ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - home ]

 

 

MICHEL HOUELLEBECQ

 

La texture fine et délicate des nuages
Disparaît derrière les arbres ;
Et doudain c'est le flou qui précède un orage :
Le ciel est beau, hernétique comme un marbre.


A fina e delicada textura das nuvens
Desaparece por detrás das árvores;
E súbito há algo que precede a chuva:
O céu é belo, hermético como mármore.

* * *

 

UNE SENSATION DE FROID

Le matin était clair et absolument beau ;
Tu voulais préserver ton indépendance.
Je t'attendais em regardant les oiseaux :
Quoi que je fasse, il y aurait la souffrance.


UMA SENSAÇÃO DE FRIO

A manhã era tanto bela quanto pálida;
Você pensava só na sua independência.
À sua espera, eu ia olhando para os pássaros:
Em tudo que eu fizer haverá penitência.


* * *

LA FILLE

La fille aux cheveux noirs et aux lèvres très minces
Que nous connaissons tous sans l'avoir recontrée
Ailleurs que dans nos rêves. D'un doigt sec elle pince
Les boyaux palpitants de nos ventres créves.

A MOÇA

A moça de cabelo negro e finos lábios
Que todos conhecemos sem tê-la encontrado
Senão em sonhos. Dedos secos, ela pinça
As tripas palpitantes de nossas barrigas.

* * *

Le long fil de l'oubli se déroule et se tisse
Inéluctablement. Cris, pleurs et plaintes.
Refusant de dormir, je sens la vie qui glisse
Comme un grand bateau blanc, tranquille et hors d'atteinte.


O longo fio do esquecer desfaz-se e faz-se
Inelutável. Gritos, choros e gemidos.
Sem dormir, sinto a vida que se liquefaz
Feito um imenso barco branco indo tranqüilo.

* * *

Traces de la nuit.
Une étoile brille, seule,
Preparée pour des lointaines eucharisties.

Des destins se rassemblent, perplexes,
Immobiles.

Nous marchons je le sais vers des matins étranges.

 

Restos da noite.
Uma estrela brilha, só,
Pronta para longínquas eucaristias.

Destinos se confundem, perplexos,
Imóveis.

Caminhamos, eu sei, rumo a estranhas manhãs.

* * *

Tu parlais sexualité, relations humaines. Parlais-tu vraiment, en fait ? Un brouhaha nous environnait ; des mots semblaient sortir de ta bouche. Le train pénétrait dans un tunnel. Avec un lérger grésillement, un lérger retard, les lampes du compartiment s'allumèrent. Je détestais ta jupe plissée, ton maquilage. Tu étais ennuyeuse comme la vie.



Le monde apparaît, plus que jamais, homogène et stable. Le soleil de neuf heures coule lentemente dans la rue en pente douce ; les immeubles anciens et modernes se côtoient sans animosité marquée. Parcelle de l´humanité, je suis assis sur un banc. Le jardin a été rénové récemment ; on a installé une fontaine. Je ressens, sur ce banc, ma présence humaine ; ma présence humaine en face de la fontaine.

 

Il s'agit d'une fontaine moderne ; l'eau s'écoule entre des hémisphères gris ; elle tombe, avec lenteur, d'un hémisphère à l'autre. Entre des sphères, elle ne pourrait que glisser ; mais le choix de l'architecte s'avère plus fin : l'eau remplit progressivemente les hémisphère supèrieurs ; ceux-ci remplis, ils dégouttent doucement vers les hémisphères inférieurs ; au bout d'un temps qui me paraît variable, tout se vide d'un seul coup. Puis l'eau coule à nouveau, et le processus reprend. Avons-nous affaire à une métaphore de la vie ? J'en doute. Plus probablement l'architecte a-t-il voulu mettre en scène sa vision du mouvement perpétuel. Comme beaucoup d'autres.

 


Você falava sobre sexualidade, relações humanas. Será mesmo? Um burburinho nos envolvia; palavras pareciam sair de sua boca. O trem penetrava num túnel. Com um pouco de trepidação, um pouco de atraso, as luzes do compartimento acendiam. Eu detestava sua saia plissada, sua maquiagem. Você era enfadonha como a vida.

 

O mundo se apresenta, mais do que nunca, homogêneo e estável. O sol das nove horas desce lentamente pela ladeira; os prédios antigos e modernos estão lado a lado sem animosidade alguma. Pedaço da humanidade, estou sentado num banco. Recentemente o jardim foi reformado, instalaram uma fonte. Reconheço, sobre este banco, minha presença humana, minha presença humana frente à fonte.

 

Trata-se de uma fonte moderna; entre hemisférios cinzas, a água escorre, cai com lentidão de um hemisfério a outro. Entre esferas, ela poderia somente descer, mas a escolha do arquiteto se revela mais sutil: a água preenche progressivamente os hemisférios superiores; uma vez preenchidos, gotejam docemente sobre os hemisférios inferiores; ao fim de um tempo que me parece variável, tudo se esvazia de uma só vez. Depois a água escorre novamente, e o processo recomeça. Seria isso uma metáfora para a vida? Duvido. É mais provável que o arquiteto tenha desejado pôr em cena sua visão do movimento perpétuo. Como muitos outros.

*

Tradução: Leonardo Gandolfi e Vanessa Massoni da Rocha


Michel Houellebecq (1958), poeta francês, é autor de romances como Extenção do domínio da luta, Partículas elementares, entre outros. Os poemas a seguir são do livro La poursuite du bonheur, de 1992.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2005 ]