ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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SÍLVIA HÄRRI

 

MESSÈNE  

Dans ce désert d'aridité
l'olivier décharné
attise nos pas brûlants.
Sous le soleil de Laconie
la lumière est si blanche
qu'on se croirait pétri de brouillard.

 

MICENAS 

Nesse deserto de aridez
a oliveira descarnada
atiça nossos passos acesos.
Sob o sol da Lacônia
a luz é tão branca
que se acreditaria moldada pela neblina.

 

BRÈVES

L'existence en friche
je débord et ne sais que faire
de tout ce tumulte. 

A court de voix
comment peux-tu dire
l'étendue du malaise?

 

BREVES

A existência sozinha
eu derivo e não sei o que fazer
de todo esse tumulto. 

Com tão pouca voz,
como podes dizer
a extensão do mal-estar?

 

AIGRE-DOUX 

Elle bouffe, elle s'empiffre, elle se gave.
Comme animal traqué
elle dévore
plus vite que la comète
à la voracité qui jamais
ne rassasie.
Ele em veut plus.
Sa pitance jamais
ne lui suffit.
Fébrile,
elle attend
l'augure amer
de la déliverance.
Orageusement
elle espère
la prophétie
du corps las. 

De l'excés de douceur
on peut mourir aussi.

 

AGRIDOCE 

Ela bufa, ela se empanturra, ela engorda.
Como animal acuado
devora
mais rápido que um cometa
a fome que nunca
sacia.
Ela deseja mais.
Sua ração jamais
lhe basta.
Febril,
aguarda
o áugure amargo
da libertação.
Tempestuosamente
espera
a profecia
do corpo lasso. 

Do excesso de doçura
pode-se morrer também.

 

ITHAQUE 

                                                       à Maurizio 

Au Palais d'Ulysse dort um chévrier.
A grand peine quelques bribes mycéniennes
bataillent contre l'anarchie des herbes folles
et comme brebis égarées bêlent de solitute. 

- Où est passé Ulysse?
- Il n'est pas revenu et sa demeure tombe en ruine.
- Et Pénélope?
- Je suis sûre qu'elle ne l'a pas atendu.
- Et Télémaque?
- A force d'attendre, il a fini par oublier le visage de
son père. 

Au Palais d'Ulysse dort un chevrier.
Il se fout bien de la ruse de son suzerain
et de la nostalgie du retour.
De tels voyages on ne revient point.

 

ÍTACA

                                                       a Maurizio

No Palácio de Ulisses dorme um pastor.
A custo algumas migalhas micênicas
lutam contra a anarquia do mato
e como ovelhas desgarradas balem de solidão. 

- Onde tem andado Ulisses?
- Ele não voltou e sua demora muda em ruína.
- E Penélope?
- Estou certo de que não o esperou.
- E Telêmaco?
- De tanto esperar, acabou por esquecer o rosto
do pai. 

No Palácio de Ulisses dorme um pastor.
Não se importa com a astúcia de seu suserano
e a nostalgia do retorno.
De tais viagens não se volta nunca.

 

A TÂTONS

Se heurter aux arêtes du labyrinthe
mâcher et remâcher les mêmes pas
sans relâche, en silence
mais le fil d'Ariane est dans ta poche
et ta voix n'a jamais quitté ta gorge.

 

ÀS CEGAS

Ferir-se nas arestas do labirinto
fazer e refazer os mesmos passos
sem descanso, em silêncio
mas o fio de Ariana está em teu bolso
e tua voz nunca abandonou a garganta.

 

PÉNÉLOPE  

Ce matin je suis Penélope
et je démêlerai
jour après jour
mon écheveau enchevêtré.

De mes doigts gourds
je détisserai
tous les nouds de mon attente
dans la liberté infinie de ne plus t'aimer. 

 

PENÉLOPE 

Essa manhã nasci Penélope
e desenredarei
dia após dia
minha emaranhada meada. 

Com meus dedos dormentes
desfarei
todos os nós da espera
na liberdade infinita de não mais te amar.


*

Traduções: Fernando Fábio Fiorese Furtado

*

Silvia Härri nasceu em Genebra (Suíça) em 1975, cidade onde mora. Formou-se em Literatura Italiana e História da Arte. Bilíngüe, a autora tem uma dupla formação cultural, francesa e italiana.Atualmente trabalha como professora num colégio da mesma cidade. Alguns dos poemas que compõem o livro Sur le fil foram publicados em revistas literárias da França.

*

 

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[REVISTA ZUNÁI- ANO III - Edição XII - MAIO 2007 ]