ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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TOMAS TRANSTRÖMER

 

 

 

FUNCHAL

 

 

Das Fischlokal am Strand, einfach, eine Bude, von Schiffbrüchigen errichtet. Viele kehren an der Tür um, aber nicht die Windstöße vom Meer. Ein Schatten steht in seinem rauchigen Kabuff und Brät zwei Fische nach einem alten Rezept aus Atlantis, kleine Explosionen von Knoblauch, Öl läuft auf die Tomatenscheiben. Jeder Biss sagt, dass der Ozean uns wohlwill, ein Summen aus der Tiefe.

 

   Sie und ich blicken ineinander. So als kletterte man die wild blühenden Hänge hinan, ohne die geringste Müdigkeit zu verspüren. Wir sind auf der Tierseite, willkommen, altern nicht.

Aber wir haben soviel zusammen erlebt, daran erinnern wir uns, auch Stunden, in denen wir nicht viel taugten (zum Beispiel, als wir Schlange standen, um dem gesunden Riesen Blut zu spenden – er hatte Transfusion angeordnet). Ereignisse, die uns hätten trennen müssen, wenn sie uns nicht vereint hätten, und Ereignisse, die wir zusammen vergessen haben – aber sie haben uns nicht vergessen! Sie sind zu Steinen geworden, dunklen und hellen. Steine in einem durcheinandergebrachten Mosaik. Und jetzt geschieht es: die Scherben fliegen zusammen, das Mosaik entsteht. Es wartet auf uns. Es strahlt von der Wand im Hotelzimmer herab, ein Design, gewaltsam und zärtlich, vielleicht ein Gesicht, es gelingt uns nicht, alles zu erfassen, als wir uns die ausziehen.

 

   In der Dämmerung gehen wir hinaus. Die gewaltige dunkelblaue Tatze der Halbinsel liegt ins Meer hinausgeschleudert da. Wir gehen in das Menschengewimmel hinein, werden freundlich herumgeschubst, milde Kontrollen, alle sprechen eifrig ind der fremden Sprache.

„ Kein Mensch ist eine Insel „  Wir werden stark durch sie, aber auch durch uns selbst.

 

Durch das in uns, das der andere nicht sehen kann. Dasjenige, das nur sich selbst begegnen kann. Das innerste Paradox, die Garagenblume, das Ventil gegen das gute Dunkel. Ein Getränk, das in leeren Gläsern perlt. Ein Lautsprecher, der Schweigen verbreitet. Ein Pfad, der hinter jedem Schritt wieder zuwächst. Ein Buch, das nur im Dunkeln gelesen werden kann. 

 

 

 

FUNCHAL


O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, construída por náufragos.
Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim as rajadas de vento do mar.
Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa dois peixes, segundo uma antiga
receita da Atlântida. Pequenas explosões de alho.
O óleo flui nas rodelas do tomate. Cada dentada diz-nos que o oceano nos quer bem,
um zunido das profundezas.

 

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos as agrestes colinas floridas, sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, bem-vindos, não envelhecemos. Mas já suportámos tantas coisas juntos, lembramo-nos disso, momentos em que de pouco ou nada servíamos (por exemplo, quando esperávamos na bicha para doarmos sangue ao saudável gigante – ele tinha prescrito uma transfusão).
Acontecimentos, que nos poderiam ter separado, se não nos tivessem unido, e acontecimentos que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!
Eles tornaram-se pedras. Pedras claras e escuras. Pedras de um mosaico desordenado.
E agora mesmo acontece: os cacos voam todos na mesma direcção, o mosaico nasce.
Ele espera por nós. Do cimo da parede, ilumina o quarto de hotel, um design, violento e doce,
talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo quando tiramos as roupas.

 

Ao entardecer, saímos.
A poderosa pata azul escura da meia ilha jaz expelida sobre o mar.
Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados, amigavelmente, suaves controlos,
todos falam, fervorosos, na língua estranha.
“ Um homem não é uma ilha

 

Por meio deles fortalecemo-nos, mas também por meio de nós mesmos. Por meio daquilo que
existe em nós e que o outro não consegue ver. Aquela coisa que só se consegue encontrar
a ela própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula contra a boa escuridão.
Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante que propaga o silêncio.
Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce. Um livro que só no escuro se consegue ler.

 

 

LISSABON

Im Stadtteil Alfama sangen die Straßenbahnen in den
Steigungen.
Zwei Gefängnisse gab es. Eins war für die Diebe.
Sie winkten durch die Gitterfenster.
Sie Schrien, sie wollten fotografiert werden!

“ Aber hier “, sagte der Schaffner und kicherte wie ein Gespaltener,
„ Hier sitzen Politiker. „ Ich sah die Fassade, die Fassade, die Fassade
und hoch oben an einem Fenster einen Mann,
der mit einem Fernglas vor den Augen dastand und übers Meer
Hinausblickte.

Die Wäsche hing im Blauen. Die Mauern waren heiß.
Die Fliegen lasen mikroskopische Briefe.
Sechs Jahre später fragte ich eine Dame aus Lissabon:
„ Ist das wahr, oder habe ich es geträumt? „

 

LISBOA

No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas
subidas.
Havia
duas prisões. Uma delas era para os gatunos.
Eles acenavam através das grades.
Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados!

"Mas aqui", dizia o revisor e ria baixinho, maliciosamente,
"aqui sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada
e em cima, a uma janela, um homem,
com um binóculo à frente dos olhos, espreitando
para além do mar.

A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde, perguntei a uma dama de Lisboa:
Isto é real, ou fui eu que sonhei?

 

IM MÄRZ 79

Überdrüssig aller, die mit Wörtern, Wörtern, aber keiner Sprache

daherkommen,

fuhr ich zu der Schneebedeckten Insel.

Das Wilde hat keine Wörter.

Die ungeschriebenen Seiten breiten sich nach allen Richtungen aus!

Ich stieß auf Spuren von Rehhufen im Schnee.

Sprache, aber keine Wörter.

 

EM MARÇO DE 79

Farto de todos aqueles que com palavras fazem palavras,

mas onde não há uma linguagem,
dirigi-me para a ilha coberta de neve.
A veação não conhece palavras.
As páginas em branco dispersam-se em todas as direcções.

Eu dei com vestígios de cascos de corça na neve.
Linguagem, mas nenhuma palavra.

 

 

 

KENTERN VON NACHT ZU TAG

Still wacht die Waldameise, blickt ins Nichts
hinein. Und nichts ist zu hören außer tropfen von dunklem
Laubwerk und das nächtliche Rieseln tief im
Cañon des Sommers.

Die Tanne steht wie der Zeiger an einem Uhrwerk,
stachlig. Die Ameise glüht im Schatten des Berges.
Schrei, Vogel! Und endlich. Langsam beginnt die Wolken-
Fuhre  zu rollen

 

ADERNAGEM DA NOITE PARA O DIA

Quieta, a formiga acorda, espreita para dentro do
nada. E para além das gotas da escura folhagem e
do murmúrio nocturno, profundo no desfiladeiro do verão,
não se ouve mais nada.

O abeto ergue-se como o ponteiro de um relógio,
espinhoso. A formiga arde na sombra da montanha.
Gritos, pássaros! E por fim, vagarosamente, a carroça
das nuvens começa a rolar.

Tradução para o português por Luís Costa, a partir da versão alemã de Hans Grössel



 

*

Tomas Tranströmer nasceu a 15 de Abril de 1931 em Estocolmo. Estudou literatura e história das religiões, bem como psicologia. Começou a escrever poemas ainda durante o seu tempo de estudante. Em 1954 foi publicado o seu primeiro livro: “ 17 Dikter “  ( 17 poemas ) .

Tranströmer, cujos poemas se encontram traduzidos em mais de 30 línguas, é hoje onsiderado o mais importante poeta sueco da actualidade. A sua poesia ( bastante próxima da “ poésie pure “ de um Paul  Valéry )  “ aposta “ sobretudo, na intensidade e, a partir de uma linguagem que, com o passar dos anos, se tem vindo a tornar cada vez mais lacónica, de imagens concentradas, mas fulgurante, a qual não precisa de muitas palavras, provoca no leitor uma sensação de deslumbramento e surpresa, que, em muitos casos, pode ser considerada fantástica e até mágica. Esta linguagem “ simples “ e clara, mas carregada de metáforas audazes, de uma imaginação fantástica e de uma imensa variedade de associações, possui, de facto, uma intensidade e uma força ao mesmo tempo telúricas e surreais.  O universo poético de Tranströmer, como o poeta/ ensaísta Harald Hartung diz: “não é deste mundo, ele é antes um espaço imaginário que projecta uma luz fresca, mas intensa, sobre os objectos e os homens”.  Em 1990 o poeta foi vítima de um derrame cerebral que lhe afectou a capacidade de falar. No entanto recuperou a saúde. Anos mais tarde sofre, de novo, uma série de derrames cerebrais. Desde então escreve sob grandes dificuldades. O seu último livro, Den stora gåtan " (o grande mistério), um livro com 5 poemas, bastante curtos, e 54 haikus, foi editado em 2004. Desde então não publicou mais nada. Tranströmer encontra-se, de há vários anos para cá, entre os principais favoritos ao Prêmio Nobel da Literatura.

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