ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 T. S. ELIOT



 

 

THE WASTE LAND / A TERRA ARRUINADA

 

 

 

Nam Sibyllam quidem Cumis ego ipse

Oculis meis vidi in ampulla pendere,

Et cum illi pueri dicerent: Σίβυλλα τι θέλείς

Respondebat illa : αποθανειν θελω.

 

A Ezra Pound

Il miglior fabbro

 

 

Abril é o mês mais cruel, fecundando

Lilases em uma terra morta, misturando

Memória e desejo, agitando

Raízes sombrias com a chuva da primavera.

O Inverno nos aquece, cobrindo

Terra sobre a neve esquecida, alimentando

Uma vida mínima com tubérculos secos.

O Verão nos surpreendeu, vindo sobre Starnbergersee

Em uma pancada de chuva; nós paramos entre as colunas

E atravessamos sob a luz do sol, para Hofgarten,

E bebemos café, e conversamos por um tempo.

Bin gar Keine Russin, stamm’aus Litauen, echt deutsch

E quando éramos crianças, hospedados na casa do arquiduque,

Meu primo, ele me levou de trenó,

E eu estava apavorada. Ele disse, Maria,

Maria, segura firme. E fomos descendo.

Nas montanhas, onde se sente livre.

Eu leio, muito à noite, e vou para o sul no inverno.

 

            Quais são as raízes que agarram, quais galhos crescem

Desse entulho petrificado? Filho do homem,

Não podes dizer, ou supor, porque apenas conheces

Uma pilha de imagens quebradas, onde o sol bate,

E onde a árvore morta não abriga, o grilo não consola,

E a pedra seca não jorra sua água. Há

Apenas sombra sob essa rocha rubra,

(Venha para baixo da sombra dessa rocha rubra)

E eu te mostrarei algo diferente da

Tua sombra pela manhã alongando-se atrás de ti, ou de

Tua sombra ao entardecer nascendo ao teu encontro

 

Eu te mostrarei medo em um punhado de pó

 

                                   Frisch weht der Wind

                                   Der Heimat zu

                                   Mein Irisch Kind

                                    Wo weilest du?

 

‘Tu me destes jacintos há um ano,

‘Eles me chamavam de menina dos jacintos.’

-  E quando voltamos, tarde, do jardim dos jacintos

Teus braços carregados, teu cabelo úmido, eu não podia

Falar, meus olhos se turvaram, eu não estava

Vivo ou morto, e de nada sabia,

Olhando ao coração da luz, o silêncio.

Oed’ und leer das Meer.

 

            Madame Sosostris, famosa cartomante,

Esteve muito gripada; não obstante,

É conhecida como a mulher mais sábia da Europa,

Com seu malévolo baralho. Aqui, ela disse,

Está tua carta, o afogado Vendedor Fenício,

(Estas são as pérolas que foram os seus olhos. Veja!)

Aqui está Beladona, a Madona das Rochas,

A senhora das situações.

E aqui o homem das três estacas, e aqui a Roda

E aqui o mercador caolho, e esta carta,

Que está em branco, é algo que ele carrega em suas costas,

Que estou proibida de ver. E eu não encontro

O Enforcado. Tema morte por água.

Eu vejo multidões, andando em círculos.

Obrigada. Se encontrar a querida Sra. Equitone,

Diga a ela que eu mesma levarei o horóscopo:

Devemos ter muito cuidado nesses tempos.

 

            Cidade Irreal

Coberta por névoa marrom em um amanhecer de inverno,

A multidão se espalhava sobre London Bridge, tantos,

Nunca pensei que a morte liquidara tantos.

Suspiros, curtos e esparsos, eram exalados,

E todos tinham os olhos fixos no chão.

Espalhava-se sobre a colina e abaixo de King William Street,

Até onde Snt Mary Woolnoth dava as horas

Com sons surdos e o toque final das nove.

Então encontrei um conhecido, e o chamei chorando: ‘Stetson!’

‘Você esteve comigo nos navios em Mylae!’

‘Aquele cadáver que você plantou ano passado no jardim,

‘Já começou a germinar? Vai florescer esse ano?

‘Ou a geada súbita corrompeu seu leito?

‘Oh, afasta o Cão, este fiel amigo,

‘Ou com suas unhas outra vez ele cavará o seu jazigo!

‘You! hypocrite lecteur!- mon semblable,- mon frère!’

 

 

 

 

 

 

 

II. Uma Partida de Xadrez

 

O assento em que ela se sentou, como um trono reluzente,

Brilhava sobre o mármore, onde o espelho,

Sustentado em estandartes cobertos por parreiras

De onde um Cupido dourado espiava

(Um outro ocultou seus olhos atrás das asas)

Fazia dobrar as chamas do candelabro de sete braços,

Refletindo a luz sobre a mesa enquanto

As joias dela brilhavam ao encontro da luz,

Surgindo de cofres aveludados, elevavam-se em rica profusão.

Frascos de marfim e vidros coloridos

Destampados, dispersavam os perfumes sintéticos dela,

Unguentos em pó ou líquidos – confundiam

E afogavam os sentidos em aromas; espalhados pelo ar

Refrescante da janela, que ascendiam,

Que avolumam as chamas alongadas,

Atiram sua fumaça em laquearia,

Agitando a estampa do teto decorado.

Imensas madeiras-do-mar cobertas de cobre,

Queimadas de verde e laranja, adornadas pela pedra colorida,

Em cuja luz melancólica nadava um golfinho esculpido.

Sobre a antiga lareira se encenava,

Como uma janela que permite ver a paisagem silvestre,

A metamorfose de Filomela pelo bárbaro rei

Tão rudemente violada; ainda o rouxinol cobre

Todo o deserto com sua voz inviolável,

E ainda ela pranteia, e ainda corre o mundo,

‘Jug Jug’  para ouvidos imundos.

E outros tocos mutilados do tempo,

Foram cantados além dos muros; observando formas para fora

Lançadas, lançando, cobrindo de silêncio a sala trancada.

Passos lentos ressoavam na escada.

Sob a luz do fogo, sob um pente, os cabelos dela

Espalhavam-se em pontos rubros

Brilhavam em palavras, selvagemente silenciadas.

 

            ‘Estou mal dos nervos essa noite. Sim, mal. Fica comigo.

Fala comigo. Por que você nunca fala. Fala.

O que você está pensando? Que pensando? Que?

Eu nunca sei o que você está pensando. Pensa.’

 

            Acho que estamos na toca dos ratos

Onde os mortos perderam os ossos.

 

            ‘Que barulho é esse?’

                                       O vento debaixo da porta.

‘E agora? Que barulho é esse? O que o vento está fazendo?’

                                        Nada mais uma vez nada.

                                                                        ‘Você

Sabe de alguma coisa? Vê alguma coisa? Se lembra de

 

Alguma coisa?

 

 

                        Eu lembro

Das pérolas que foram os seus olhos.

‘Você está vivo ou não?  Você não tem nada na cabeça?’

                                                         Mas

O O O O esse Rag Shakesperiano

É tão elegante

Tão inteligente

‘O que eu vou fazer agora? O que eu vou fazer?

Eu vou correr para fora como sou, e sair na rua

Com o cabelo solto, também. O que vamos fazer amanhã?

O que vamos fazer para sempre?’

                                                                     Uma água morna às dez.

E se chover, um carro coberto às quatro.

E vamos jogar uma partida de xadrez,

Apertando olhos sem pálpebras e esperando uma batida na porta.

 

            Quando o marido da Lil foi dispensado, eu disse –

Eu não medi minhas palavras, eu mesma disse pra ela,

DEPRESSA POR FAVOR É TARDE

Agora que o Alberto está de volta, vê se se arruma,

Ele vai querer saber o que você fez com aquele dinheiro que ele te deu

Pra você arrumar os dentes. Ele te deu, eu vi.

Arranca eles todos, Lil, e compra uma dentadura bem- feita,

Ele disse, eu te juro, eu não consigo olhar pra você desse jeito.

E nem eu consigo, eu disse, e pense no coitado do Alberto,

Ele ficou quatro anos no exército, ele quer se divertir,

E se você não pode fazer, outras podem muito bem, eu disse.

Então é isso, ela disse. Algo assim, eu disse.

Então saberei a quem agradecer, ela disse, e me olhou profundamente.

DEPRESSA POR FAVOR É TARDE

Se você não gosta disso você pode seguir em frente, eu disse.

Outras podem pegar e ficar, se você não quer.

Mas se o Alberto sair fora, não vai ser por falta de aviso.

Você devia ter vergonha, eu disse, de parecer tão velha.

(E ela só tem trinta e um anos)

Eu não pude fazer nada, ela disse, com uma cara triste,

Foram aquelas pílulas pra abortar que eu tomei, ela disse,

(Ela já teve cinco filhos, e o pequeno Jorge acabou de morrer)

O doutor disse que ia ficar tudo bem, mas eu nunca mais fui

a mesma.

Você é uma tonta, de verdade, eu disse.

Bom, mas se o Alberto não te abandonar, de todo jeito, eu disse,

Pra que você se casou se não queria filhos?

DEPRESSA POR FAVOR É TARDE

Bom, no domingo o Alberto já estava em casa, eles jantaram

um pernil assado,

E eles me convidaram pra comer ainda

quente –

DEPRESSA POR FAVOR É TARDE

DEPRESSA POR FAVOR É TARDE

Bonoite Bill. Bonoite Lou. Bonoite May. Bonoite.

‘Té Té. Bonoite. Bonoite.

 

Boa noite, senhoras, boa noite gentis senhoras, boa noite,

       boa noite.

 

 

 

 

 

 

 

III. O Sermão do Fogo

 

A tenda do rio se rompeu; os últimos dedos das folhas

Agarram-se e afundam nas margens úmidas. O vento

Cruza a terra escura, despercebido. As ninfas

            se foram.

Doce Tâmisa, corre suave, até que eu termine meu canto.

O rio não suporta tais garrafas, papéis de sanduíche, lenços baratos,

Caixas de papelão, tocos de cigarros, ou qualquer

Outro resquício das noites de verão. As ninfas

            se foram.

E seus amigos, esperando a herança dos donos da Cidade;

Se foram, sem deixar contato.

Nas águas do Leman me sentei e derramei meu pranto...

Doce Tâmisa, corre suave, até que eu termine meu canto,

Doce Tâmisa, corre suave, eu não falo nem alto e nem tanto.

Mas às minhas costas ouço uma fria rajada

E o chacoalhar dos ossos, que sussurram suas risadas.

 

Um rato correu pela vegetação,

Rastejando seu tronco pequeno sobre as margens.

Enquanto eu pescava em um monótono canal,

Numa tarde de inverno, atrás do gasômetro,

Lembrei o acidente do rei meu irmão

E a morte do rei meu pai antes dele.

Corpos claros e nus na terra baixa e úmida.

Ossos reluziam, em um sótão baixo e seco,

Chacoalhados pelos ratos, ano a ano, em tal calabouço.

Porém às minhas costas de quando em quando ouço

Sons de buzinas e motores, que na primavera vão levar

Sweeney da Sra. Porter de volta ao lar.

Ó lua que ilumina a Sra. Porter

E  também sua filha

Elas lavam os pés na soda que brilha.

Et O ces voix d’enfants, chantant dans la coupole!

 

Twit Twit Twit

Jug jug jug jug jug jug

Tão rudemente violada

Tereu

 

            Cidade Irreal

Sob a fumaça escura de um meio-dia frio

Sr. Eugenides, o mercador de Smyrna

Barbado, e com o bolso cheio de passas,

C.i.f. London: documentos à vista,

Convidou-me em demótico francês

A um almoço no Cannon Street Hotel

Seguido de um fim de semana no Metropole.

 

Em hora violácea, quando os olhos e o corpo

Se erguem das mesas, quando a máquina humana espera

Como um táxi pulsando e esperando,

Eu, Tiresias, cego, pulsando entre duas vidas,

Velho e de tetas enrugadas, vejo em hora clara

O entardecer que conduz por avenidas 

O mercador, vindo da orla, enquanto a datilógrafa prepara

Sua casa à hora do chá, e joga fora as sobras, acende

O forno, esquenta a comida enlatada. 

Periculosamente expostas, à janela,

Roupas são secas pelos últimos raios de sol,

E depois dobradas no divã (a cama dela),

Meias, camisolas, sutiãs, sobre o lençol.

Eu, Tiresias, velho de tetas enrugadas,

Olhava a cena e previ o que fora arranjado –

Também esperava o homem convidado.

Ele, um jovem bexiguento, chegou,

Um vendedor de loja, rude e salafrário,

Um mesquinho em quem a presunção assenta

Como a cartola que em Bradford adorna um milionário.

O momento é propício, ele calcula,

O jantar acabou, ela está exausta e entediada,

Com a intenção de envolvê-la em carícias

Que não foram repelidas, se não eram desejadas.

Corado e decidido, ele a ataca com malícia;

Mãos exploradoras não encontram barreiras;

O vaidoso não precisa da correspondência,

Pois se contenta com a nula resistência.

(E eu, Tirésias, já havia sofrido

O que foi nesse divã ou cama encenado

Eu que me sentei sobre Tebas sucumbida

E que caminhei entre os mortos mais rebaixados.)

Concede-lhe um último beijo paternal,

E tateou para sair, encontrando as escadas na penumbra...

 

Ela se vira e olha o espelho por um momento,

Quase esquecendo o amante que se foi;

Seu cérebro esboça um difuso pensamento:

‘Bom, agora acabou: e me alegro do fim.’

Depois de se entregar, uma bela mulher caminha

Pelo quarto, sozinha,

Acaricia os cabelos com mão automática,

E põe um disco na vitrola. 

 

‘Essa música ondulou em mim sobre as águas’

E ao longo de Strand, acima da Queen Victoria Street.

Ó Cidade cidade, às vezes posso ouvir

Ao lado de um bar na Lower Thames Street

O agradável lamento do bandolim,

E um ruído e um rugir em outro botequim

Onde os pescadores descansam, durante o almoço:

Nos muros da Magnus Martyr é sustentado

Inexplicável esplendor jônio, branco e dourado.

 

            O rio transpira

            Óleo e alcatrão

            Os barcos deslizam

            Ao ritmo da maré

            Velas rubras

            Selvagens

            No sentido do vento, 

            Os barcos flutuam

            Toras deslizantes

            Abaixo de Greenwich vão

            Além da Ilha dos Cães

                                   Weialala leia

                                   Weialala leialala

 

            Elizabeth e Leicester

            Movendo remos

            A popa era

            Concha lavrada

            Vermelho e ouro

            A maré veloz

            Ondulava sobre as margens

            Vento sudoeste

            Faz descer o riacho

            O soar dos sinos

            Torres brancas

                                   Weialala leia

                                   Weialala leialala

 

            ‘Árvores empoeiradas e bondes.

            Highbury me criou. Richmond e Kew

            Arruinaram-me. Em Richmond sucumbi

            De joelhos sobre uma canoa estreita.’

 

            ‘Meus pés estão em Moorgate, e meu coração

            Sob meus pés. Depois do que houve, ele

            Chorou. Prometeu “começar de novo”.

            Nada lhe respondi. Por que ressentir-me?’

 

            ‘Nas areias de Margate.

            Eu relaciono

            Nada com nada.

            Unhas quebradas de mãos imundas.

            Meu povo humilhado povo que espera

            Nada.’

                       la la

 

            A Cartago então eu vim

 

 

            Queimando queimando queimando queimando

            Ó Senhor tu me salvaste de tal lugar     

            Ó Senhor tu me salvaste

 

 

            queimando

 

 

 

 

 

 

 

IV. Morte por água

           

Flebas, o fenício, morto há quinze dias,

Esqueceu o lamento das gaivotas, e a maré do mar profundo,

E as perdas, e os ganhos.

 

                                               Uma corrente submarina

Tomou seus ossos aos sussurros. Enquanto ele se elevava e caía,

Pensava nas fases de sua maturidade e juventude,

Entrando no torvelinho.

 

                                               Pagão ou judeu

Ó tu que conduzes o leme e observas o barlavento

Recorda Flebas, que um dia foi belo e ilustre como

tu.

 

 

 

 

 

 

 

V. O que disse o trovão

 

            Após a tocha de fogo sobre rostos suados

Após o silêncio congelado dos jardins

Após a agonia em lugares de pedra

Os gritos e os prantos

Prisão e palácio e reverberação

Do trovão da primavera em distantes montanhas

Ele que vivia hoje está morto

Nós que vivíamos hoje morremos

Com resquícios de paciência

 

            Aqui não tem água mas só rocha

Rocha e não água e a estrada arenosa

A estrada tortuosa sobre as montanhas

Que são montanhas de rocha sem água

Se tivesse água íamos parar e beber

Entre as rochas não se pode parar nem beber

Suor seco e pés na areia

Se tivesse só água entre as rochas

Com uma boca morta de dentes cariados que não pode cuspir

Aqui não se pode nem parar nem deitar nem sentar

Não tem nem silêncio nas montanhas

Mas trovão seco e estéril sem chuva

Não tem nem solidão nas montanhas

Mas caras ranzinzas que rosnam e riem

De portas de casas fissuradas

                                               Se tivesse água

            E não rocha

            Se tivesse rocha

            E também água

            E água

            A primavera

            Uma poça entre a rocha

            Se tivesse só o som da água

            Não a cigarra

            E a grama seca cantando

            Mas som de água sobre a rocha

            Onde o sapo eremita canta nos pinheiros

            Drip drop drip drop drop drop drop

            Mas não tem água

 

            Quem é este terceiro que anda sempre a seu lado?

Quando conto só há você e eu, juntos,

Mas quando olho acima da estrada branca

Há sempre um a mais andando a seu lado

Suavemente envolto em um manto escuro, encapuzado

Não sei se um homem ou uma mulher,

 - Mas quem é esse que caminha do outro lado?

 

            O que é esse som alto no ar

Murmúrio de lamentação maternal

Que hordas encapuzadas são essas que avançam

Sobre planícies infinitas, cambaleando em terra fissurada

Circulando apenas no horizonte estreito

Qual é a cidade acima das montanhas

Fissuras e reformas e explosões no ar violáceo

Torres caem

Jerusalém Atenas Alexandria

Viena Londres

Irreal

 

Uma mulher soltou seu longo cabelo negro

E dedilhou uma canção sussurrada

E morcegos com cabeças de bebês à hora violácea

Assoviavam, e batiam as asas assombradas

E rastejavam para baixo do rebaixado muro negro

E rodopiavam no ar onde torres

Soavam os sinos remanescentes, perpetuando as horas

E vozes cantando de cisternas vazias e poços

     exaustos.   

 

            Nesse buraco decaído entre as montanhas

Nesse luar tênue, a grama canta

As tumbas sepultas, canta a capela

Existe uma capela vazia, apenas o vento entra.

Ela não tem janelas, e a porta balança,

Ossos úmidos não ferem ninguém.

Apenas o galo espera sobre a árvore seca

Co co rico co co rico

 

Ganga submergiu, e as folhas frágeis

Esperavam por chuvas, enquanto nuvens negras

Aglomeravam-se ao longe, sobre Himavant.

E a selva veio abaixo, coberta de silêncio.

Então disse o trovão:

D A

Datta: O que demos nós?

Meu amigo, sangue que treme o coração

A terrível ousadia de um momento de trégua

Que uma era de prudência jamais reparará.

Por isso, e por isso apenas, nós existimos

O que não consta em nossos obituários

Ou em memoriais erguidos pela aranha benéfica,

Ou sob brasões quebrados pelo esbelto corretor

Em nossos quartos vazios.

D A

Dayadhvam: Eu ouvi a chave

Girar na porta uma vez e girar uma vez só

Pensamos na chave, cada qual em sua prisão

Pensando na chave, cada um confirma sua prisão

Somente ao cair da noite, rumores pneumáticos

Ressuscitam por um momento um Coriolanus partido

D A

Damyata: O barco respondeu

Alegre, à mão experiente em navegações e remos

O mar estava calmo, seu coração responderia

Alegre, quando convidado, remando obediente

A mãos controladoras.

 

                                   Eu me sentei sobre a margem

Pescando, com a árida planície às minhas costas,

Deveria ao menos deixar minhas terras em ordem?

London Bridge está caindo caindo caindo

Poi s’acose nel foco che gli affina

Quando fiam uti chelidon – Ó andorinha andorinha

Le Prince d’Aquitaine à la tour abolie

Tais fragmentos empilhei junto às ruínas

Por que então Ile te serviu. Hieronimo está irado novamente.

Datta. Dayadhvam. Damyata.

                        Shantih shantih shantih

 

 

 

Tradução: Júlia Rodrigues

 

 

 

Notas de The Waste Land:

 

Não somente o título, mas o planejamento e uma boa parte do simbolismo incidental presentes no poema foram sugeridos pelo livro From Ritual to Romance (Cambridge) da Srª Jessie L. Weston sobre a lenda do Graal. Na verdade, meu débito para com a obra é tão grande que o livro poderá elucidar as dificuldades do poema muito melhor do que minhas notas; e eu o recomendo (aparte o interesse do livro por si só) a qualquer pessoa que considere que a elucidação do poema valha tamanho esforço. Também devo muito a outro trabalho de antropologia de modo geral, que influenciou nossa geração profundamente; me refiro a The Golden Bough; eu utilizei sobretudo os dois volumes Adonis, Attis, Osiris. Qualquer um que esteja familiarizado com essas obras reconhecerá imediatamente no poema as referências às cerimônias da vegetação

 

  1. O ENTERRO DOS MORTOS

Verso 20. Cf. Ezequiel II, i.

23. Cf. Eclesiatícos XII, v.

31. V. Tristão e Isolda, I, versos 5-8.

42. Id. III, verso 24.

46. Não estou familiarizado com a composição exata do baralho de Tarot, do qual eu me aproximei conforme meus objetivos. O Enforcado, um membro tradicional do baralho, se encaixa na minha proposta de duas maneiras: porque em minha mente ele está associado ao Deus Enforcado, e porque eu o associo à figura encapuzada na passagem dos discípulos de Emaús na parte V. O Marujo Fenício e o Mercador aparecem depois; também as “multidões”, e a Morte por Água é executada na parte IV. O Homem das Três Estacas (um membro autêntico do baralho de Tarot) eu associo, um tanto arbitrariamente, ao próprio Rei Pescador.

60. Cf. Baudelaire:

“Fourmillante cité, cité pleine de rêves,

“Où le spectre em plein jour raccroche le passant”

63. Cf. Inferno III, 55-57:

                                                     “ si lunga tratta

di gente, ch’io non avrei mai creduto

    che morte tanta n’avesse disfatta.”

 

64. Cf. Inferno IV, 25-27:

 

“Quivi, secondo che per ascoltare ,

“non avea pianto, ma’ che di sospiri,

“che l’aura eterna facevan tremare.”

 

68. Um fenômeno que tenho notado com frequência.

74. Cf. Dirge em White Devil de Webster.

76. V. Baudelaire, Prefácio de Fleurs du Mal.

 

  1. UMA PARTIDA DE XADREZ

77. Cf. Antony and Cleopatra, II, ii, 1. 190.

92. Laquearia. V. Aeneid, I, 726:

      Dependent lychni laquearibus aureis incensi, et noctem flammis funalia vincunt.

98. Paisagem silvestre. V. Milton, Paradise Lost, IV, 140.

99. V. Ovídio, Metamorphoses, Filomela.

100. Cf. Parte III, 1. 204.

115. Cf. Parte III, 1. 195.

118. Cf. Webster: “Is the wind still at that door?”

126. Cf. Parte I, 1. 37, 48.

138. Cf. a partida de xadrez de Women beware women, de Middleton.

 

III. O SERMÃO DO FOGO

176. v. Spenser, Prothalamion.

192. Cf. The Tempest, I, ii.

196. Cf. Marvell, To His Coy Mistress.

197. Cf. Day, Parliament of Bees:

“When of the sudden, listening, you shal hear,

“A noise of horns and hunting, which shall bring

“Actaeon to Diana in the spring,

“Where all shall see her naked skin …”

199. Eu não conheço a balada original de onde foram retirados esses versos: a ouvi em Sydney, Australia.

202. V. Verlaine, Parsifal.

210. As passas de Coríntio foram cotadas a um preço “de frete e seguro para Londres”; e o bilhete de embarque etc. deveriam ser dados ao comprador quando do pagamento à vista.

218. Tirésias, ainda que mero espectador e não um ‘personagem’, é de fato o personagem mais importante do poema, unindo todo o resto. Assim como o mercador caolho, vendedor de passas, se mescla com o Vendedor Fenício, não sendo este totalmente distinto do Príncipe Fernando de Nápoles, todas as mulheres são uma mulher, os dois sexos se encontram em Tirésisas. O que Tirésias , na verdade, é a substância do poema. Toda a passagem tirada de Ovídio é de grande interesse antropológico:

‘... Cum Iunone iocos et maior vestra profecto est

Quam, quae contigit maribus,’ dixisse, ‘voluptas’.

Illa negat; placuit quae sit sententia docti

Quarere Tiresiae : venus huic erat utraque nota.

Nam duo magnorum viridi couentia silva

Corpora serpentum baculi violaverat ictu

Deque viro factus, mirabile, femina septem

Egerat autumnos; octavo rursus cosdem

Vidit et ‘est vestrae si tanta potentia plagae’,

Dixit ‘ut auctoris sortem in contraria mutet,

Nunc quoque vos feriam!’ percussis anguibus isdem

Forma prior rediit genetivaque venit imago.

Arbiter hic igitur sumptus de lite iocosa

Dicta lovis firmat; gravius Saturnia iusto

Nec pro material fertur doluisse suique

Ludicis aeterna damnavit lumina nocte,

At pater omnipotens (neque enim licet inritia cuiquam

Facta dei fecisse deo) pro lumine adempto

Scire futura dedit poenamque levavit honore”.

 

221. Isso pode não aparecer tão preciso quanto nas linhas de Safo, mas eu tinha em mente o pescador “da costa” ou “do barco a remo”, que retorna ao cair da noite.

253. V. Goldsmith, a canção de The Vicar of Wakefield

257. V. The Tempest, como acima.

264. O interior de St. Magnus Martyr é para mim um dos mais belos entre os interiores de Wren. Ver The Proposed Demolition of the Nineteen City Churches: )

(P. S. King & Son, Ltd)

266. A cançãp das (três) filhas do Thames começa aqui. Do verso 292 até o 306, inclusive, elas falam alternadamente. V. Götterdämmerung, III, i: as filhas do Reno.

279. V. Froude, Elizabeth, vol. I, cap. iv, carta de De Quadra a Filipe da Espanha:

“Ao fim da tarde estávamos em uma barca, observando os jogos no rio. (A rainha) estava sozinha com Lord Robert e comigo na popa, quando começaram a falar frivolidades, e andaram tão longe que Lord Robert até dissesse, enfim, na minha presença, que não havia razão para que não se casassem, se a rainha assim o desejasse.”  

293. Cf. Purgatório, V. 133.

     “Recorditi di me, che son la Pia;

Siena mi fe”, disfecimi Maremma”

 

307. V. As Confissões de Santo Agostinho: “A Cartago então eu vim, onde um caldeirão de amores profanos cantaou em meus ouvidos”.

308. O texto completo do Sermão do Fogo de Buddha (que corresponde em importância ao Sermão da Montanha) de onde essas palavras foram retiradas, serão encontradas em Buddhism in Translation (Harvard Oriental Series), de Henry Clarke Warren. O Sr. Warren foi um dos prioneiros dos estudos budistas no ocidente.

309. Das Confissões de Santo Agostinho, novamente. A inserção desses dois representates do ascetismo oriental e ocidental, assim como a culminação nessa parte do poema, não é acidental.

 

V. O QUE DISSE O TROVÃO

 

Nesta primeira parte da Parte V, três temas foram empregados: a jornada a Emaú, a a chegada à Capela Perigosa (ver o livro da Sra. Weston) e a presente decadência da Europa ocidental.  

 

357. Isto é Turdus aonalaschkae pallasii, o tordo-ermitão que ouvi na Província do Quebec. Chapman disse (Handbook of Birds of Eastern North America)

“ocorre na maior parte das vezes em casa, em bosques isolados e em matagais abrigados... suas notas não são notáveis por variedade ou volume, mas pela pureza e doçura de tom e pela extraordinária modulação são inegualáveis”. Essa “canção da água pingando” é justamente celebrada.

360. Os versos a seguir foram estimulados pelo relato de uma expedição à Antártica (Esqueci-me qual, mas acho que uma de Shackleton): foi relatado que o conjunto de exploradores, nos limites da fraqueza, tinham a ilusão constante de que havia realmente um membro a mais que poderia de fato ser contado.

367-77. Cf. Hermann Hesse, Blick ins Chaos:

“Schon ist halb Europa, schon ist zumindest der halbe Osten Europas auf dem Wege zum Chaos, färt betrunken im heiligen Wahn am Abgrund entlang und singt betrunken und hymnisch wie Dmitri Karamasoff sang. Uebe diese Lieder lancht der Bürger beleidigt, der Heilige und Seher hört sie mit Tränen.”

402. “Datta, dayadhvam, damyata” (Dá, simpatiza, controle-se). A fábula do significado do trovão se encontra no BrihadaranyakUpanishad, 5, I. Há uma tradução em Sechzig Upanishads des Veda, de Deussen, p. 489.

408. Cf. Webster, The White Devil, V, vi.

                           “... they’ll remarry

Ere the worm piece your winding-sheet, ere the spider

Make a thin curtain for your epitaphs”.

412. Cf. Inferno, XXXIII, 46:

“ed io senti chiavar l’uscio di sotto

all’ orrible torre”.

 

Também F.H. Bradley, Appearance and Reality, p. 346.

 

“Minhas sensações externas não são menos privadas para mim do que meus pensamentos ou sentimentos. Em ambos os casos minha experiência se volta para eu próprio círculo, um círculo fechado por fora; e, com todos estes elementos semelhantes, cada esfera é opaca para as outras que a cercam... em resumo, consideradas como uma existência que aparece em uma alma, o mundo inteiro por isso é peculiar e privado a esta alma”.

 

426. V. Weston: From Ritual to Romance; capítulo sobre o Rei Pescador.

 

428. V. Purgatorio, XXVI, 148.

“Ara vos prec per aquella valor

que vos condus al som de l’escalina,

sovenha vos a temps de ma dolor

Poi s’ascose nel foco che li affina.”

 

429. V. Pervlgilium Veneris. Cf. Filomela nas partes II e III.

430. V. Gerard de Nerval, soneto El Desdichado.

432. V. Kyd’s Spanish Tragedy.

433.Shantih. Repetidamente como aqui, um fim formal para o Unpanishad. “A Paz que ultrapassa o entendimento” seria o equivalente a essa palavra.

 

 

 



 

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Thomas Stearns Eliot, poeta norte-americano, nasceu em 1888. É autor de The Waste Land (1922), um dos poemas capitais do século XX. Estudioso da poética simbolista, assimilou influências de Jules Laforgue em sua primeira fase, como em Prufrock and Other Poems (1919). Ao lado de Ezra Pound, Cummings e James Joyce, esteve na vanguarda da literatura de língua inglesa. Dirigiu a revista Criterion e foi crítico atuante. Após mudar-se para a Inglaterra, converteu-se à religião anglicana, tornou-se monarquista e obteve a cidadania inglesa. Em sua última fase, adotou uma estética classicizante e com viés filosófico, como nos Four Quartets (1935-1943). T. S. Eliot escreveu também ensaios e peças de teatro. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1948, falecendo em 1965.

 

 

Confira outro poema de T. S. Eliot, traduzido por Fernando Koproski.

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