ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ODIAR COM DOÇURA

 

por Rodrigo de Souza Leão

 

Onde mora o açúcar do ódio? Como é possível ser amado e odiado ao mesmo tempo? Em que pólos opostos o amor apaga e ilumina, aquece e esfria, liquidifica e consolida uma relação? Afinal é a poesia o local da ambigüidade? Há algo mais dicotômico do que o amor? É necessário responder dúvidas ou só o fato de levantar tantas inquietações faz da leitura algo tão provocador que renove a ordem e se faça justificar, e, muito,  uma penetração no inquietante mundo do poeta em questão? 

O fato de debruçar-se sobre o lirismo amoroso não faz de Te Odeio com Doçura mais um livro que fala de amor. Falar de amor é algo difícil em tempos onde está tão escassa de carinho a relação entre os seres humanos. Como diz o título, muito bem sacado por Antonio Mariano, poeta paraibano, 37, o ódio pode vir recheado de açúcar. Seria um ódio positivo? Este amor camuflado é amor? Não, não é isso que deseja o autor nem esta discussão que o livro propõe. Não há positividade no ódio, há doçura. Fel e mel. Tudo ao mesmo tempo agora. Tudo pode estar no ódio até o próprio amor pode ser amado com muita doçura.

Na verdade o autor quer nos despertar para questões do amor desmedido, da paixão em seu vôo mais alto. Tudo dentro de uma estética toda própria. Mariano é poeta forjado á moda de Lorca. É do tipo que apura e lapida um poema, mas não perfuma a flor. Sua flor já vem com aroma e perfume próprios. Não é flor árida e de plástico do mundo pós-industrial. Ele é um poeta meticuloso na linhagem dos poetas inovadores dos anos 90. Aliás, é a esta geração que pertence o poeta Antonio Mariano. Uma geração que vem se consolidando cada vez mais com abrangência dentro da literatura brasileira. É a geração de Lau Siqueira, de André Ricardo Aguiar, de Linaldo Guedes e de Amador Ribeiro Neto.

Com poemas curtos e alguns ditos poetrix ou haicais ou poemas de três versos ou como quer que queiram chamar esta manifestação poética, Antonio Mariano de Lima vai se tornando íntimo do leitor, na proporção com que, utilizando belas metáforas e a melopéia própria de quem polifoniza o lirismo amoroso, mostra-se sensível ao pecado do anti-amor. Quem nunca odiou quem ama? Quem nunca quis dizer "não me servem/teu ouro de lodo/teus castelos de miragem/nem teus banquetes de urtiga/senhora". Quem nunca quis dizer "adeus, volta". Mariano dá um adeus com classe e de portas abertas. Fere fundo com doçura. Fere de amor que é como amar mais e mais. É o famoso tapa com luva de pelica.

Antonio Mariano é um poeta forte e importante. Há nele o vigor de quem diz desdizendo e utiliza - de forma requintada e própria - metáforas belas como as que vimos acima. Seu processo de elaboração do poema é sempre de alto nível. A qualidade de sua poética está num nível alto o tempo todo.

Outro aspecto da poesia do paraibano que é editor da Trema, se vincula a questão da estrutura poética. Há em Mariano uma arquitetura toda própria: meio cabralina, meio paesiana. Algo aprendido na praxis diária de quem se preocupa a fundo com o uso apropriado do vocábulo e sua entidade métrica. Alguém que - como ele - circula com olhar de lince pelo o que de mais novo e belo existe em matéria de poesia. Ele é um poeta antenado com sua geração e mantêm contato com os principais expoentes desta nova geração da literatura atual.

Sendo assim, Mariano se insere na atualidade com grande vigor e criatividade. Seu nome já figura em âmbito nacional através da Internet e cada vez mais ele está próximo de uma grande aceitação nos grandes centros de cultura. É a metrópole cedendo lugar à periferia. È o grande centro abrindo as portas para o poeta que odeia com doçura.

Todos estes predicados fazem da poesia contida no livro Te Odeio com Doçura - um libelo ao amor eterno (enquanto durar para sempre). E se algum dia algum namorado(a) não levar flores do adeus na distância, será como nos belos versos do poeta: "nesse encontro a perder de vista/te levo flores de nada/(mãos que abanam à distância)". O trem estará partindo e ela me dizendo adeus ou eu afagando seu ego com um beijo jogado ao vento que chegará um dia aos lábios do poema. Afinal, o poema é o lábio da poesia.

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