ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

NICOLÁS GUILLÉN

 

 

De La rueda dentada (A roda dentada) (1972)

 

Digo que yo no soy un hombre puro


Yo no voy a decirte que soy un hombre puro.
Entre otras cosas
falta saber si es que lo puro existe.
O si es, pongamos, necesario.
O posible.
O si sabe bien.
¿Acaso has tú probado el agua quimicamente pura,
el agua de laboratorio,
sin un gran de tierra o de estiércol,
sin el pequeño excremento de un pájaro,
el agua hecha no más que de oxígeno e hidrógeno?
¡Puah! qué porquería.

Yo no te digo pues que soy un hombre puro,
yo no te digo eso, sino todo lo contrario.
Que amo (a las mujeres, naturalmente,
pues mi amor puede decir su nombre),
y me gusta comer carne de puerco con papas,
y garbanzos y chorizos, y
huevos, pollos, carneros, pavos,
pescados y mariscos,
y bebo ron y cerveza y aguardiente y vino,
y fornico (incluso con el estómago lleno).
Soy impuro ¿qué quieres que te diga?
Completamente impuro.

Sin embargo,
creo que hay muchas cosas puras en el mundo
que no son más que pura mierda.
Por ejemplo, la pureza del virgo nonagenario.
La pureza de lo novios que se masturban
en vez de acostarse juntos en una posada.
La pureza de los colegios de internado, donde
abre sus flores de semen provisional
la fauna pederasta.
La pureza de los clérigos.
La pureza de los académicos.
La pureza de los gramáticos.
La pureza de los que aseguran
que hay que ser puros, puros, puros.
La pureza de los que nunca tuvieron blenorragia.
La pureza de la mujer que nunca lamió un glande.
La pureza del hombre que nunca succionó un clítoris.
La pureza de la que nunca parió.
La pureza del que no engendró nunca.
La pureza del que se da golpes en el pecho, y
dice santo, santo, santo,
cuando es un diablo, diablo, diablo.
En fin, la pureza
de quien no llegó a ser lo suficientemente impuro
para saber qué cosa es la pureza.

Punto, fecha y firma.
Así lo dejo escrito.

 

 

Digo que não sou um homem puro


Não vou lhe dizer que sou um homem puro.
Entre outras coisas
resta saber se o puro de fato existe.
Ou se é, digamos, necessário.
Ou possível.
Ou se tem gosto bom.
Acaso você já provou a água quimicamente pura,
a água de laboratório,
sem um grão de terra ou de esterco,
sem o pequeno excremento de um pássaro,
a água feita apenas de oxigênio e hidrogênio?
Puá! que porcaria.

Não lhe digo, pois, que sou um homem puro,
não lhe digo isso, mas bem o contrário.
Que amo (às mulheres, naturalmente,
pois meu amor pode dizer seu nome),
e gosto de comer carne de porco com batatas,
e grão-de-bico e chouriço, e
ovos, frango, carneiro, peru,
peixe e mariscos,
e bebo rum e cerveja e aguardente e vinho,
e fornico (inclusive com o estômago cheio).
Sou impuro, o que quer que lhe diga?
Completamente impuro.

No entanto,
creio que há muitas coisas puras no mundo
que não são mais que pura merda.
Por exemplo, a pureza da virgindade nonagenária.
A pureza dos noivos que se masturbam
em vez de se deitarem juntos numa pousada.
A pureza dos internatos, onde
abre suas flores de sêmen provisional
a fauna pederasta.
A pureza dos clérigos.
A pureza dos acadêmicos.
A pureza dos gramáticos.
A pureza dos que asseguram
que devemos ser puros, puros, puros.
A pureza dos que nunca tiveram blenorragia.
A pureza da mulher que nunca lambeu uma glande.
A pureza do homem que nunca sugou um clitóris.
A pureza daquela que nunca pariu.
A pureza daquele que nunca procriou.
A pureza daquele que se dá golpes no peito, e
diz santo, santo, santo,
quando é um diabo, diabo, diabo.
Enfim, a pureza
de quem não chegou a ser suficientemente impuro
para saber o que é a pureza.

Ponto, data e assinatura.
Assim o deixo escrito.

 

Tradução: Marcelo Tápia

  *

Nicolás Guillén, poeta cubano, nascido em Camaguey, em 1902, e morto em Havana, em 1989,  é considerado um dos expoentes da poesia hispano-americana e da poesia negra do século XX. Tido como o "poeta nacional de Cuba" em seu país, dedicou grande parte de sua obra a temas sociais; militante comunista, participou ativamente do processo revolucionário cubano, tendo sido eleito presidente da Unión Nacional de Escritores y Artistas de Cuba, cargo em que permaneceu até sua morte. Em sua produção literária - iniciada no âmbito do pós-modernismo e da vanguarda da década de 20 - costuma-se distinguir três vertentes: a poesia mulata (na qual reelabora ritmos, léxico e formas expressivas da fala e da canção cubanas), a poesia político-social e a poesia de raiz folclórica. Publicou, entre outros, os livros: Motivos del son (1930), Poemas mulatos (1931), Cantos para soldados y sones para turistas (1937), La paloma de vuelo popular (1958), Elegias (1958), Poemas de amor (1964), Tengo (1964), El gran zôo (1967) e La rueda dentada (1972).

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