CRÍTICA & POESIA
EM JOÃO ALEXANDRE BARBOSA
André Dick
Com
seu estilo singular, Mário Faustino disse numa entrevista, em
1956, que um dos problemas que o poeta jovem enfrentava era
"a péssima qualidade de quase toda a nossa crítica
literária", sobretudo quando essa se propunha a tratar de
poesia. Realmente, se a análise for mais atenta, a maior
parte da crítica literária brasileira, mesmo depois dessa
reflexão contundente de Faustino, sempre ofereceu pouco
espaço à poesia. Um dos críticos que mais a valorizou foi
João Alexandre Barbosa, que nasceu em Recife em 1937 e morreu
no dia 3 de agosto de 2006. Não só a valorizou, como parece
ter cumprido, ao longo de sua obra, uma vocação ímpar para
estudar poetas de qualidade, o que será investigado neste
pequeno artigo em sua homenagem.
Pode-se
afirmar que ele foi um dos descobridores da poesia francesa
moderna no Brasil. Seus estudos - poucos, mas raros -
sobre Mallarmé, Baudelaire e Valéry são de extrema
importância para os estudiosos desse campo. Mas antes desses
poetas, e também por causa deles, o espaço que João
Alexandre mais cultivou foi o da modernidade - e é nesse
campo que seu método crítico tem especial importância.
Principalmente seus livros A metáfora crítica e As ilusões
da modernidade são essenciais para provar tal percurso.
A
metáfora crítica apresenta um ensaio inicial antológico,
"Exercícios de definição", no qual, sob influência de
leituras de Octavio Paz ("uma personalidade a quem, como
leitor de poesia e como professor de teoria literária e
literatura comparada, devo muito", como disse em
mesa-redonda sobre o escritor mexicano, reproduzida em A
palavra inquieta) e Barthes, ele fala sobre o espaço do
poema. Diz então que "o grau zero da leitura, se existisse,
seria escrever o poema" e que lê-lo "é duplicar
continuamente os espaços por ele construídos". João
Alexandre recorre a outros estudiosos (como Northrop Frye,
Eliot e de Man) e retoma a questão da realidade a partir de
Aristóteles para chegar à função poética e à
metalinguagem de Jakobson - o criador do que poderíamos
chamar, sobretudo hoje, de Lingüística Poética - do qual
se extrai, também, uma idéia sobre a sincronia e a
diacronia. Ao longo do percurso, passa por outros autores,
como Hugo Friedrich e Blanchot, e pela "crise do verso"
proposta por Mallarmé. Todo o arsenal teórico, investindo
numa releitura da leitura já feita por críticos, é
utilizado para mostrar como o poema é construído e, como o
título do livro já adianta, ele amplia a questão da
metáfora, que seria "o sinal de que, escapando à
designação pura e simples, envolvendo possibilidades que se
multiplicam à medida que a leitura se efetiva, o poema, que
agora corta segmentos da realidade, passou a incorporar
espaços inesperados cujas coordenadas são verificáveis a
partir de suas próprias vinculações no espaço no texto".
Mas, se os termos parecem literários em excesso para o leitor
menos acostumado, é possível notar que o caminho de João
Alexandre é enfocar a solidão que acompanha a leitura e a
literatura, no que se torna universal.
Neste
sentido - o da relação entre solidão e literatura -, o
ensaio que mais se destaca em A metáfora crítica é "Suicídio
da literatura? Mallarmé segundo Valéry", em que João
Alexandre analisa a crítica de Valéry sobre a obra de
Mallarmé e é justo com o fato de o primeiro ter transformado
o segundo num bibelot para uma visão que servia ao
Romantismo. Ao chamar atenção para o fato de que Valéry
nunca quis discutir mais profundamente a obra seminal
mallarmeana, Un coup de dés, ele percebe que o grande
crítico, neste caso, não está no nível dessa obra do
mestre. Para expor sua argumentação, o crítico brasileiro
revisa, com argúcia, cada um dos textos de Valéry contidos
em Écrits divers sur Mallarmé, munido de uma síntese rara.
A moderna poesia francesa atua como uma abertura para outros
ensaios de A metáfora crítica, como "Linguagem &
realidade do Modernismo de 22", um referencial para estudar
o movimento que divulgou sobretudo Oswald e Mário de Andrade,
fixando-se em nuances desses autores, e a investigação sobre
a convergência de Murilo Mendes, em que se investiga uma
ligação com a poesia concreta.
Em
As ilusões da modernidade, temos, para ampliar a ligação do
crítico com a poesia francesa, a análise comparativa entre
poemas de Valéry e Mallarmé, nos ensaios "Baudelaire, ou a
linguagem inaugural" e "Mallarmé, ou a metamorfose do
cisne", cuja figura central é a do cisne, bastante
produtiva, recuperando idéias do ensaio "Exercícios de
definição". João Alexandre conclui, neste ensaio, que, no
poema mallarmeano, o exílio do "cygne" é tão inútil
quanto o do "signe": "a metáfora da impossibilidade do
canto e do vôo, em Baudelaire ou em Gautier, é, pela
redundância, a do poema, do poeta e sua arte". Tal
metáfora conferiria um "sentido mais puro às palavras da
tribo". Assim, João Alexandre irá constatar que as
relações entre o poeta e a realidade não se realizam apenas
através do poema, pois "antes de chegar à realidade pelo
poema, este constrói a sua realidade através da qual, na
qual, as 'palavras da tribo' são recuperadas
intransitivamente", ao mesmo tempo que relêem a tradição
de modo sincrônico. Com isso, a "metáfora do poema" se
transforma numa "metáfora para o poema" e na "metalinguagem
de uma reflexão diacrônica", convertendo-se em "realidade"
na qual se discute o jogo poético. O que se valoriza não é
mais a metáfora enquanto tropo, mas "a negação de sua
visibilidade como instrumento de representação", no
movimento feito de Baudelaire para Mallarmé. Tal movimento
coloca em jogo a condição histórica do poema, que se
resolve pela linguagem. O poema de Mallarmé, ao recuperar um
"signo" já desenvolvido por Baudelaire, faz com que a
linha diacrônica se revele e, ao mesmo tempo, desapareça sob
a metalinguagem. Mallarmé sabe da "saturação histórica"
da tradição, por isso reelabora signos a partir de signos
já existentes, revelando, em tal caminho, a "crise"
anunciada por Mallarmé em seu texto "La musique et les
lettres", como destaca João Alexandre. É a crise da
literatura: crise do verso e de sua história. Ao ler tal
texto, se lamenta apenas que o crítico não tenha escrito
mais sobre Mallarmé, referindo-se ao poeta francês e ao
simbolismo apenas en passant em ensaios como o indispensável
"Literatura e sociedade do fim do século" (de Alguma
crítica).
No
ensaio "As ilusões da modernidade", que dá título ao
livro, a linguagem desliza novamente para a poeticidade: "Início,
ruptura, tradição, tradução, universalidade: eis os termos
de uma viagem. Com eles, julgo ser possível cobrir um largo
espectro das relações entre poesia e modernidade. Na
verdade, como as ondas que se formam na água, minúsculas,
incessantes, a partir do impacto de um objeto sólido, assim
esse texto - esse, aquele, o-que-há-de-vir - pretende
operar a convergência de numerosos textos projetados.
Texto-esponja e, ao mesmo tempo, texto-pedra, abrindo fulcros,
singrando ondas, construindo o espaço para a reflexão".
Continua poética sua linguagem quando visualiza o poeta como
alguém que relê a tradição: "O poeta moderno traduz na
medida em que o seu texto persegue uma convergência de textos
possíveis: a tradução é a via de acesso mais interior ao
próprio miolo da tradição". Esse miolo da tradição é
revisto também no ensaio "Leitura viva do cemitério", em
que se analisa o belo poema "O cemitério marinho", de
Valéry, por meio de uma tradução feita por Jorge Wanderley.
Por sua vez, o ensaio sobre Jorge Guillén, que amplia o
círculo da tradição que se corresponde com a poética
construtiva, anuncia seu contínuo interesse por Cabral,
também tema de outro ensaio neste livro, afinal um autor
também traduz o outro.
Os
autores que João Alexandre mais valorizou - é o que vai
ficando claro obra a obra de sua trajetória - foram, sem
dúvida, João Cabral e Valéry. O crítico brasileiro fez o
posfácio e a seleção de textos valeryanos de Variedades,
uma raridade no mercado brasileiro. Verdadeiramente excelente,
no entanto, é seu livro sobre o poeta pernambucano,
intitulado A imitação da forma. É um estudo de fôlego
incomum, sobretudo porque estuda um poeta moderno, uma
raridade até meados dos anos 1970 no Brasil - tendo como
ponto de vista análises que existem na França de poetas como
Mallarmé, Rimbaud, Valéry, Baudelaire etc. Analisando as
características de poemas de Pedra do sono ao A educação
pela pedra, a interpretação de João Alexandre acrescentava
- e muito - às que já existiam, como as de Luiz Costa
Lima, Benedito Nunes e José Guilherme Merquior. Ele não lê
Cabral, por exemplo, sob a ótica de que o poeta era um
desumano porque não queria expressar o "sentimento da
humanidade", ou seja, não fazia uma relação estreita
entre literatura e sociedade, condicionando aquela a esta; o
seu método de análise é de uma ordem mais consciente do que
representou a modernidade. A "imitação da forma", que
dá título ao livro, sintetiza a profunda relação entre
existência e linguagem (aqui, pode-se lembrar um trecho
importante do ensaio "Exercícios de definição", em que
ele se pergunta como se pode negar a realidade "das
sensações e emoções que configuram psicologicamente a
espécie humana"). Neste caso, é exemplar a ligação que o
crítico brasileiro faz entre as visões de Mallarmé e João
Cabral sobre a bailarina. Na orelha do livro, Haroldo de
Campos reflete, de forma exata, que João Alexandre é um "exímio
co-operador do texto cabralino", sendo ele um "indispensável
parceiro de jogo" poético.
Neste
sentido, o crítico pernambucano não privilegiou a poesia
fria, hermética, feita para poucas pessoas, mas sim, antes de
mais nada, o leitor que exigia uma certa ética de leitura,
não valorizando o excesso, a imposição social, mas a
natural qualidade. Esses elementos se constatam, mais uma vez,
em seus ensaios sobre Valéry em Alguma crítica e A
biblioteca imaginária, por exemplo. O leitor é quem
realmente importa para a dialética de crítico lembrado aqui.
Diz ele, no ensaio "As ilusões da modernidade": "o
poeta moderno passa a depender da cumplicidade do leitor na
decifração de uma linguagem que, dissipada pela
consciência, já inclui tanto poeta como leitor".
Trabalhando universos poéticos complexos, ele se desvia da
confusão que poderia determinar tal caminho investido e
esclarece sua análise com um desenvolvimento que tende à
elucidação de detalhes. É, por isso, um crítico também
confiante no material de análise que tinha à mão, não
deixando sua análise ser guiada por modismos, preconceitos
contra "escolas" ou movimentos (como o simbolismo, o
modernismo e o concretismo), mas por um conhecimento da
tradição, não pendendo para uma análise exclusivamente
historicista ou sociológica. Também não condenava a
corrente estruturalista - como alguns críticos fazem,
aproveitando-se de idéias dela, para para logo em seguida,
paradoxalmente, tentar levá-la ao esquecimento.
Em
Mistérios do dicionário, por sinal, ele estuda o
conhecimento na obra de Drummond, num longo ensaio. Como o de
Drummond, o conhecimento crítico de João Alexandre, era de
essência poética - e por isso tão raro. Antes desse
estudo, já havia, porém, um breve texto intitulado "Silêncio
& palavra em Carlos Drummond de Andrade" - presente em
A metáfora crítica -, em que o crítico observa que é
através da linguagem que o poeta de Itabira mostra como se
relaciona com o mundo. O poeta, assim, escolhe entre o
silêncio do hermetismo e a comunicação da experiência que
"jamais é aquela existente antes de sua realização verbal".
Na poesia contemporânea, lembra o crítico de maneira
extremamente ousada e provocativa, "a mediação entre uma e
outra realidade da poesia se tem feito pelo redimensionamento
dos valores herdados da tradição". Nisso, a poesia deixa
de ser "arte" da linguagem: "o seu módulo passa a ser
anti por excelência". A marca do poema, assim, é a
destruição. Todas as aproximações e recuos ao lírico que
se constata na obra de Drummond são, para João Alexandre,
"crivadas, quase sempre, pela reflexão acerca da própria
poesia". Ou seja, o poeta, ao falar na destruição de sua
linguagem, está falando da existência na qual esta linguagem
está inserida.
João
Alexandre analisa o poema "Nudez", em que entre "o
silêncio da experiência vivida (o amor) e a comunicação da
experiência possível (o riso, a alegria), o espaço é
preenchido pelo nada", no verso: "Minha matéria é o nada".
E o que seria este Nada? Para o crítico, trata-se de uma "matéria
que se afirma entre o silêncio e a comunicação: o poema".
Poderíamos lembrar o Nada conceituado por Mallarmé, e João
Alexandre certamente o aproveita na trajetória do poema rumo
ao silêncio, à impossibilidade, à incomunicação,
elementos que representariam mais uma tentativa de o poeta se
inserir, às avessas, na sociedade. O percalço, breve,
conciso, mas muito produtivo, em seu ensaio, mostra um
Drummond delineado sob uma perspectiva menos fechada, não
tão conduzida pela recepção pública, mas pela origem
filosófica. Tal visão de João Alexandre embora seja
atenuada em seu ensaio sobre o conhecimento na obra de
Drummond, não é esquecida: o crítico acaba revelando aquele
Drummond que poderia ter sido visto por Faustino, o que
demonstra o conhecimento poético através de sua matéria: a
linguagem, o nada. É um conhecimento não-ensaístico, mas
poético. Não está em forma de divagações mallarmeanas,
mas, antes, na filosofia de um pensamento que não procura a
verdade suprema ou histórica - trata-se, afinal, de poesia
- e sim a dispersão do literário. Este Drummond perseguido
pela linguagem - evidente na sua multiplicidade, no seu
domínio técnico sobre as mais diversas formas - é um
Drummond que desvela o Nada, aquele que, diante do trânsito,
não quer transpô-lo para a linguagem, mas antes utilizar
esta para destrui-lo, silenciá-lo. Nisso, ele não dá uma
resposta ao que o perturba, mas nega a perturbação. Se lhe
resta a náusea, é porque sua linguagem é feita por ela -
e a ela responde.
A
poesia de Drummond também é enfocada pelo crítico no ensaio
"Leituras: o intervalo da literatura" (de A leitura do
intervalo), por meio de uma análise de "A flor e a náusea"
(poema de A rosa do povo). Como lembra João Alexandre numa
entrevista à revista Poesia sempre, "a leitura do intervalo
é ler aquilo que é literatura, isto é, a própria
poeticidade, por entre as tensões suscitadas por aquilo que
não é, isto é, elementos de ordem histórica, social,
psicológica etc.". Na obra de Drummond, ele lembra, "é
constante a relação tensa entre elementos internos e
externos". Ao não optar pela comunicação fácil, Drummond
exige que se passe pela "dificuldade da criação da
linguagem", sendo sempre intervalar, "conservando-se tensa
e polissêmica, por entre os possíveis conteúdos da
realidade do mundo e dos homens". O escritor, embora afetado
pelo ambiente cultural e mesmo social, não escreve como
reação ou resposta à sociedade que lhe nega espaço. Sua
escrita não é um ensinamento a ser seguido pelos demais;
não é fruto de uma genialidade, ou de um sentimento divino,
superior ao do indivíduo comum; não vai alterar o curso da
história como uma solução econômica nem dará espaço aos
que mais necessitam de auxílio. Se, por meio de sua poesia,
Drummond, por exemplo, re-apresenta, implicitamente, um
determinado momento histórico, ele não reconta em versos
essa história nem ajuda a defini-la - um papel para
historiadores (mesmo que esses possam torná-la em mais uma
peça de ficção). A obra do escritor não lida com a
verdade, palavra infelizmente, hoje em dia, tão castigada, e
sim com uma re-apresentação imaginária, que não é mais do
que um simulacro. Não por acaso, João Alexandre escreverá,
no ensaio "Literatura e sociedade do fim de século", que
os simbolistas antes criaram um público do que criaram para
um público - sendo este o papel do poeta: não criar para
mas criar.
Essa
noção de "leitura do intervalo" liga-se diretamente à
"imitação da forma", à "metáfora crítica" e ao
reexame da lírica moderna em As ilusões da modernidade. E se
liga, de algum modo, à crítica de Barthes, o estruturalista
do existencialismo, como se referiu a ele José Guilherme
Merquior. No primeiro ensaio deste livro, já citado, o
crítico diz: "O que chamo de poesia moderna é, sobretudo,
aquela em que a busca pelo começo se explicita através da
consciência de leitura: a linguagem do poeta é, de certo
modo, a tradução/traição dessa consciência",
concluindo, exemplarmente, que "a história do poema moderno
nada tem a ver com a descrição sucessiva de seus apogeus e
declínios: é antes uma história que só se desvela no
movimento interno de passagem de um para outro poema" (para
lembrar, aqui, os poemas que possuem como figura o cisne, de
Baudelaire e Mallarmé). À procura dessa leitura intervalar,
João Alexandre irá escrever, com isso, que para o poeta
moderno a consciência histórica, sendo basicamente social e
de classe, é também (eu diria sobretudo) cultural, num
arremate à "imitação da forma".
Sem
dúvida, a obra de João Alexandre dava privilégio ao
conhecimento (também poético, como o de Drummond) das
nuances da tradição. A ausência de um sistema fixo em seus
escritos revela, antes de tudo, um escritor - ou seja, não
apenas um crítico - consciente do ofício de criação
criativa e capaz de se nutrir com a leitura alheia e tornar o
texto reflexivo numa produção compartilhada. Não há
crítica pura, que parte do zero. Para alguns críticos,
inclusive, é muito mais apropriada a "angústia da
influência", aquela que alguns deles só querem ver nos
autores que analisam e afirmam ser "epígonos" de outros.
A obra de João Alexandre, se revela um contato com críticos
diversos, tenta solucioná-los sob outra perspectiva. O
discurso crítico que emprega, neste sentido, não é mero
resultado de leituras, mas não as nega para enaltecer um
discurso novo ou se posicionar como referência da inovação.
O que ele diz ele sobre o poeta moderno vale também para a
sua posição de crítico: "não há grande poeta moderno
onde não se possa apontar momentos essenciais em que a
construção do poema se realiza por entre os restos de uma
procura". Textos seus sobre Mallarmé, Valéry, Baudelaire,
Drummond, Murilo Mendes, Oswald, Haroldo de Campos, Cabral
etc. revelam, além disso, um crítico cujo conhecimento,
apesar de mais dedicado ao campo da modernidade, procurava a
leitura intervalar. Ou seja, em João Alexandre a crítica
não faz apenas a análise da poesia, mas tenta compor o
complemento dessa poesia, à medida que nela se atravessam
constantemente textos e se joga com diversos campos de
conhecimento.
Nesse
sentido, ressurge na memória o único momento em que vi o
crítico: numa palestra em que se discutia a poesia de
Drummond. Sentei-me ao fundo de uma sala e ouvi suas palavras
sobre o conhecimento, que verteria mais tarde em seu ensaio,
na poesia do itabirano. Em seguida, um professor resolveu, em
seguida, contrariar, sem argumentos suficientes, a meu ver, a
posição de João Alexandre. Este não replicou, talvez
porque a fala em detrimento da sua tenha sido desinteressante.
Ou talvez porque, como dizia Drummond em seu "Poema-orelha"
de A vida passada a limpo, "A orelha pouco explica / de
cuidados terrenos: / e a poesia mais rica / é um sinal de
menos". Percebi no crítico aquele tédio pelo qual ele deve
ter se interessado tanto em Mallarmé quanto em Valéry, um
tédio que perpassa a linguagem, valorizado por Barthes em seu
conceito sobre o neutro. O tédio, aqui, não é pejorativo. A
sensação de tédio talvez tenha ocorrido porque não há
nada mais distante da poesia que discuti-la em público, em
que se dá a própria impossibilidade de debatê-la a fundo.
Sem João Alexandre Barbosa e a riqueza poética de suas
análises, é de esperar que essa impossibilidade não se
aprofunde. O crítico-poeta fará muita falta.
*
André
Dick nasceu em Porto Alegre (RS), em 1976. Publicou os livros de poesia
Grafias (2002) e Papéis de parede (2004). Organizou,
com Fabiano Calixto, o livro A linha que nunca termina
- pensando Paulo Leminski (2004).
*
Leia
também poemas
de André Dick e ensaios do autor sobre Augusto
de Campos,
Paulo
Leminski e o livro Jardim
de Camaleões, de Claudio Daniel.
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