JOSELY:
AR E PORO
Augusto
de Campos
Há
de parecer surpreendente encontrar em um dos textos mais antigos
de Haroldo de Campos, A Obra de Arte Aberta (1955),
no bojo das transformações por que passava a nossa poesia,
a expressão "neobarroco". Ou a citação de O
Êxtase de Donne ("o amor reamalgama /a misturada alma
de quem ama.") nos textos que escrevi naquele ano sob
o título Poesia Concreta, referindo-me num deles a
Haroldo como um "concreto barroco". Podem soar contraditórias
tais invocações quando se buscava um "recomeçar a zero" da
poesia, um cara a cara com as rosas de Gertrude Stein e as
sínteses ideográficas que iriam levar ao rigor e à ascese,
ao minidiscurso e à metonímia antes que à metáfora do
barroco em sua percepção convencional.
De
Oswald à poesia concreta, a experiência brasileira seria direcionada
a uma posição singular e até mesmo oposta à tradição dominante
na modernidade hispano-americana. Configuraria antes
um des-"discurso", a situar-se num plano de racionalidade
e contenção, de marca construtivista. Poderia abranger até
uma "racionalidade da desordem"
(Waldemar Cordeiro), mas sempre a partir de um minimalismo
estrutural com tendência a projetar-se no espaço das novas
tecnologias. Mas o "barroco" dos nossos protomanifestos de
1955 implica uma nova abordagem dos seus conceitos. Uma re-visão
que começou a nascer a partir
da defesa que a "Geração de 27" espanhola fez de Gôngora,
no tricentenário da sua morte. Rejeitado como protótipo
de mau-gosto, ele estava, no dizer de Lorca, "como um
leproso cheio de chagas de fria luz de prata, com o ramo novíssimo
nas mãos, à espera de que as novas gerações recolhecem
sua herança objetiva e seu sentido da metáfora."
Então, sua linguagem reiventou-se na metáfora icônica e material
de poetas como Jorge Guillén ("Alvura. El
horizonte / Entreabre sus pestañas.") ou o próprio Lorca
("Nadie sabia que martirizabas / un colibri de amor entre
los dientes."). Ao mesmo
tempo, veio a reabilitação dos "poetas metafísicos"
na qual o próprio Pound se envolveu, alçando O
Êxtase ao nível dos maiores poemas da língua inglesa.
Trata-se
de uma situação dialética, intrigante e instigante, que não
se pode ver como
contradição antagônica, mas como fonte de indagação e
fomento de novas especulações artísticas. Nestes últimos anos,
os poemas de Josely Vianna Baptista perfazem como poucos esta
conjunção, que se expande em projetos como o presente, com
a colaboração da arte gráfica de Francisco Faria. Fazendo
convergir as duas perspectivas - a das poéticas
não-verbais e a da linguagem barroconovista - , Josely
encontrou um módulo muito pessoal de expressão: um idioleto
verbovisual que vem desenvolvendo desde os seus primeiros
livros, publicados em princípios dos anos 1990,
e que a distingue pelo artesanato, pela imaginação e pela
originalidade. Isso se evidencia nesta coletânea, que reúne
o principal de sua obra poética e passa a integrar a Coleção
Signos, da Editora Perspectiva Com arrojo e competência, unindo
materialidade plástica e diafaneidade de escritura, plasmando
metonímia, metáfora e metalinguagem - fisicalidade "metafísica"
- a poeta "reamalgama" corpo e alma na matéria da palavra.
Ar, Corpografia, Poros Flóridos arejam e aromam a poesia
brasileira dos nossos dias.
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Leia
também poemas
de Josely Vianna Baptista.
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Augusto
de Campos, poeta, tradutor e ensaísta, nasceu em
1931, em São Paulo. Estreou em 1951 com o livro O Rei
Menos o Reino. É um dos criadores da Poesia Concreta,
junto com seu irmão, Haroldo de Campos, e Décio
Pignatari. Usando recursos visuais como a disposição
geométrica das palavras na página, a aplicação
de cores e de diferentes tipos de letras, entre outros procedimentos,
criou Poetamenos (1953), Popcretos (1964), Poemóbiles
(1974) e Caixa Preta (1975). Boa parte dessa produção
está reunida nas coletâneas Viva Vaia (1979),
Despoesia (1994) e Não (2003). Além de traduzir
autores como Mallarmé, Joyce, Maiakovski, Pound e Cummings,
publicou as antologias Re-Visão de Sousândrade
(1964) e Re-Visão de Kil-kerry (1971). Dialogando com
a música popular, tem parceria em canções
gravadas por Caetano Veloso e Arrigo Barnabé e gravou
o CD Poesia é Risco, junto com Cid Campos (1994).
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