ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

  AS APROXIMAÇÕES DA POBREZA. O SENTIDO DA PESQUISA ESTÉTICA HOJE, ENTRE A TRAMA DO MERCADO,
DA TECNOLOGIA E DA MÍDIA

Eduardo Jorge

 

Talvez a poesia seja mesmo uma manifestação de uma refinada pobreza, para se apropriar aqui de uma expressão que Kakuso Okakura usa para definir o salão-de-chá japonês, que ainda pode trazer como significado vivenda do vazio ou vivenda do assimétrico, trecho que gostaria de ler um pouco, na tradução do poeta Ruy Vasconcelos: "Os ideogramas para Sukya significam originariamente a Vivenda da Fantasia. É uma vivenda da fantasia, porquanto se trata de uma frágil estrutura construída para abrigar um impulso poético. É uma vivenda do vazio na medida em que está despojada de ornamentação senão pelo que pode ser nela introduzido para satisfazer alguma necessidade estética ocasional. É uma vivenda do assimétrico no sentido de ser consagrada à adoração do Imperfeito, propositadamente deixando algo incompleto para o jogo da imaginação terminá-lo".

Essa refinada pobreza pode soar aqui para alguns com um certo ar de altivez, ainda mais porque realmente vivemos em um país pobre. Não seria coincidência a "escassez de recursos" da poesia aproximá-la da pobreza, como no inglês: povertry, poetry. Entretanto, a carência de materiais pode em si ter uma contribuição interessante para pensarmos o poema como algo que necessita de um esforço maior para acontecer, para ficar de pé, se afirmar mesmo enquanto poema. Claro que fica complicado aqui estabelecer um referente para dizer o que é ou não um poema, porque padrões que definem isso não possuem uma mensuração adequada. Mas, quando se diz que o poema precisa de um esforço maior, quer se dizer que, comparado a outras manifestações que exigem recursos materiais mais significativos, como o cinema, ele, o poema, do papel mesmo, precisa exercer uma certa radicalidade do modo propriamente humano da existência, para utilizar uma idéia que parte de Hölderlin. E que radicalidade seria essa? Bem, essa radicalidade pode ter como vetor principal a pesquisa de linguagem. Nesse contexto, Hölderlin, via Haroldo de Campos: "a linguagem é o mais perigoso dos bens". Voltando a conversa em torno do salão-de-chá, Okakura nos diz que "arte, para ser totalmente apreciada, deve ser verdadeira com a contemporaneidade da vida". Imagino que isso não signifique recortes do real, ou que se tenha simplesmente de se "enquadrar" na técnica do seu tempo. Mas que a possibilidade da linguagem estabelecida de algum artista deve dialogar com o próprio artista, sua experiência, por mais simples que isso possa parecer. E quando isso não soa verdadeiro é perceptível. Foi via Baudelaire, no Conselhos aos jovens literatos, que tive acesso a esta citação de Delacroix: "A arte é uma coisa tão ideal e tão fugidia que os instrumentos não são jamais adequados, nem os meios, suficientemente expeditivos". Extraindo o excesso de idealismo trazido nessa frase, é interessante pensarmos que os suportes de uma linguagem literária realmente possam estar aquém de uma produção em si. Fica então essa questão para pensarmos. Ainda mais que, penso, para cada produção artística, um meio torna-se necessário quando se pode elastecer a linha verbal para o poema/trabalho.

E quando o poeta opta por trabalhar a linguagem isso não quer dizer que necessariamente ele seja apenas um formalista. Até porque essas fronteiras espontâneo-formalista, difícil-fácil[1] passam atualmente por algumas diluições, quando nos arriscamos em uma leitura da poesia contemporânea. Ou seja, não está mais simples enquadrar isso como um processo definidor de crítica em literatura contemporânea, algo que ainda escuto de Baudelaire aconselhando: "a questão não é saber se a literatura do coração ou da forma é superior à que está em voga". Na verdade, o processo de pesquisa de linguagem é uma via que só se descobre na própria viagem.

Há algo que vem também com essa pergunta de Hölderlin, é um tempo de indigência a que ele também se refere. E ele acrescenta sobre uma, digamos, missão do poeta: caminhar de terra em terra e aproximar-se, somente aproximar-se do mistério, de um agradecimento silencioso. "Pois a vida ainda se cumpre na própria indigência. Para aproximar-se da indigência e recebê-la como doação". Então reclamam que poesia não atrai um grande público, e eu me pergunto: para quê? Acho interessante essa festa para poucos e ainda mais poucos ainda os que mergulham em um processo de pesquisa de linguagem. Não é o ressentimento que deve predominar, é a consciência da indigência mesmo. Lembremos do poeta que ficou feliz com a perda do halo. Sempre vai haver outro que vai procurar esse halo no macadame, para cumprir a necessidade de ser laureado. Lembrando uma entrevista que uma vez Marjorie Perloff cedeu a Rodrigo Garcia Lopes: "Poesia não é lida neste país, não interessa a ninguém. Há até uma piada de que há mais poetas que leitores nos EUA, não sei como é no Brasil".

Lembro que nessas discussões torna-se interessante também buscar alguns pontos que foram discutidos ou que são discutidos para que existam também possibilidades de dobramentos ao que se pesquisa e produz hoje dentro de uma dada linguagem. No livro A palavra poética na América Latina (organizado por Horácio Costa), existem algumas questões para se conversar. Produzir poesia hoje é um tema, por exemplo, que rende um diálogo e tanto. Carlos Ávila, em uma fala chamada Poesia e sociedade de consumo, pontua algumas questões no que diz respeito a mercado editorial e linguagem híbrida do poema. Separei um trecho: "Diante do tamanho isolamento e da reduzida audiência para os seus versos, muitos poetas viram-se tentados a migrar para outros códigos, deixando o verbal em segundo plano. (...) A sedução das novas mídias é cada vez maior e, conseqüentemente, a ampliação das possibilidades técnicas da expressão. Desta maneira, o sonho do consumo poético torna-se uma possibilidade real - seja através da canção popular gravada em disco, do poema-eletrônico na TV, do objeto exposto em galerias de arte, das 'performances' intersemióticas etc. Até que ponto este novo processo significará uma real presença do poeta na sociedade de consumo, não há meios de avaliar. Outra questão: a utilização desses recursos consegue de fato quebrar o isolamento produtivo do poeta? (...) Nada impede, porém, que um cruzamento de linguagens aconteça, gerando um código híbrido, uma nova forma expressiva".

Então, acontece que esta discussão, mercado, pesquisa de linguagem, produção contemporânea, diálogo com tradições, tudo isso, passa por uma discussão da literatura hoje. E falando em meios, suportes, o livro não o é? Então, a linguagem verbal quando se estende a outros meios perde sua carga?

E uma outra questão, até que ponto se fazem concessões (porque concessões todos nós fazemos) em um processo de pesquisa de linguagem, que em si é uma via excêntrica. É possível continuar no centro (dentro do mercado) com um trabalho de pesquisa de linguagem? Márcia de Sá Cavalcante, tradutora do Hölderlin, nos diz: "O que significa, propriamente, essa 'via excêntrica'? Como diz, de imediato, a expressão, trata-se de um caminho, de uma via que se perfaz ao se abandonar o centro, ao se cair fora do centro. Longe de uma via retilínea, aquela em que se sabe, de antemão, de onde se parte e para onde se destina, a via excêntrica indica, fundamentalmente, um desnorteamento, um sem-rumo, um descentramento". Esse percurso de produção me interessa. Para encerrar, cito aqui Alexandre Veras, um videomaker com quem trabalho, que diz que para viver e trabalhar com pesquisa de linguagem em Fortaleza devemos fazer da falta uma disciplina. E vejo realmente que poetas em termos de indigência são mais que bem-vindos para serem também indigentes.

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Eduardo Jorge é poeta, autor do livro Espaçaria (Lumme Editor, 2007) e membro do conselho editorial da revista Zunái.

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[1] A poesia sempre foi difícil, quem deu a noção de poesia "difícil" foi a turma dos anos 60, que dizia que a poesia devia ser objetiva e direta. Marjorie Perloff.

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