OCORRE
Célia
Gonçalves
Há
poucas coisas que sei.
Sei
pouco sobre todas as coisas que me interessam.
Sei
pouco sobre todas as coisas sustenidas dos cantores corais.
Nada
sei de âmbitos aproximados, de emissões de peitos e de cabeças
combinadas.
Sei
pouco sobre laringes desenvolvidas, sobre coisas naturalmente
muito leves, sobre tessituras agudas, sobre vozes brancas e
extensões confusas.
Nada
do que sei é na realidade definido por mim. São só pequenos
e insuficientes conjuntos de ocasiões favoráveis. Lamento
sabe-lo, tal como os Contraltos lamentam a sua posição no
coro.
No
matter how long your faces grow.
Na
verdade há muitas coisas que lamento mais.
Ver
as coisas com claridade
Ver
acentos expressivos de rigorosas linhas
I
miss court intrigues - isto se alguma vez vivi nesta ou em
qualquer outra corte.
Nem
sequer sei as coisas que leio, que já li, que acabo de ler,
que releio pela segunda, terceira, décima quarta, quinta vez.
Todos os livros aparecem sem serem anunciados, como se nunca
os tivesse conhecido - a sua fraqueza, o seu autor, o motivo
do suplicio da pobre, a cor da capa descansada na melodia dos
agudos.
Muitos
deles, mesmo no dia anterior assinalaram conferência,
telefonaram, enviaram e-mails. E, pior, eu respondi pelas
minhas próprias mãos, especializadas em papeis cómicos.
Lamentável.
Não
me lembro de nenhum. Não me sobe a extensão padrão dos
limites das intrigas - principal, secundária, anterior,
desviada... Não me recordo das personagens, da emissão das
cordas vocais grossas para uma zona mais grave da narrativa,
do sustento do narrador, do donativo espacial como única
forma de garantir liberdade aos outros.
Da
expressão da harpa dos vinte - e - dois - compassos...
Os
livros mostram - me como sou. Reserva esburacada.
Nada
se retém.
Por
vezes lembro-me, lenta, espessamente de certas evidências
gerais de alguns livros.
Se
alguém me pergunta acerca de um livro que li, mesmo que o
final dessa leitura tenha duas ou três deleitosas horas,
recordo apenas as características mais fugazes:
'Ah,
sim, tinha bigode o protagonista', ou 'Sim, sim , se bem
me lembro tinha nome duplo' de um certo livro em que dei várias
demãos.
Consigo,
assim, debaixo desta situação, devolver pequenas unhas de
literatura para o meu lado. Num julgamento justo. De uma
parente estrangeira.
Sofrer
ou Alterar.
Poderia
falar com realeza enquanto lesse nova história, novo
requisito. Houve antigas lições a rever no meio destas
novas.
'Deixai-me
que quero arrumar os pavimentos'
- diria enquanto tentava não misturar figuras, impressões
que já nem recordo serem as minhas, da clareza dos
acontecimentos anteriores ao trauma, do autor, do livro, da
personagem, de Sir Francis, da revolta macerada.
As
negociações de Paz esfumam-se
*
Célia
Gonçalves é membro da oficina de poesia
da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Publicou
poemas na revista brasileira Sibila, na portuguesa
Oficina de Poesia, na espanhola Agália,
entre outras. Publicou também no site Germina
Literatura.
*
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