ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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MARIA-MERCÈ MARÇAL


En el clos fosc d'unes ales gegants
que es pleguen sobre meu i em donen cobri,
l'ombra em té tota. No em valen els mots.
La teva cendra em colga en vell caliu.
La teva llengua em clava en el silenci.


No cerco obscuro de umas asas gigantes
que se dobram sobre mim e me dão abrigo,
a sombra me tem toda. Não me valem as palavras.
Tua cinza me enterra em velha brasa.
Tua língua me crava no silêncio.

***

                                  Sobre una pintura de Frida Kahlo

Tinc dins del cap un cap d'home,
-matriu sense camí!
Donar-lo a llum em mata,
servar-lo em fa morir.

No és cap home, és un nen,
clavat com una dent.
Si no neix em devora per dins,
si neix m'esbotza el crani i el cervell.

Enmig del seu front un ull
em vigila glaçat
perquè cap culpa no m'exiliï
d'aquest vell paradís.


                                  Sobre uma pintura de Frida Kahlo

Tenho dentro da cabeça uma cabeça de homem,
- matriz sem caminho!
Dá-lo à luz me mata,
guardá-lo me faz morrer.

Não é nenhum homem, é um menino,
encravado como um dente.
Se não nasce me devora por dentro,
se nasce me arromba o crânio e o cérebro.

No meio da sua testa um olho
me vigia gelado
para que nenhuma culpa me exile
deste velho paraíso.

***

                                  A Pep Parcerissa

S'estalonen l'infern e el paradís.
I el bressol i la tomba, i les paraules
i el cos: país natal, exili.


                                  A Pep Parcerissa

Perseguem-se o inferno e o paraíso.
E o berço e a tumba, e as palavras
e o corpo: país natal, exílio.

***

Construir, sang a sang, aquest amor
fent i desfent, i refent el teixit,
com una balenguera fora seny
i maldestra que tempta, a l'endeví,
camins de mans incertes, mar obert,
però sense el secret, sense la clau.


Construir, sangue a sangue, este amor
fazendo e desfazendo, e refazendo o tecido,
como uma fiandeira insane
e desajeitada que tenta, às cegas,
caminhos de mãos incertas, mar aberto,
mas sem o segredo, sem a chave.

***

Tota la sang, tota la sal de tu.
Ombres enllà, els teus ulls m'assenderen
per camins clars -el solc, el blat, el pa.
Ombres ençà, els meus llavis maseguen
les vores de l'amor, vells sangtraïts
en bleeixen la llengua i la geniva.
Seguir-te, amor, seguir la teva mà
petita -dolça i dura! Però l'ala
de quina nit... les urpes... quin falcó?
I t'arrossego cap al meu desert.


Todo o sangue, todo o sal de ti.
Sombras além, os teus olhos me conduzem
por caminhos claros - o sulco, o trigo, o pão.
Sombras aquém, meus lábios machucam
as bordas do amor, velho sangue pisado
me queima a língua e a gengiva.
Seguir-te, amor, seguir a tua mão
pequena - doce e dura! Porém a asa
de que noite... as garras... que falcão?
E te arrasto para o meu deserto.

***

Porta entre mar
i mar
la paraula:
exili de l'exili.


Porta entre mar
e mar
a palavra:
exílio do exílio.

***

                                  A la meva mare


1

Vas dir-me: aquest
és el meu cos,
la meva sangue.
`Pren, menja i beu
-vida i mortalla.

Després, el pa
llescat, ferit
pel ganivet
i el vi vermell
vessat, tacant
les estovalles.

Sota l'esguard
obscè d'un déu
que t'usurpava
les paraules.


2

Sagrada obscenitat
del cos
tocat per la promesa
de la mort:
intocable
com un pària
o com l'emprenta
d'un déu absent.

Sigues sacrílega
i retorna-li
la qualitat humil
dels cossos vius.


3

Com si em vingués de tu
la carn, la sang
de les paraules.

                                  À minha mãe

1

Disseste-me: este
é o meu corpo,
o meu sangue.
Toma, come e bebe
- vida e mortalha.

Depois, o pão
fatiado, ferido
pela faca
e o vinho vermelho
vertido, manchando
as toalhas.

Sob o olhar
obsceno de um deus
que te usurpava
as palavras.


2

Sagrada obscenidade
do corpo
tocado pela promessa
da morte:
como um pária
ou como a marca
de um deus ausente.

Sejas sacrílega
e devolve-lhe
a qualidade humilde
dos corpos vivos.


3

Como se me viesse de ti
a carne, o sangue
das palavras.


Tradução: Ronald Polito

*

Maria-Mercè Marçal nasceu em 1952 e passou sua infância em Ivars d'Urgell, na Catalunha. Poeta, tradutora, prosadora e ensaísta, licenciou-se em Filologia Clássica e foi catedrática de Língua e Literatura Catalãs. Em 1973, foi uma das fundadoras da editora Llibres del Mall. Ativista política, militou no movimento feminista. Em 1989, saiu o volume Llengua abolida (1973-1988), em València (Poesia 3i4), reunindo todos os seus livros de poesia, além de dispersos. Em março de 2000 foi publicado postumamente Raó del cos, seu derradeiro livro de poemas. A autora publicou também o romance La passió segons Renée Vivien (1995). Traduziu Marguerite Yourcenar, Colette, Anna Gorenko, Marina Tsvetáieva e Leonor Finni. Alguns de seus textos já foram traduzidos para o alemão, o inglês, o espanhol, o galego, o húngaro, o japonês e o português (Egito Gonçalves traduziu três poemas de Maria-Mercè, incluídos em Quinze poetas catalães. Porto: Limiar, 1994). Dentre outros trabalhos, publicou ainda ensaios (Rosa Leveroni, en el llindar, no livro Literatura de dones: una visió del món, em 1988, e Com en la nit, les flames, no livro Cartografies del desig: quinze escriptores i el seu món, em 1998) e postumamente foram editados textos seus em prosa (Viratges, reminiscències, no livro Barceldones, em 1990). Foi membro da Associació d'Escriptors en Llengua Catalana. Maria-Mercè Marçal faleceu em Barcelona no ano de 1998. Apresento aqui sete poemas traduzidos do catalão. Os cinco primeiros pertencem ao livro Desglaç (1984-1988) [Degelo]; os dois últimos ao livro Raó del cos (1989-1998) [Razão do corpo]. (Nota enviada por Ronald Polito)

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