seu diário
sustento. Semear plâncton, sementes flutuantes e mergulhadoras, no mar do
ânimo, na casca da ânima. Farei uma canção antes que cheguem os maus tempos,
cantava à sua dama o velho cavalheiro Ponç de la Guardia. O poema como
plâncton transparente. Quero morrer em pélago de amor, sussurrava o
sábio Llull. Não vejo ninguém que de mim se cuida, / y, vigiando, encadeado e preso, / à minha
aziaga ventura agradeço-o, doía-se Jordi de Sant Jordi, filho de escravo. Não
sei de homem ou mulher semelhante a mim / que, atormentado pelo Amor, dê
lástima; / sou eu de quem há de se compadecer, / pois do meu
coração o sangue se retira, lamentava-se o falcoeiro March. Bálsamo e
congoxa. A pequena pátria da palavra. Adeus, colinas, para sempre adeus,
/ oh serras desiguais que ali, na minha pátria, / das nuvens e do céu
de longe vos distinguia, / pelo repouso eterno, pela cor mais azul.
A saudade do estudante de hidrostática Aribau. E sucedem-se os anos e com eles
o irisado plâncton do poema e as fascinantes gramíneas. Passavam cheirosos
carros de feno, anotava o diplomático Josep Carner enquanto contemplava uma
adolescente que jogava tênis. Uma vida exilada. Desterro de pátria e de língua.
Morta de frio / procuro esteio: / sou estrangeira, / igual
a ti, tiritava Clementina Arderiu enquanto Carles Riba evocava Sunion e o
rebelde Joan Salvat-Papasseit deixava escrito que Nada é mesquinho / nem
selvagens as horas, / nem escura a aventura da noite. E o que fazia
bolos em Sarrià, J. V. Foix, dançava só quando chovia, vestido de algas,
ouro e escamas. Com as férias pagas, Pere Quart tinha decidido ir embora
para sempre. Agustí Bartra passaria pelos campos de refugiados de Sant Cebrià,
Argelers e Agde, e seria exilado dominicano, cubano, mexicano; rapsodo
escreveria: Sobre antigas eras / desenho um peixe de luz. E
Màrius Torres. E o jovem tuberculoso Bartomeu Rossellò-Pòrcel abandona cedo
Mallorca, El Brull e a vida inteira enquanto Verdejam ainda aqueles campos
/ e conservam-se aqueles arvoredos, / e, sobre o mesmo azul, / recortam-se
minhas montanhas. E Salvador Espriu deixava a luz das montanhas e descia à
cidade. E o prestidigitador Joan Brossa gravava uma pipa ou um triângulo em
um osso com força de treva vingativa. Gabriel Ferrater, ai Gabriel Ferrater,
que no poema inacabado lançava miados assanhados quando o Reich exibiu a
barriga. Joan Vinyoli, a pedra solitária que brilhava ardente no fundo do
amarelo abismo cego. O alquimista Josep Palau i Fabre. Vicent Andrés Estellés
anotava no seu caderno que Deste lugar, escuro, da boate, / entre
esta fumaça espessada, barata, / distanciando um gole de outro gole,
bebo. / Morri e não me comunicaram. Miquel Martí i Pol. Blai Bonet.
Maria Mercè Marçal e tantos outros poetas cultivadores de plâncton desta língua
acossada, alimento de novas seivas, azeite de nova luz, a mesma luz que se
renova e esparrama sobre estes frágeis territórios junto ao mar, que agoniza e
renasce incansável, semente, conjuro, remédio / contra o silêncio[1]. Cercada língua. As
pegadas do caçador / que avançam
pelo arvoredo. Que nos acossam[2].
Território Galatea que decide fluir. Retornar ao fundo do útero marinho[3]. Lembrança da terra, da
linguagem da terra. Aquele dia carregávamos cestas / de cebolas e um
meio-dia de incêndios / insofríveis em nosso cérebro[4]. Âmbito pérola, língua
pérola resultado de sofrer. A dor / destilada / da ferida[5].
Cartografias do corpo feito palavras. No
corpo tens traçados caminhos de céu, / voo com os dedos[6].
Mostrar a medula do plâncton verbal, silêncio primitivo, / grito
animal sob o inexprimível [7].
Diante do que acontece há que decidir entre a vida
e a vida[8],
não há outra saída, pois a realidade é pervertida e escura[9]. Os textos que seguem são
indício claro desta luz nadadora que ainda se dissemina e perdura.
Valência, junho
de 2011.
Notas
[1] Vid.
Carles Vicent Siscar: "o som do pulso (noturno)".
*
Joan Navarro, Oliva, País Valenciano, 1951. Professor de filosofia. Poeta, narrador e tradutor. Recentemente publicou os livros de poesia em catalão Magrana (2004), Sauvage! (2007) e A deslloc (2010), e com o pintor Pere Salinas Atlas (Correspondència 2005-2007) (2008) e Grafies·Incisions (2010). Traduziu para o catalão, entre outros, a poeta brasileira Orides Fontela, Esfera.Una antologia (2010) e para o espanhol os livros da poeta paulista Elisa Andrade Buzzo Noticias de ninguna parte (México, 2009) e Canción retráctil (México, 2010). É editor da revista digital sèrieAlfa.art i literatura. |