MIREIA CALAFELL
Absurd esforç confús escrit amb sang
Cartografies
Angle mort
Pregunta retòrica
Mal de mar
Absurdo esforço confuso escrito com sangue
Cartografias
Ângulo morto
Pergunta retórica
Mal do mar
Absurd esforç confús escrit amb sang,
caduc intent pedant d’olor de roses,
distreta voluntat cortès de sales pròpies,
tenaç anhel vençut en clans amb pèls,
penós oblit negat de versos estridents
que per no dur pseudònims encara ha d’esperar
el bell atzar somiat d’un capvespre que faci
que el món torni a ser món i els anys, paraules.
De Poètiques del cos (2006)
Absurdo esforço confuso escrito com sangue
caduco intento pedante de aroma de rosas,
distraída vontade cortês de salas próprias,
tenaz anseio vencido em clãs com pelos,
penoso esquecimento afogado de versos estridentes
que por não levar pseudônimos ainda há de esperar
o belo acaso sonhado de um entardecer que faça
com que o mundo volte a ser mundo e os anos, palavras.
De Poètiques del cos (2006)
CARTOGRAFIES
Només qui vola sap quant pesa un cos
Clarice Lispector, A cidade sitiada
Al cos hi tens traçats camins de cel,
volo amb els dits.
Des d'aquí dalt, cada piga és un llac,
bec el desig.
Agafa el sol que es fa de nit,
mulla'm així.
De Costures (2010)
CARTOGRAFIAS
Somente quem voa sabe quanto pesa um corpo
Clarice Lispector, A cidade sitiada
No corpo tens traçados caminhos de céu,
voo com os dedos.
Daqui do alto, cada sarda é um lago,
bebo o desejo.
Apanha o sol que anoitece,
banha-me assim.
De Costures (2010)
ANGLE MORT
Por el retrovisor:
un segundo del aire
encuadrado
Florencia Kantor, Bambalinas
Des del retrovisor per on s’escola el passat
que provo d’escriure hi ha un punt cec,
un retall de vida, imatges i paraules que vaig viure
o somniar, tant és. Un pedaç que va ser meu
i se m’escapa a mesura que avanço autopista enllà
cap a un destí que desconec: un paisatge de vida,
imatges i paraules que viuré o somniaré, no importa.
I amb el temps em fugiran potser per la mateixa
escletxa d’oblit que el mirallet no atrapa.
És concèntrica la vida a través del retrovisor.
De Costures (2010)
ÂNGULO MORTO
Pelo retrovisor:
um segundo de ar
enquadrado
Florencia Kantor, Bambalinas
Do retrovisor por onde desliza o passado
que tento escrever há um ponto cego,
um retalho de vida, imagens e palavras que vivi
ou sonhei, que mais...Um pedaço que foi meu
e me escapa à medida que avanço autopista adiante
para um destino que desconheço: uma paisagem de vida,
imagens e palavras que viverei ou sonharei, não importa.
E com o tempo fugirão de mim talvez pela mesma
fresta de esquecimento que o espelhinho não alcança.
É concêntrica a vida através do retrovisor.
De Costures (2010)
Podria molt ben ser que un dia em faci por
haver crescut enllà de mi, vessant-me
en altres braços com una olla que bull
i ningú no respongui quan demani
«abaixa el foc, si us plau, abaixa el foc».
I tu,
¿com ho fas per tal que et creixin flors
als marges de la pell
prou altes per fer ombra i contenir-te,
com si la pèrdua d’aquells que et donem nom
no afectés de ple les arrels del temor?
De Costures (2010)
PERGUNTA RETÓRICA
Poderia muito bem acontecer que um dia me dê medo
haver crescido além de mim, me derramando
em outros braços como uma panela que ferve
e ninguém responda quando peça
“baixa o fogo, por favor, baixa o fogo”
E você,
como consegue que te cresçam flores
nas margens da pele
bastante altas para dar sombra e lhe conter,
como se a perda daqueles que te damos nome
não afetasse em cheio as raízes do temor?
De Costures (2010)
MAL DE MAR
Golosa gelosia dels móns que ara t’admiren:
paisatges desconeguts que puc imaginar
–amb tants documentals, tantes revistes,
n’hi ha prou de recordar records dels altres:
ja no és possible viatjar enllà del simulacre.
Però te’n vas anar tan lluny, tan fora de nosaltres
que a la maleta et vas endur les ganes d’esperar-te.
I és que ho sabíem, ho havíem dit:
serà difícil no ofegar-se entre tanta aigua.
De Costures (2010)
MAL DO MAR
Gulosos ciúmes de mundos que agora te admiram:
paisagens desconhecidas que posso imaginar
–com tantos documentários, tantas revistas,
é suficiente recordar recordações dos outros:
já não é possível viajar para além do simulacro.
Mas você foi tão longe, tão fora de nós
que na mala levou o desejo de lhe esperar.
E é que sabíamos, havíamos dito:
será difícil não afogar-se em tanta água.
De Costures (2010)
Tradução: Jussara Salazar
*
Mireia Calafell, Barcelona, Catalunha, 1980. Trabalha na associação cultural artsmoved.cat e faz parte do grupo de pesquisa Corpo e Textualidade da Universitat Autònoma de Barcelona. Em 2006 publicou seu primeiro livro, Poètiques del cos, prêmio Amadeu Oller e VIII premio Memorial Anna Dodas para o melhor livro publicado em catalão por um autor inédito. Em 2010 edita Costures, prêmio Josep M. López Picó, 2009. Em 2008 fez parte do projeto En tránsito promovido por la Embajada de España en Abu Dhabi, sendo editado para essa ocasião o pequeno poemário Àlbum traduzido para o espanhol, inglês e árabe. Sua obra foi incluída em Pedra foguera. Antologia de poesia jove als Països Catalans (2008), El poder del cuerpo (2009) e Doce poetas catalanes contemporáneos (Rada Tilly, Argentina, 2011). Leu seus poemas, entre outros países, na Argentina, Itália e China. Atualmente prepara o espetáculo Textures: poètiques audiovisuals com o músico Miguel Marín e o estúdio de artes visuais Nomade. |