ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 RADOVAN IVSIC
 

 

SONHEI

 

 

1

Só, completamente só, caminho sobre uma nuvem. Minhas pernas são acariciadas por uma relva tão transparente que não a vejo. Estou maravilhado pelo silêncio. Tomo um pouco d’água escura e transformo a nuvem numa jovem que amo loucamente até a minha morte, na solidão.

 

2

            Estamos sentados na beira de um rio, ela e eu. Ela me fala, e o murmúrio de suas palavras torna-se uma nuvem de cerejas que se pousa sobre meus cílios. Respiro calmamente e penetro nas imagens que ela teria desejado esconder de mim. Ela ri, depois pega uma montanha e a  pousa sobre meus lábios, entre nossos beijos.

 

3

Viro-me, vejo o mar de uma cor indeterminada e três conchas vermelhas. De um cipreste sai um cervo. De seu olhar tranqüilo brotam avencas numa angra. Ajoelho-me para colher um pouco da relva escondida entre os seixos. Espero o cervo adormecer. Quando o vejo chorar lágrima após lágrima, cravo-lhe a relva entre os galhos. Uma jovem azul sai-lhe da cabeça e por inteiro tremo com os beijos nus que ela deposita sobre minhas pálpebras. Com um supremo esforço, abro os olhos para quebrar o segredo, mas uma lâmina de onda negra o arrebata e choro toda a noite no vento, frio. 

 

4

 

Esta floresta é clara como seda. Um esquilo branco flui caudaloso nas ramagens e me traz a primavera desvairada. Pergunto-me se é preciso esperar até que o amor ecloda o galho morto da esperança ou se não seria preferível partir em direção à praia, entrar furtivamente na água e nadar amplamente até o alto mar, tão novo. Gostaria de andar, mas sinto que não tenho mais pernas. Tornei-me uma árvore e tenho folhas. Estou a ponto de brotar e rio, mas não é mais um riso, é o murmúrio ameaçador da minha nova folhagem. Deveria me preparar para o amor mas torno a me fechar e nado em direção ao sono.

 

5

            As cores me circulam e me sublevam. O que vejo então não é mais nem uma árvore, nem uma montanha, nem um camaleão, nem um arco-íris, nem o dia. De todos os lados, as flores nascentes me fixam, vêm e desaparecem por trás de minhas pálpebras, por trás de minha obscuridade. Banho-me com as algas nuas, e uma só vaga poderia fazer cintilar o pesado anel da tranqüilidade. O silêncio se espalha como uma onda em torno da pedra caída num lago imóvel, largo, onde nem mesmo o eco pode salvar o passado. Em meu olho alguma coisa se mexe como o jogo jocoso dos seixos da torrente e depois há a árvore como uma sombra que eu gostaria de visitar mas permaneço petrificado. Parece-me que não posso me mexer senão à maneira do girassol, seguindo o sol.

 

J’AI RÊVÉ

 

1

Seul, tout à fait seul, je me promène sur un nuage. Mes jambes sont caressées par une herbe si transparente que je ne la vois pas. Je suis émerveillé par le silence. Je prends un peu d’eau noire et je transforme le nuage en une jeune fille que j’aime follement jusqu’à ma mort, dans la solitude.

 

2

            Nous sommes assis sur la berge d’une rivière, elle et moi. Elle me parle, et le murmure de ses paroles devient un nuage de cerises qui se pose sur mes cils. Je respire calmement et je pénètre dans les images qu’elle aurait voulu me cacher. Elle rit, puis elle prend une montagne et la pose sur mes lèvres, entre nos baisers.

 

3

Je me retourne, je vois la mer d’une couleur indéterminée et trois coquillages rouges. D’un cyprès sort un cerf. De son regard tranquille poussent des fougères dans une crique. Je m’agenouille pour cueillir de l’herbe cachée entre les cailloux. J’attends que le cerf s’endorme. Quand je le vois pleurer larme après larme, je lui enfonce l’herbe entre les bois. Une jeune fille bleue sort de sa tête et tout entier je tremble des baisers nus qu’elle dépose sur mes paupières. Avec un suprême effort, j’ouvre les yeux pour briser le secret, mais une lame noire l’emporte et je pleure toute la nuit dans le vent, froid.

 

4

Cette forêt est claire comme de la soie. Un écureil blanc ruisselle dans les ramures et m’apporte le printemps hagard. Je me demande s’il faut attendre jusqu’à ce que l’amour éclose le bois mort de l’espoir ou s’il ne serait pas préférable de partir vers le rivage, entrer furtivement dans l’eau et nager amplement vers la haute mer, toute neuve. Je voudrais marcher, mais je sens que je n’ai plus de jambes. Je suis devenu un arbre et j’ai des feuilles. Je suis en train de pousser et je ris, mais ce n’est plus un rire, c’est le murmure menaçant de mon nouveau feuillage. Je devrais me préparer à l’amour mais je me referme et je nage vers le sommeil.

 

5

 

            Les couleurs m’encerclent et me soulèvent. Ce que je vois alors ce n’est plus ni un arbre, ni une montagne, ni un lézard, ni l’arc-en-ciel, ni le jour. De tous côtés, les fleurs naissantes me fixent, viennent et disparaissent derrière mes paupières, derrière mon obscurité. Je me baigne avec les algues nues, et une seule vague pourrait faire éclater le lourd anneau de la tranquillité. Le silence se répand comme une onde autour de la pierre tombée dans un lac immobile, béant, où pas même l’écho ne peut sauver le passé. Dans mon oeil quelque chose bouge comme le jeu joyeux des cailloux du torrent et puis il y a l’arbre comme une ombre que je voudrais visiter mais je reste pétrifié. Il me semble que je ne peux bouger qu’à la manière du tournesol, en suivant le soleil.

 

 

 

METEOROS

 

1

 

            Sombria, ela está no vazio. Seu dedo desperta, hesita, depois torna-se peixe. Todo seu corpo se alumia. É o nevoeiro, diz para si mesma.

 

2

 

            Pesada, no turbilhão, ela é apenas uma ferida. Um grito entreabre sua boca mas os dedos de seus pés são borboletas e alçam vôo. É o relâmpago, diz para si mesma.

 

3

 

            Vermelha, ela se assusta: não são mais as escamas que recobrem seu corpo mas os lábios tão pequenos, inumeráveis. Ela se envolve num lençol branco. É a neve, diz para si mesma.

 

4

 

            Trêmula, ela avança em direção ao abismo embora ela gostaria de fugir. Não é um abismo, é um abutre que se precipita em direção à ponta nua de seu seio. É a miragem, diz para si mesma.

 

5

 

            Citadina, ela tem o segredo para abrir as jaulas. Com o primeiro tigre, ela desce no metrô. Em pouco tempo, estão no deserto. As ampolas se apagam mas no escuro dois olhos verdes não tardarão a se iluminar. É o eclipse, diz para si mesma.

 

6

 

            Ofegante, ela atingiu o cume da mais alta falésia. De repente, atrás de um rochedo, ela percebe um olho e depois um outro: milhares de pupilas ávidas fixam-se sobre ela. Rápida, ela começa a se despir. Nua enfim, ela avança em direção à encosta abrupta, ervosa, e desce até a planície fazendo a roda. É o ciclone, diz para si mesma.

 

7

 

            Noturna, no musgo ela descobre as estrelas, os traços de um cervo e enfim uma fonte. Um arminho em fuga se esconde em sua axila. É o cometa, diz para si mesma.

 

8

 

Invejosa, ela vê o dorso de um desconhecido que se observa no espelho. Sob o travesseiro, ela pega um machado e o lança em direção à fria superfície para aniquilar sua profundidade enganosa. O desconhecido se desvia e a desfigura para ver sua nova imagem, talvez. Não. É o terremoto, diz para si mesma.

 

 

MÉTÉORES

 

1

 

            Sombre, elle est dans le vide. Son doigt s’éveille, hésite, puis devient poisson. Tout son corps s’éclaire. C’est le brouillard, se dit-elle.

 

2

 

            Lourde, dans le tourbillon, elle n’est qu’une plaie. Un cri entrouvre sa bouche mais ses orteils sont des papillons et ils s’envolent. C’est l’éclair, se dit-elle.

 

3

 

            Rouge, elle s’étonne : ce ne sont plus les écailles qui recouvrent son corps mais les lèvres toutes petites, innombrables. Elle s’enveloppe dans un drap blanc. C’est la neige, se dit-elle.

 

4

 

            Tremblante, elle avance vers le gouffre alors qu’elle voudrait s’enfuir. Ce n’est pas un gouffre, c’est un vautour qui se précipite vers la pointe nue de son sein. C’est le mirage, se dit-elle.

 

5

 

            Citadine, elle a le secret d’ouvrir les cages. Avec le premier tigre, elle descend dans le métro. Bientôt, ils sont dans le désert. Les ampoules s’éteignent mais dans le noir deux yeux verts ne tarderont pas à s’illuminer. C’est l’éclipse, se dit-elle.

 

6

 

            Haletante, elle a atteint le sommet de la plus haute falaise. Soudain, derrière un rocher, elle aperçoit un oeil et puis un autre: des milliers de prunelles avides sont fixées sur elle. Vite, elle commence à se déshabiller. Nue enfin, elle avance vers la pente abrupte, herbeuse, et descend vers la plaine en faisant la roue. C’est le cyclone, se dit-elle.

 

7

 

            Nocturne, dans la mousse elle découvre les étoiles, les traces d’un cerf et enfin une source. Une hermine en fuite se cache sous son aisselle. C’est la comète, se dit-elle.

 

8

 

Jalouse, elle voit le dos d’un inconnu qui s’observe dans le miroir. Sous l’oreiller, elle prend une hache et la lance vers froide surface pour anéantir sa profondeur trompeuse. L’inconnu se détourne et la dévisage pour voir sa nouvelle image, peut-être. Non. C’est le tremblement de terre, se dit-elle.

 

 

AVENTURA SKURJENI

 

 

A rede

das rotas

espreita

o viajante

na saída

da gruta

 

 

 

                            A  montanha : Para me              A  zebra : Os itinerários ? A

                           deslocar, não preciso de             rigor, façam-me deles um

                           ferradura.                                    manto.

 

                            A gaiola : Tal como esse                       O dragão : Nenhum

                            boêmio que teve medo                    barro das estradas sobre

                            e virou cantoneiro.                          meus calcanhares de ouro.

            

                            A vertigem : A mim o machado       A cereja : Eu não me

                            para cortar o polvo                          perco. Entro. Rirei

                           dos caminhos.                                 mais tarde.

 

12 de abril de 1961

 

 

 

AVENTURE SKURJENI

 

 

Le rets

des routes

guette

le voyageur

au sortir

de la grotte

 

 

                            La montagne : Pour me               Le zèbre : Les itinéraires ? À

                           déplacer, je n’ai pas besoin            la rigueur, faites-m’en un

                           de fer à cheval.                                manteau

 

                            La cage : Comme ce                       Le dragon : Aucune

                            bohémien qui eut peur                    boue des sentiers sur

                            et se fit cantonnier.                          mes talons d’or.

            

                            Le vertige : À moi la hache             La cerise : Je ne me

                            pour trancher la pieuvre                perds pas. J’entre. Je rirai

                            des chemins.                                 plus tard.

 

12 avril 1961

 

 

BRIONI

Para Annie

 

Os cervos são borboletas

as borboletas  são peixes

os peixes são claridade

a claridade é morte

a morte é laranja

a laranja é vulcão

o vulcão é feno

o feno é elefante

o elefante é afogamento

o afogamento é riso

o riso é montanha

a montanha é anel

o anel é solidão

a solidão é areia

a areia é roda

a roda é terremoto

o terremoto é cílios

os cílios são cascata

a cascata é bigorna

a bigorna é lembranças

as lembranças são vermelho

o vermelho é chicote

o chicote é fim

o fim é mel

o mel é nuvem

a nuvem é o infinito

o infinito é infinito

 

 

BRIONI

Pour Annie

 

Les cerfs sont papillons

les papillons sont poissons

les poissons sont clarté

la clarté est mort

la mort est orange

l’orange est volcan

le volcan est foin

le foin  est éléphant

l’éléphant est noyade

la noyade est rire

le rire est montagne

la montagne est anneau

l’anneau est solitude

la solitude est sable

le sable est roue

la roue est tremblement de terre

le tremblement de terre est cils

les cils sont cascade

la cascade est enclume

l’enclume est souvenirs

les souvenirs sont rouge

le rouge est fouet

le fouet est fin

la fin est miel

le miel est nuage

le nuage est l’infini

l’infini est infini

 

 

ECO DE BRIONI

Para Annie ainda

 

O carvão como a aurora

a aurora como o turbilhão

a turbilhão como o fogo

o fogo como a lágrima

a lágrima como o crescimento

o crescimento como a areia

a areia como a velocidade

a velocidade como a ferida

a ferida como a luz

a luz como o grito

o grito como o camaleão

o camaleão como a dor

a dor como o ar

o ar como o ouro

o ouro como a pedra

a pedra como o pensamento

o pensamento como o abismo

o abismo como o garrote

o garrote como o ovo

o ovo como a corrida

a corrida como a montanha

a montanha como o nado

o nado como o coração

o coração como o silêncio

o silêncio como o silêncio.

 

 

ÉCHO DE BRIONI

Pour Annie encore

 

Le charbon comme l’aube

l’aube comme le tourbillon

le tourbillon comme le feu

le feu comme la larme

la larme comme la pousse

la pousse comme le sable

le sable comme la vitesse

la vitesse comme la blessure

la blessure comme la lumière

la lumière comme le cri

le cri comme le lézard

le lézard comme la douleur

la douleur comme l’air

l’air comme l’or

l’or comme la pierre

la pierre comme la pensée

la pensée comme le gouffre

le gouffre comme le garrot

le garrot comme l’oeuf

l’oeuf comme la course

la course comme la montagne

la montagne comme la nage

la nage comme le coeur

le coeur comme le silence

le silence comme le silence.

 

Traduções : Éclair Antonio Almeida Filho

 


 

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Radovan Ivsic (Zagreb, 1921-2009) é um crítico-poeta-dramaturgo surrealista franco-croata, de uma poesia que poderíamos chamar de um surrealismo da natureza, da magia e do sonho. Seu primeiro livro - Narciso - publicado em 1943, numa tiragem de 100 exemplares, foi retirado imediatamente de circulação pela polícia titista da então Iugoslávia sob a acusação de arte subversiva. Ao ver o clima de terror e repressão que tomou conta do seu país, Ivsic resolveu imigrar em 1954 para a França, sendo recebido em Paris por Benjamin Péret. Lá toma parte nas atividades surrealistas organizadas por Breton. Após a morte de Breton em 1966, Ivsic passa a dirigir em seu lugar as Éditions Surréalistes. Dentre suas peças teatrais, destaca-se Le Roi Gordogan. Sua obra em francês encontra-se publicada em três volumes pela Gallimard: Poèmes, Théâtre e Cascades (volume de textos críticos).

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