SAADI DE SHIRAZ
Um dia, caí sobre um punhado de argila perfumada,
Vinda do meu Amado.
Inebriado pelo perfume, perguntei:
“Es almíscar ou âmbar gris?”
A argila respondeu:
Não passo de um mero punhado de argila,
Mas associei-me a uma rosa.
A virtude da minha companheira
Exerceu sobre mim sua influência,
Embora eu permaneça
A mesma argila que sempre fui.
Uma noite chorava eu amargamente minha vida desperdiçada, e decidi, enfim, renunciar aos prazeres absurdos e ao tempo perdido. Ficar sentado a um canto, surdo e mudo, vale mais que ser escravo de uma língua indomável. Veio um amigo e tentou levar-me para os prazeres da cidade, mas recusei. Disse-me ele, então:
Enquanto ainda possuis
O poder da palavra,
Utiliza-o no regozijo e na alegria!
Amanhã quando vier o anjo da morte,
Não terás outra escolha senão o silêncio.
Mais tarde fomos passear nos jardins. Ele colhia flores e eu lhe disse: “não há permanência nas flores; o que não dura não merece devoção. Ele perguntou: “O que devo fazer” Respondi: “Vou compor um livro, O jardim das Rosas, que não perecerá”.
Leva uma rosa do jardim,
Ela durará alguns dias.
Leva uma pétala do meu Jardim das Rosas,
Ela durará a Eternidade.
Conto 1, do Livro IV – Das vantagens do silêncio
Conversando com um amigo, eu lhe disse: “Calo-me deliberadamente, pois parece-me que o bem e mal vêm sobretudo da palavra e que nossos inimigos se apegam ao mal”. Ele respondeu: “O maior inimigo é aquele que não vê o bem”.
O homem perverso, ao ver o homem piedoso,
Trata-o como insolente mentiroso.
Para aquele que cultiva preconceitos,
O mérito é um grande defeito.
Saadi é uma rosa; mas é um espinho
Aos olhos dos seus inimigos.
O sol que ilumina o mundo
É detestável aos olhos da toupeira.
Conselho 110, do Livro VIII – Da conquista da sociedade
Perguntaram a um sábio: “Deus criou várias espécies diferentes de árvores e as fez carregarem-se de frutos e multiplicaram-se. Entretanto, nenhuma delas é chamada ‘livre’ como o cipreste. Qual a razão?” Ele respondeu: “Toda árvore floresce, dá frutos e seca segundo as exigências das estações, salvo o cipreste, que está sempre verde e fresco: tal é condição daquilo que é livre”.
Não ates teu coração a valores transitórios.
Por muito tempo depois dos califas,
O tigre continuará a correr em Bagdá.
Se podes, sê generoso como a tâmara;
Se não podes, então sê como o cipreste: livre.
Traduções: Rosangela Tibúrcio, Beatriz Vieira, Sergio Rizek, a partir da versão de Omar Ali-Shah.
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Muslih-ud-Din Mushri-ibn-Abdullah, é natural de Shiraz, de onde saiu cedo para estudar ciências e literatura árabe em Bagdá. Depois da invasão mongol viajou pela Anatólia, Síria, Egito, China, Turquia, Marrocos e Iraque e conviveu com os sobreviventes. Contam que se reunia até altas horas com gente simples como granjeiros, comerciantes, religiosos, mendigos sufis e mesmo ladrões. Na volta à Shiraz, foi muito bem recebido e aí adotou o nome literário de Saadi, homenagem ao príncipe que lhe acolheu: Atabak Abubakr Sa'd ibn Zangy (1231-60). Ai começou a compor os mais belos versos panegíricos (poemas elogiosos) que futuramente, fizeram parte da sua obra “Bostan”. Pertencia à confraria sufi Naqshibandi, onde foi reverenciado como mestre da filosofia mística da Rosa. Escreveu em persa e também em árabe. As obras mais conhecidas são “Guslistan”, O jardim de rosas (1258) e “Bostan”, O horto. Gulistán está escrito em grande parte em prosa; trata-se de histórias, aforismos, advertências e reflexões bem humoradas, intercaladas de poemas curtos (contem marcas das viagens que fez). Bostan está escrito inteiramente em verso, de rima épica, cujas historias valorizam as virtudes como a justiça, a liberdade, modéstia. Saadi se destacou como um grande criador de panegíricos e de obras líricas. A mescla singular entre cortesia e cinismo, humor e resignação, faz com que Saadi seja lembrado como um dos escritores mais encantadores da cultura persa. |