ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 RŪMI


 

 

EU SOU TU


Sou as partículas de pó à luz do sol,
sou o círculo solar.
Ao pó digo: "não te movas",
e ao sol: "segue girando".

Sou a névoa da manhã
e a brisa da tarde.
Sou o vento da copa das árvores
e as ondas contra o penhasco.

Sou o mastro, o leme, o timoneiro e a quilha
e o recife de coral em que naufragam as embarcações.
Sou a árvore em cujo galho tagarela o papagaio,
sou silêncio e pensamento, e também todas as vozes.

Sou o ar pleno que faz surgir a música da flauta,
a centelha da pedra, o brilho do metal.
Sou a vela acesa e a mariposa
girando louca ao seu redor.
Sou a rosa e o rouxinol
perdido em sua fragrância.

Sou todas as ordens de seres,
a galáxia girante,
a inteligência imutável,
o ímpeto e a deserção.
Sou o que é
e o que não é.

Tu, que conheces Jalal-ud-Din
Tu, o Um em tudo,
diz quem sou.
Diz: eu sou
Tu.

 

A EVOLUÇÃO DA FORMA

 

Toda forma que vês

tem seu arquétipo no mundo sem-lugar.

Se a forma esvanece, não importa,

permanece o original.

 

As belas figuras que viste,

as sábias palavras que escutaste,

não te entristeças se pereceram.

 

Enquanto a fonte é abundante,

o rio dá água sem cessar.

Por que te lamentas se nenhum dos

dois se detém?

 

A alma é a fonte,

e as coisas criadas, os rios.

Enquanto a fonte jorra, correm os rios.

Tira da cabeça todo o pesar

e sorve aos borbotões a água deste rio.

Que a água não seca, ela não tem fim.

 

Desde que chegaste ao mundo do ser,

uma escada foi posta diante de ti,

para que escapasses.

Primeiro, foste mineral;

depois, te tornaste planta,

e mais tarde, animal.

Como pode ser isto segredo para ti?

 

Finalmente foste feito homem,

com conhecimento, razão e fé.

Contempla teu corpo; um punhado de pó

vê quão perfeito se tornou!

 

Quando tiveres cumprido tua jornada,

decerto hás de regressar como anjo;

depois disso, terás terminado de vez com a terra,

e tua estação há de ser o céu.

 

Passa de novo pela vida angelical,

entra naquele oceano,

e que tua gota se torne o mar,

cem vezes maior que o Mar de Oman.

Abandona este filho que chamas corpo

e diz sempre Um; com toda a alma.

Se teu corpo envelhece, que importa?

Ainda é fresca tua alma.

 

 

A LUA EM TABRIZ

 

“Com a maré da manhã surgiu no céu uma lua.

de lá desceu e fitou-me.

 

Como o falcão que arrebata o pássaro,

essa lua agarrou-me e cruzou o céu.

Quando olhei para mim, já não me vi:

naquela lua meu corpo se tornara,

Por graça, sutil como a alma.

 

Viajei então em estado de alma

e nada mais vi senão a lua,

até que o segredo do saber divino

me foi por inteiro revelado:

as nove esferas celestes fundiram-se na lua

e o vaso do meu ser dissolveu-se inteiro no mar.

 

Quando o mar quebrou-se em ondas,

A sabedoria divina lançou sua voz ao longe.

Assim tudo ocorreu, assim tudo foi feito.

 

Logo o mar inundou-se de espumas,

e cada gota de espuma

tomou forma e corpo.

 

Ao receber o chamado do mar,

cada corpo de espumas se desfez

e tornou-se espírito no oceano.

 

Sem a majestade de Shams de Tabriz

Não se poderia contemplar a lua

Nem tornar-se mar.”

 

Do livro Poemas místicos, Diwan de Shams de Tabriz.

 

 

Seleção e tradução: José Jorge de Carvalho.

 

 



 

*

Rumi nasceu na cidade de Bahl, hoje Afeganistão, na época uma província persa em 30/09/1207. Desde menino teve contato com muitos sufis eruditos da época viajou bastante. Seu nome está associando à Anatólia romana onde viveu muito tempo (Konya); era chamada pelos turcos do sultanato Seljúcida, de terra de Rum, referência ao império romano do Ocidente, o império bizantino. A Anatólia recebia muitos persas orientais abalados com as invasões mongóis. Apesar de passar a maior parte da sua vida na Turquia, sempre escreveu em persa. Tornou-se professor muito popular e tinha como alunos todo tipo de gente.

 

Aos 37 anos (1244) conheceu Shams de Tabriz. O afeto e cumplicidade espiritual entre ambos marcou sua poesia e a história do sufismo. Rumi desenvolveu o Sama (que teria praticado com Shams), uma dança extática em que os derviches giram em torno de si, imitando o movimento de rotação e translação dos planetas. Depois da morte de Rûmi seu filho Walad formalizou a ordem MAVLEVI dos derviches giradores.

 

A importância de Rumi transcende os conceitos de nacionalidade e etnia. Sua presença é marcante na literatura persa, turca e em na Ásia Central. Seus poemas são amplamente conhecidos e traduzidos em vários idiomas.

 

Rumi é autor de obra impar entre as quais se destacam: Os Poemas Místicos, Divan de Shams de Tabriz contém 3230 gazéis e cerca de 2000 rubaiyyat. É a maior coleção de poemas místicos jamais escrita. O Masnavi, tratado filosófico-teológico, conta com 6 livros com textos diversos: passagens corânicas, alegorias, sermões. Com 25 mil versos é um dos grandes textos espirituais, conhecido na tradição sufi como o Alcorão Persa.

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